De volta a 1633?
Agostinho de Hipona refutando os hereges, iluminura do século XIII, Morgan Library, New York
Quem pensa que os julgamentos por heresia são algo do passado e que o pedido de desculpas de João Paulo II pelo mui conhecido julgamento de Galileu indica que esse passado não se repetirá, está completamente enganado. Assim como está iludido quem acredita no discurso ecuménico da santa madre Igreja.
De facto, a diocese de San Bernardino, Califórnia do Sul, viveu há pouco mais de uma semana algo que os peritos indicam ser uma raridade na história dos Estados Unidos, um dos dois julgamentos por heresia da Igreja Católica neste país. Em ambos os casos os hereges em julgamento são dois ex-padres católicos (curiosamente da mesma diocese) que abandonaram a igreja em favor de movimentos católicos ecuménicos.
O padre agora julgado, Ned Reidy, que não nega as acusações que sob ele pendem, o facto de ter deixado a Igreja de Roma por outra religião e de advogar ensinamentos que violam a doutrina cristã, recusou participar da audiência que ele considera «medieval e totalmente não cristã» acrescentando «É como se a Inquisição tivesse voltado».
Mas não percebe certamente como no século XXI, o século da plena liberdade religiosa, é sujeito a um julgamento por heresia uma vez que a diocese de San Bernardino não tem qualquer jurisdição sobre ele ou a sua nova igreja, a Comunhão Ecuménica Católica. Aliás, Reidy foi excomungado automaticamente no momento em que aderiu a esta confissão católica «liberal», que, heresia máxima, não reconhece a infalibilidade papal, e diverge dos ditames do Vaticano em temas «fracturantes» como sejam o divórcio, contracepção, homossexualidade e celibato dos sacerdotes. Assim, esta igreja não só abençoa uniões homossexuais como ordena padres casados, divorciados, homossexuais para além de, horror dos horrores, mulheres!
De facto, as acusações de heresia (e cisma) ao ex-padre foram expressas numa carta do promotor de justiça da diocese, Stephen Osborn, que explicita entre as «ofensas contra os fiéis cristãos» e o ensino de «matéria contrária à lei divina e à lei universal da Igreja Católica» a recusa da Igreja Católica Ecuménica em aceitar a infalibilidade do Papa, a benção de uniões homossexuais e a ordenação de mulheres.
Não obstante Reidy, como evidenciado na página da paróquia ecuménica que preside, Pathfinder Community of the Risen Christ, afirmar que «Nós somos uma comunidade católica não romana» e pouco depois desta comunidade ter sido fundada a diocese de San Bernardino ter avisado os católicos locais por carta de que «sofreriam danos espirituais sérios» se participassem em qualquer actividade ecuménica, a diocese justifica a necessidade do julgamento para «clarificar oficialmente o seu estatuto dentro da Igreja». Pensar-se-ia que a excomunhão já o teria clarificado cabalmente…
Marc Balestrieri, o advogado que pediu a excomunhão por heresia de John Kerry quando este disputava a presidência dos Estados Unidos com G. W. Bush, congratula o bispo Gerald R. Barnes pela coragem e fibra moral demonstradas com este julgamento medieval. E espera que o seu exemplo seja seguido pelos seus colegas, ou seja, que se recupere essa prática tão salutar para a fé como o são os julgamentos por heresia.