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  • 2 de Agosto, 2010
  • Por Carlos Esperança
  • Vaticano

A feira dos milagres

Na ânsia de fabricar milagres, JP2 convocou centenas de defuntos, sepultados em zonas de confiança ideológica da ICAR, para curarem uma criança aqui, uma freira acolá, um médico noutro sítio, enfim, uma quantidade enorme de doentes que Deus sadicamente tinha estropiado. A boa vontade dos defuntos, em péssimo estado de conservação, aliviou alguns cristãos das moléstias enviadas pela divina providência, na sua infinita bondade.

O exercício da medicina foi o passatempo desses bem-aventurados, há muito desaparecidos, cristãos com pecados apagados pelo tempo e virtudes avivadas pelo Papa. No laboratório do Vaticano autenticaram-se certificados de garantia para os milagres e criaram-se novos beatos e santos que povoaram a folha oficial do bairro de 44 hectares.

Antigamente era o próprio Cristo que se deslocava à Terra para ajudar a ganhar batalhas aos seus eleitos ou que aconselhava os cristãos sobre a forma de matarem infiéis com mais eficácia. Depois de numerosos desaires, ou porque a idade e o reumático lhe limitaram as deslocações, Deus deixou ao Papa a tarefa de engendrar os milagres mais adequados à promoção da fé e estupefacção dos crentes. O pontificado de João Paulo 2 abandonou o método artesanal de fazer um santo aqui outro acolá, de acordo com os interesses políticos do Vaticano e as oferendas dos países beneficiários, para se dedicar à industrialização. Nasceu com JP2 a indústria dos milagres em série.

As curas de cancros foram, durante muito tempo, as preferidas da Cúria romana. Problemas de ossos, moléstias da pele, diabetes, paralisias e outras doenças fazem parte do cardápio da santidade. Mas, com tanta clientela para elevar aos altares, o Vaticano já chegou ao ponto de deixar para um imperador (Carlos I da  Áustria) a cura de varizes numa freira. Foi uma ofensa aos quatro filhos vivos que assistiram à beatificação. Se para um imperador sobra como milagre a cura de varizes, o Papa, quando for um sólido defunto, arrisca-se a não ter disponíveis mais do que dois furúnculos para curar, numa catequista da Polónia, se quiser chegar a beato.

Os medicamentos estragaram milagres de grande efeito, como a cura da lepra, por exemplo. Há milagres que o Vaticano não arrisca – hemorróidas, por causa do sítio, e a sífilis, a blenorragia, a SIDA e outras moléstias que associa ao pecado.

Mas há enganos que há muito deixou de cometer, canonizar por engano um cão que julgava mártir, ou uma parelha de mulas que morreram de exaustão e que a ICAR pensou tratar-se de santas mulheres que sacrificaram a vida pelo divino mestre.

Os milagres são cada vez mais rascas mas os dados biográficos dos que os obram são cada vez melhor escrutinados. B16 tem milagres parados por causa dos bem-aventurados esperados nos altares e que viram devassados os pecados na praça pública.

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