A ICAR e a política espanhola
A Igreja católica e o franquismo viveram tão harmoniosamente que o silêncio foi a nota dominante perante os crimes cometidos: execuções sumárias, roubo de crianças a quem assassinavam os pais, perseguições, prisões, enfim, uma ditadura cruel comparável às de Hitler e Estaline. Nem os padres republicanos, quando foram executados, encontraram compaixão nos cúmplices de Franco.
Não me refiro à crueldade, praticada pelos dois lados da barricada, durante a guerra em que a República, saída das eleições, foi derrubada com a bênção do Vaticano. A sedição e os crimes cometidos foram equiparados a uma Cruzada pelo papa de turno, que ainda considerava as Cruzadas como acções pias. O futuro santo Escrivà foi um apoiante que seguiu Franco no ataque a Madrid.
A Igreja católica digeriu mal a democracia espanhola, como é natural, e os bispos não desistiram de abanar as mitras e agitar os báculos sempre que as leis acompanharam a modernidade e puseram em causa os seus preconceitos. Não hesitaram em ocupar as ruas, invadindo Madrid com sotainas, beatos e protestos, quando as leis do divórcio, do aborto e do casamento entre indivíduos do mesmo sexo foram votadas. E não aceitaram que a liberdade fosse levada às escolas do estado, tornando facultativa a frequência das aulas de religião.
Nas últimas eleições municipais e autonómicas a ICAR concorreu às eleições através do PP numa irritação ruidosa contra o PSOE, tal como havia feito no tempo de Aznar. Zapatero ainda fez numerosas cedências, particularmente no campo financeiro, um acto que a Igreja costuma apreciar. Nem a neutralidade conseguiu.
No próximo dia 20, dia das eleições gerais, com a rotatividade partidária assegurada e a certeza de que entre os democratas de direita se escondem ainda os franquistas, a Igreja apresenta-se às eleições apoiando o PP. A Conferência Episcopal já aconselhou os eleitores católicos «para que não caiam em erros que podem levá-los a votar uma opção que não esteja de acordo com a sua fé». A mensagem será difundida nos confessionários e nos púlpitos de milhares de paróquias, à semelhança do que o Islão faz nas madraças e nas mesquitas.
A vitória da direita será também a do clero que, há duas legislaturas, rumina a raiva que nutre pelo PSOE. É curioso que uma Igreja tão prosélita não tenha percebido ainda que a juventude espanhola está cada vez mais longe do pensamento do clero e indiferente aos santos destinados a Espanha que o Vaticano tem fabricado em doses industriais.
A vitória partidária da Igreja católica prenuncia o requiem pela sua influência política.
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
- Sócio fundador da Associação República e laicidade;
- Sócio da Associação 25 de Abril
- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;
- Sócio dos Bombeiros Voluntários de Almeida
- Blogger:
- Diário Ateísta http://www.ateismo.net/
- Ponte Europa http://ponteeuropa.blogspot.com/
- Sorumbático http://sorumbatico.blogspot.com/
- Avenida da Liberdade http://avenidadaliberdade.org/home#
- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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