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ECR 2: Evolução.

O décimo sétimo capítulo do livro Educação, Ciência e Religião (ECR) responde afirmativamente à pergunta «Pode defender-se a teoria da evolução e, ao mesmo tempo, acreditar em Deus?»(1). É evidente que se pode defender qualquer coisa independentemente do que se acredita. Basta ignorar qualquer inconsistência que daí advenha. Mas a forma como os autores respondem à pergunta revela uma compreensão imperfeita desta teoria que querem compatibilizar com a sua fé, alegando que «o nexo natural, causal e criativo dos eventos é, em si mesmo, a acção criativa de Deus. […] Uma imagem desta posição é pensar em Deus como um compositor, sendo a evolução a sua música, caracterizada por uma complexa beleza.»

Podemos calcular a distribuição de probabilidade para o número de vezes que uma moeda calha coroa em cem lançamentos, ou outras estatísticas do género, porque podemos modelar a complexidade das colisões entre a moeda, o dedo que a empurra, as moléculas do ar e a mesa considerando tudo isto como um processo aleatório. Mas só se assumirmos que o resultado não é determinado por algum ser inteligente a agir sobre a moeda. Se assim for, então o cálculo de probabilidades deixa de fazer sentido. Não poderemos tratar o resultado como uma variável aleatória, nem assumir que os lançamentos são independentes, nem nada do que precisamos para este modelo probabilístico.

Por isso, se perguntarmos a um matemático qual o resultado esperado, e o intervalo de 95% de confiança, para cem lançamentos da moeda assumindo que «o nexo natural, causal» desses lançamentos é «a acção criativa de Deus», a única resposta possível é “sei lá”. Não há forma de modelar isso.

Com a evolução temos o mesmo problema. Se assumirmos que factores como mutações, a segregação dos genes na meiose e o sucesso reprodutivo dos organismos resultam de processos naturais complexos mas sem inteligência, então podemos modelá-los como variáveis aleatórias inferindo das frequências observadas as suas probabilidades. Os modelos da genética de populações são mais complexos que o da moeda mas assentam nos mesmos princípios. E, tal como o da moeda, estarão completamente errados se a evolução for guiada por um ser inteligente. A teoria da evolução é incompatível com esse “Deus compositor”, da mesma forma, e pelas mesmas razões, que a distribuição binomial não serve para descrever o processo de escolher deliberadamente um dos lados da moeda.

Por isso, é inevitável o conflito entre a teoria da evolução e qualquer forma de criacionismo inteligente, mesmo que seja o criacionismo light dos católicos. Partindo do pressuposto que a evolução é um processo natural incapaz de pensar ou antecipar resultados futuros, a teoria da evolução consegue descrever a origem das espécies com muito mais detalhe e rigor do que qualquer alternativa. O que justifica rejeitar a hipótese de haver propósito ou inteligência na evolução, tal como se rejeita que a moeda seja controlada por extraterrestres quando se comporta exactamente como esperado de uma moeda a cair na mesa.

É certo que, para as religiões, a moeda cair por processos naturais não levanta qualquer problema. O problema está apenas na nossa origem, pela premissa alegadamente humilde de sermos a obra mais especial do criador do universo. Essa hipótese leva com um balde de água fria se, afinal, formos produto de bioquímica e selecção natural. Mas a ilusão de quem procura sentido para a sua vida no propósito de um ser imaginário é irrelevante para aferir estes factos. A verdade é que a melhor descrição que temos para a origem dos seres vivos que povoam agora a Terra depende de assumir que não há qualquer propósito ou inteligência na evolução.

Quem, por algum motivo pessoal, optar por um modelo de criação inteligente – muito pior porque, parafraseando o Ricky Gervais, não dá quaisquer detalhes (2) – adopta uma posição inconsistente com a teoria da evolução. Porque se assume «Deus como um compositor, sendo a evolução a sua música», então os modelos probabilísticos que a teoria da evolução gera não fazem qualquer sentido. Se a vida na Terra fosse uma criação inteligente, deliberada e propositada, seria incorrecto modelá-la da forma como a teoria da evolução o faz.

1- Alfredo Dinis e João Paiva, Educação, Ciência e Religião, Gradiva 2010.
2- Como podem ver neste vídeo.

Em simultâneo no Que Treta!

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