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A República, o feriado, a hipocrisia e a laicidade

Depois de o ministro da Economia ter escrito um livro, não sobre a forma de dinamizar a dita no país, mas lastimando-se da falta de vocações sacerdotais na diocese de Braga, outrora um alfobre de sotainas e hoje um deserto de talentos pios, eis que anuncia o fim do 5 de outubro e do 1 de dezembro como feriados nacionais.

Quanto ao fim de dois feriados católicos, a Igreja, num ato de tartufismo, invoca o afeto que lhes tem e mostra-se indecisa no sacrifício das datas enquanto aguarda a decisão do Vaticano.

Surpreende que a privilegiada religião de um país laico, para quem todos os dias são santos, não possa transferir para um domingo qualquer dos seus feriados, não estando aqui em causa a ofensiva contra os direitos dos trabalhadores, de que os feriados (e não as pontes) resultam mais da afirmação ideológica do que da necessidade económica.

Desconte-se o dia da Família, a que os católicos podem e devem chamar Natal, ainda que, desconhecendo o ano do nascimento de Jesus, possam adivinhar o dia e fazê-lo coincidir com o que o mitraísmo já comemorava no solstício de inverno. Esse é um feriado verdadeiramente nacional, de crentes e de descrentes.

A Igreja católica, a única a que o Estado laico consentiu a indicação de datas suas para feriados nacionais, não pode fazer chantagem sobre o Governo nem humilhá-lo com a Concordata que lhe impôs graças a crentes que não tinham o direito de sobrepor os interesses do Vaticano aos de Portugal.

A Assunção de Nossa Senhora ao Céu é uma efeméride de que se desconhece a data, o local de partida, o itinerário e o meio de transporte, duvidando de que sejam muitos os católicos que associem o feriado à improvável subida ao Céu, em corpo e alma, da mãe de Jesus.

Só por hipocrisia a ICAR pode insistir na comemoração de um dogma criado em 1950 por Pio XII, o Papa que colaborou com o nazismo e protegeu Ante Pavelic, o autor do holocausto croata, que assassinou cerca de um milhão de judeus, sérvios e ciganos, bem como monsenhor Jozef Tiso, o facínora homólogo da Eslováquia que a condição de nazi não exonerou do carinho, da tranquilidade e da sotaina que o Vaticano lhe preservou.

Para quem já goza de 52 feriados dominicais, num país cuja separação das Igrejas e do Estado está constitucionalmente consagrada e impedida de ser objeto de revisão, esta hipócrita indecisão é um ato de gula que exige, em nome da laicidade e da igualdade das diversas religiões perante o Estado, o mais vivo repúdio e a mais veemente indignação.

Quanto ao feriado do 5 de outubro, a matriz do regime em que vivemos, regime que também não pode ser objeto de alteração em sede de revisão constitucional, esperamos que um PR que o mereça e um Governo que seja digno dele, ainda que da mesma cor partidária do atual, hão de reintroduzi-lo como feriado no calendário cívico e celebrá-lo como merece.

Viva a República.

Perfil de Autor

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- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:

- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;

- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores

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