Peregrinação a Meca e «Capital Cultural»
Acabou mais uma peregrinação a Meca.
Todos os anos se vai repetindo o ritual: cerca de 2 milhões de fiéis islâmicos de 160 países participam na hajj.
A peregrinação inclui a vigília no monte Arafat, o sermão na mesquita Namirah, a ida ao Muzdalifah depois de passar o dia em oração, lendo o Alcorão e pedindo perdão.
Neste local os peregrinos rezam durante o pôr do sol, enquanto recolhem pedras para o ritual do dia seguinte: o apedrejamento do demónio. Os peregrinos vão a Meca, e atirarão pedras sobre os três pilares que representam o mal. No ano passado, nesta fase do ritual, morreram 244 pessoas, mas este ano apenas ocorreram alguns «ferimentos ligeiros».
Esta peregrinação deve ser feita, pelo menos uma vez na vida, por qualquer muçulmano com capacidade física e financeira.
Sempre que vejo notícias sobre esta peregrinação, lembro-me de uma conferência internacional da fundação Calouste Gulbenkian, dedicada ao tema «Globalização, Desenvolvimento e Equidade». A conferência estava dividida em temáticas, as quais iam desde as questões cambiais até às questões tecnológicas. Uma destas temáticas consistia numa análise aos problemas de subdesenvolvimento de África. Um dos oradores explicou detalhadamente aquilo que entendia por «capital cultural» e a influência que podia ter no desenvolvimento: falou sobre as questões da confiança entre as pessoas, de como isso facilita o empreendimento e pode tornar desnecessária a burocracia; falou sobre a corrupção e sobre a forma de como ela pode ser ou não tolerada; falou sobre a sociedade civil, sobre a forma como pode ser activa ou amorfa, e uma série de outras questões. Na sua opinião, o «capital cultural» tinha um grau de importância no desenvolvimento equiparável ao «capital financeiro» e «capital tecnológico», e era possivelmente mais determinante que os recursos naturais.
Curioso foi quando ele decidiu dar exemplos concretos. Falou sobre como em África as Igrejas podem ter muitas vezes uma acção paralisante e contrária ao desenvolvimento, enquanto mantêm uma grande influência sobre a sociedade. Enquanto na África sob influência do catolicismo, são as políticas anti-natalistas que tendem a ser minadas pela Igreja local, no norte de África são os líderes islâmicos que conseguem obter dos governos dinheiro para subsidiar, a quem não tenha recursos (quase ninguém os tem), uma peregrinação a Meca durante a sua vida. Atentem nisto: governos de países que enfrentam sérias dificuldades económicas, que precisam de canalizar todos os seus recursos para se desenvolverem, «patrocinam» peregrinações a Meca aos seus habitantes, tal é o fervor religioso dessas sociedades.
Ele deu outros exemplos relacionados com o «capital cultural» que nada tinham a ver com a religião, mas este aqui dá que pensar…