Vaticano e ONU
Descobri há pouco uma campanha que pretende mudar o estatuto do Vaticano nas Nações Unidas. Como se sabe, apenas a Igreja Católica e a Suiça gozam nas Nações Unidas do estatuto de «observador permanente». Na petição a ser encaminhada à ONU, argumenta-se que a Igreja Católica, como qualquer outra organização religiosa que o deseje, deve ser reconhecida, não como um Estado, mas como uma organização não-governamental (ONG). «O que queremos é que a religião, que é importante na sociedade civil, não se exprima enquanto Estado» e «O Papa é um líder espiritual e religioso e não um chefe de Estado», afirma Elfriede Harth, representante para a Europa do grupo Catholics For a Free Choice (CFFC, Católicos por uma Escolha Livre).
Elfriede Harth acrescenta que a ideia pretende igualmente reduzir a influência que o Vaticano tem em conferências internacionais da ONU, como sucedeu no Cairo (sobre a população e desenvolvimento) ou em Pequim (IV Conferência Mundial sobre a Mulher). Nesta última, recorrendo a todos os mecanismos possíveis de pressão política, os delegados do Vaticano e os seus poucos aliados – os fundamentalistas islâmicos, Malta e alguns países latinoamericanos – tentaram impedir que se alcançasse o consenso necessário à aprovação da Plataforma de Acção, em pontos fundamentais à vida das mulheres. Nomeadamente no que diz respeito à universalidade dos direitos humanos, mais especificamente os direitos humanos das mulheres e com especial ênfase nos direitos reprodutivos .
Assim, no final da Conferência, um documento emanado da «Santa Sé» condenava a Plataforma de Acção. Nomeademente expressa a condenação de qualquer forma de reconhecimento legal do aborto, assim como da contracepção ou do uso de preservativos, «tanto como medida de planeamento familiar, como em programas de prevenção da SIDA». Declara também a sua não aceitação de todo o capítulo IV, secção C, sobre saúde, «por dar atenção desproporcional à saúde sexual e reprodutiva». Manifesta ainda reservas quanto ao direito das mulheres a controlarem a sua sexualidade, «porque poderia entender-se como aprovação a relações sexuais fora do matrimónio heterossexual.» Finalmente, demonstra preocupação com a secção sobre os direitos humanos, pelo «excessivo individualismo na forma de tratar tais direitos». Quiçá pelo comportamento dos delegados do Vaticano nesta Conferência, tanto no forum paralelo, em Huairou, como no oficial, em Pequim, circulou esta petição que pede a revisão do estatuto do Vaticano na ONU.
O estatuto aberrante da Santa Sé tem também algumas vantagens em termos legais. Assim, em Fevereiro último, o secretário de estado do Vaticano, Àngelo Sodano, pediu a Condoleezza Rice para «intervir num processo nos Estados Unidos que nomeia a Santa Sé como a acusada num caso de abuso sexual». O caso contra o Vaticano, interposto no Kentucky em nome de 240 vítimas de abuso sexual por parte de padres católicos, para além de indemnização pede ao Vaticano que «cesse as suas violações dos direitos das crianças internacionalmente reconhecidos» e que «indique todas as alegações de pedofilia» nos Estados Unidos. O porta voz do Vaticano, o Opus Dei Joaquin Navarro-Valls, afirmou que «É óbvio e razoável que a Santa Sé apresente as suas posições como uma entidade soberana ao Departamento de Estado americano e relembre a imunidade para os seus actos que a lei internacional antecipa».
Existem nos Estados Unidos vários processos em curso contra o Vaticano, não apenas relacionados com o escândalo da pedofilia (dos quais existem vários) mas também relacionados com escândalos financeiros. Um deles, mais um «Vatican Affair», é um esquema fraudulento que lesou em muitos milhões de dólares várias companhias de seguros americanas, e pelo qual foi condenado o monsenhor Emilio Colagiovanni, à altura presidente da Monitor Ecclesiasticus Foundation, uma fundação sediada em Roma que suporta e publica o Monitor Ecclesiasticus, um jornal de direito canónico católico. Mas quiçá o mais emblemático seja o caso em que os queixosos são sobreviventes dos campos de concentração croatas e organizações representando 300 000 vítimas do Holocausto na ex-Jugoslávia. Os queixosos pretendem a restituição do tesouro croata recolhido pelos Ustaše durante o regime nazi e que, de acordo com o Departamento de Estado americano, foi transferido ilicitamente para o banco do Vaticano no fim da guerra. O Vaticano recusa o acesso aos seus arquivos mas tenta todos os expedientes para que a acção seja anulada!