Treta da semana: alternativas.
Não me parece que haja boas opções para ultrapassar esta crise de dívida pública e, principalmente, privada. O Louçã diz que se pode usar fundos daqui e dali, e ele percebe mais disto do que eu, mas suspeito que não temos que chegue para tapar o buraco que os últimos governos escavaram, e ainda menos para o buraco criado pelos bancos, especuladores e “empreendedorismos” do género. Só me oponho à intervenção do FMI e do BCE porque me parece evidente que mais dívidas só vão agravar o problema. O default é inevitável. É preferível admiti-lo agora, enquanto o Estado ainda tem dinheiro para funcionar, negociar e controlar a derrocada, do que depois dos primeiros credores levarem o dinheiro que resta e, além de tesos, estivermos a levar com um “estímulo económico” como o que o FMI tem dado à Irlanda e à Grécia.
Mas no Portal Evangélico descobri outra forma de lidar com o problema. Foi um plano simples, como aliás estas coisas tendem ser, executado no domingo passado:
«Que em cada igreja, em cada casa, seja separado o dia 17 de Abril para um tempo de oração em jejum em favor da nossa Nação, das autoridades, da Igreja, das famílias e das pessoas em particular principalmente àquelas que neste momento mais sentem as dificuldades financeiras que afectam a vida emocional e afectiva pessoal e familiar, como é o caso dos desempregados de longa duração, os reformados e os trabalhadores de menores rendimentos.
Esta é a oração de Davi, pedindo paz para a cidade: “Haja paz dentro de teus muros, e prosperidade dentro dos teus palácios” (Salmos 122:7). Devemos pedir ao Senhor que coloque um muro de protecção em volta de cada lar, e da Igreja. […E]nquanto as autoridades terrenas têm tentado impedir que os conflitos continuem, a autoridade instituída por Deus na terra, que é a Igreja do Senhor, tem por intermédio da oração e também de acções práticas o poder para impedir que esta destruição continue e aumente repreendendo e resistindo a esses principados.»(1)
Infelizmente, parece que nem a intervenção do Nosso Senhor Jesus Cristo foi capaz de acalmar os mercados. Não se sabe quantos títulos de dívida pública Deus terá comprado, mas é evidente que não chegou para baixar as taxas de juros. E resta uma questão fundamental. O texto não esclarece se o BCE poderá aceitar euros de milagre como moeda legítima ou se irá processar, por contrafacção, o Criador, o Seu Filho e o Conselheiro Espiritual de ambos.
Este plano mostra também uma diferença entre os cristãos evangélicos e os católicos. Enquanto os primeiros querem negociar uma recapitalização de milhares de milhões de euros em troca de um dia de jejum e rezas, os últimos limitam-se a pedir. E vão mais longe. Nesta sexta-feira, a propósito da celebração do sacrifício de Jesus – torturado e morto pelos nossos pecados num acto inefável de amor e justiça – o Papa aproveitou para pedir, já agora, que Jesus fizesse também «com que morra dentro de nós o homem velho ligado ao egoísmo, ao mal e ao pecado.»(2) Uma excelente ideia, que só peca por não lhes ter ocorrido dois mil anos mais cedo.
É claro que os cristãos que se consideram sofisticados não acreditam que Jesus intervenha nos mercados financeiros ou que altere a maneira de ser das pessoas tirando um egoísmo a este, um mal àquele ou um pecado ao outro. O deus do crente sofisticado age sem intervir no espaço de liberdade de um universo em constante criação e auto-descoberta, numa relação do Outro com o Eu e do Eu com o Outro, em plena dádiva de si e outras coisas que não deixem qualquer vestígio, não vá alguém lembrar-se de testar estas alegações.
Mas, como P. T. Barnum dizia, é preciso haver coisas para todos os gostos. Se as massas associativas se revêem nestes pedidos, intercessões e trocas de favores, é razoável que a sofisticação da crença fique reservada apenas para algumas discussões mais filosóficas.
Pena, pena, é que a treta não pague imposto…
1- Portal Evangélico, CONVOCAÇÃO À IGREJA PARA UM DIA DE ORAÇÃO E JEJUM PELA NAÇÃO
2- Jornal Económico, Papa pede o fim do “homem velho ligado ao egoísmo”
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