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Sobre “o deus que habita em nós”

Em conversa com um amigo falávamos da diversidade de sensibilidades que unem as pessoas mas que também as separam e, muitas vezes, conduzem a agressões verbais ou físicas condenáveis só porque uns gostam de maçãs e outros preferem pêssegos!… Sendo atitudes condenáveis, na verdade também são naturais em nós… fazem parte da característica de predador com que a Natureza nos dotou como sistema de defesa e sobrevivência.

Mas se a Natureza nos fez predadores – tal como fez o leão – também nos equipou com um cérebro de características especiais, dando-nos raciocínio, sensibilidade e inteligência… faculdades que o leão não possui. Por isso nos obrigamos a usar as nossas características de “Sapiens”, contrariando o mero animal que somos, usando “odeus que habita em nós” abandonando a parte mais animalesca que, naturalmente, faz o leão e também possuímos.

O meu amigo arregalou os olhos de espanto. Sabendo-me ateu, estranhou a minha referência “ao deus que habita em nós”! Compreendi o seu assombro porque o Ateísmo sempre foi vilipendiado e dele se faz, erradamente, exemplo de desvio comportamental no pior dos sentidos.

Não há razão para espanto. Os ateus criticam “a ideia da existência de um deus exterior a nós” – no aproveitamento social e económico que dessa ideia se faz – mas nunca criticam “o deus que habita em nós”… isto é, a ideia que nos levou à criação de deuses e depois à sua depuração até chegarmos ao “Deus único” adorado por judeus, cristãos e muçulmanos.

Quando refiro “o deus que há em nós”, sou compreendido por quem me escuta (ou lê) e é crente, porque a força que ele sente na crença que alimenta “o deus que habita em si” é, no fundo, a característica daquela parte de nós que sublinha o facto de sermos “Sapiens” e que nos diferencia de todos os outros animais nossos companheiros da vida na Terra, fazendo de nós os seres especiais e superiores que somos.

Mesmo assim, quando em discordância com os nossos semelhantes, somos capazes de adoptar comportamentos iguais aos de um qualquer animal predador inferior, porque a nossa origem animal é a mesma… embora raciocinemos, deixamos, imensas vezes, a nossa sensibilidade tormentosa comandar-nos, tomando conta da Razão. E por esse caminho ficamos em patamares inferiores aos irracionais nossos irmãos de reino, porque enquanto que eles só guerreiam por alimento, por fêmea e pelo domínio do grupo, nós fazêmo-lo pelas mesmas três razões… e ainda acrescentamos a lista, tomados por uma irracionalidade que demonstra o pior da nossa condição animal… o que parece incongruente com a nossa capacidade de raciocinar… mas a verdade é que somos assim… ainda estamos muito mal acabados!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

Perfil de Autor

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Onofre Varela nasceu no Porto em 1944, estudou pintura e exerceu a atividade de desenhador gráfico em litografia e agências de publicidade, antes de abraçar a carreira de jornalista (na área do cartune), em 1970, no jornal O Primeiro de Janeiro. Colaborou com a RTP, desenhando em direto a informação meteorológica no programa Às Dez e animando espaços infantis. Foi caricaturista e ilustrador principal no Jornal de Notícias, onde também escreveu artigos de opinião, crónicas e entrevistas.