Música benta para ouvidos ateus?
Num ponto estou em desacordo com os meus colegas de blog: a eleição de quem eu considerava o mais provável sucessor de João Paulo II, por uma simples análise política de uma instituição que reitero como puramente política, não constitui motivo de regozijo. Simplesmente porque a minha análise global dos cenários que esta calamidade implica é francamente negativa.
Apesar de não acreditar em profecias «nostradâmicas» ou «malaquianas» que prevêm este Gloria Olivae como o penúltimo Papa, acho que as consequências da eleição deste Papa, para quem o epíteto ultra conservador é um eufemismo, serão desastrosas. Direi mesmo que o dia de hoje, 19 de Abril de 2005, pode constituir um marco para um retrocesso civilizacional que será muito difícil de recuperar. Para que tal não aconteça nós, ateístas, agnósticos e, como tive a grata surpresa de confirmar agora mesmo na SIC Notícias, alguns católicos, temos de redobrar os nossos esforços para combater os inevitáveis ataques à laicidade e ao apelidado relativismo moderno, que espero esclarecer num próximo post.
Não é um bom augúrio um Papa que considera que «Se os divorciados se casam civilmente, ficam numa situação objectivamente contrária à lei de Deus. Por isso, não podem aproximar-se da comunhão eucarística» assim como «O fiel que convive habitualmente more uxorio com uma pessoa que não é a legítima esposa ou o legítimo marido, não pode receber a comunhão eucarística».
Mesmo em termos estéticos e musicais este Papa tem uma palavra a dizer condenando a música rock como um «contra-culto que se opõe ao culto cristão», acusando ainda a música de ópera de ter «corroído o sagrado».
Claro que algumas das conquistas do século passado vão estar sob ataque cerrado, nomeadamente o fim da discriminação de sexos, opção sexual ou de religião. De facto este Papa considera as mulheres como divinamente predestinadas à dominação do homem, condenando, entre inúmeras outras coisas, a emancipação da mulher, recuperando toda a letra da encíclica Casti Connubii do pio Pio XI.
De igual forma deixou claro e de forma «incisiva» a sua rejeição às uniões homossexuais. Segundo Joseph Ratzinger e, podemos pressupor, Bento XVI: «diante do reconhecimento legal das uniões homossexuais (…) é necessário opôr-se de forma clara e incisiva. Há que se abster de qualquer tipo de cooperação formal à promulgação ou aplicação de leis tão gravemente injustas». Esta posição anacrónica e tão vigorosa de apelo à desobediência civil , expressa nas santas «Considerações sobre os projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais», mereceu de Mario Vargas Llosa um artigo que recomendo.
E, claro, o suposto diálogo ecuménico foi abruptamente interrompido quando se elegeu como Papa o autor do Dominus Iesus.
Voltamos assim em pleno e sem rodeios diplomáticos a uma Igreja com um referencial centrado na mui glorificada Idade Média das Cruzadas e caça às bruxas e hereges! Para que o fim desta história não seja uma reedição da História negra da Humanidade temos de unir esforços, todos, ateus, agnósticos e crentes com referencial no século XXI!