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Um ano após a cimeira dos Açores



Um ano após a cimeira dos Açores, Bush e Blair passam a reunir a dois. Perderam o cúmplice espanhol e dispensaram Durão Barroso, encomendando os cafés a uma empresa de catering.

Aznar, após o primeiro ataque das forças aliadas, declarou que “O regime iraquiano consumou o seu desafio à legalidade”. Com toda a razão.

Ficou claro que a ONU era contra a legalidade. Se fosse a favor teria autorizado os EUA a invadir o Iraque. Bush bem se esforçou, como é sabido. O invasor só não respeitou a lei porque não foi alterada. De quem foi a culpa? De Blair, Aznar, Berlusconi e Barroso? Claro que não, foi do mundo que não quis apoiar os libertadores.

Tenho um vizinho acusado de ofensas corporais por ter ido às trombas a um gajo detestável. Não é justo. Sei que é inocente, que só o agrediu, em legítima defesa, porque o outro se pôs a jeito e lhe provocou a paciência.

O advogado que constituiu ao arrepio da jurisprudência de Guantánamo, quer atribuir a culpa ao meu amigo. Eu sou testemunha de que o outro pôs o nariz à frente do seu punho, que desafiou com as mãos nos bolsos, que o trespassou com o olhar.

Mas afinal quem é o agressor, o que desafia parado ou quem se defende em movimento? Quando a agulha pica a costureira ninguém responsabiliza a agulha. Só faltava absolver a parede e acusar o condutor quando um carro se despista.

Há, nas democracias, a lamentável exigência do contraditório como pressuposto da justiça. Se este pensamento deletério fizesse escola acabaríamos por nos pôr ao lado dos índios que enjeitaram a evangelização, absolver os negros que recusavam o degredo e a escravatura, condenar os nazis que concentraram e albergaram judeus, censurar os inquisidores que forneceram lenha gratuita aos hereges.

E, entre um qualquer desconhecido de mau porte e um amigo nosso que embirre com ele, não podemos ficar neutros (parecer do jurista Durão Barroso). Finalmente, entre um deus que sabemos do nosso lado e um deus que suspeitamos estar do outro não podemos vacilar em relação ao verdadeiro.

Há um ano os cidadãos do mercado de Bagdade puseram-se à frente dos mísseis para lhes impedir a cirurgia a que se propunham. Foram eles, iraquianos, os responsáveis pela inutilização dos mísseis. Tal como os jornalistas do Hotel Palestina.

A provar que Deus esteve ao lado dos aliados esteve o facto de terem sido os únicos com direito ao céu. A bordo dos bombardeiros. Para os iraquianos ficou o inferno das bombas inteligentes. Mas deus está visivelmente cansado e já abandonou Aznar. Palpita-me que vai fazer o mesmo aos outros.

P. S. – O carácter obsceno do massacre de Madrid não legitima retroactivamente a invasão do Iraque.

O combate ao terrorismo – necessário e urgente – não pode subverter as regras da democracia.

A vitória do PSOE, em Espanha, é excelente para os que repudiam o carácter provocatório de uma referência religiosa na futura Constituição Europeia.

Perfil de Autor

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- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa

- Sócio fundador da Associação República e laicidade;

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- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;

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- Colaborador do Jornal do Fundão;

- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»

- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:

- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;

- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores

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