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Da Premissa Filosófica de um Mundo sem Deuses

A Religião Envenena a Ética e a Moralidade

Criado no DALL-E

Sinto sempre um moderado incómodo quando alguém, um crente, um temente a Deus, me pergunta como é possível eu ter algum conceito de moralidade e ética sendo ateu. Pior ainda, insultam-me quando ficam incrédulos por eu não me levantar todos os dias com a magnífica ideia de deambular pelas ruas de Lisboa, a pisar grávidas, a matar idosos e a violar tudo o que me aparece pela frente.

Sem grande surpresa, parecem ficar mais tranquilos quando lhes digo que não, que não ando pelas ruas, seminu e a conduzir um jipe com cabeças humanas como bandeiras, a matar pessoas aleatoriamente numa busca eterna por mais gasolina. No fim, e se fizerem um esforço real para me conhecer, são sempre confrontados com a crua ironia das perguntas que me fizeram. E, provavelmente, perguntar-se-ão de onde veio essa ideia.

Esta genial proposição é uma falácia antiga que persiste. Um mito disseminado por mentes incautas ao longo dos milénios. Uma história que insiste em afirmar que o ser humano só não faz exatamente o que lhe apetece, quando lhe apetece — como torturar, matar, mentir, cobiçar, invejar ou semear o caos — porque um ou mais criadores, ou criadoras, decidiram dotar os seus brinquedos de carne preferidos com certos mecanismos de moralidade espiritual.

Agora, tu, se achas que a moralidade não pode existir sem fé num ou mais deuses, não estás apenas profundamente enganado; estás também a aproximar-te, e sorrateiramente, da ignorância.

Os crentes argumentam fervorosamente que, sem Deus, esse suposto modelo de bondade, justiça eterna e compaixão, não pode haver moralidade. Contudo, ignoram uma verdade simples e, arrisco a dizer, inegável: os seres humanos possuem um sentido inato de empatia e de humanidade partilhada. Imagino-o como uma bússola interna que nos guia, sem necessidade de divindades rancorosas a interferir de maneira suspeita nas nossas consciências.

Olhemos para os infiéis, os agnósticos, os ateus. Eles não precisam de mandamentos divinos gravados em pedra na Idade do Bronze para agir com bondade; fazem-no por genuíno altruísmo, não achas? Mesmo quando há uma agenda mais egoísta por detrás de um acto de compaixão, isso apenas reforça a ideia de que este é um mecanismo que evoluiu com a nossa espécie. Há vantagens em ser bom.

As boas acções não necessitam de recompensas divinas nem de promessas de uma vida após a morte repleta de prazeres celestiais; são valiosas por si mesmas. A moralidade e a ética não são reflexos das doutrinas religiosas, como alguns crentes podem tentar fazer-te acreditar. Estão profundamente enraizadas no nosso ADN, produtos de instintos sociais e intelectuais que evoluíram ao longo do tempo.

Assim como as árvores antigas têm raízes profundas, o Homo sapiens prosperou através da cooperação e do altruísmo — virtudes que existiam muito antes de a religião organizada surgir. Atribuir, portanto, a moralidade humana a uma fonte divina é, claramente, uma ideia não só perigosa, mas também incrivelmente estúpida.

Consideremos o conceito de Inferno, introduzido apenas no mais afável Novo Testamento. Este é um exemplo evidente de como a religião pode distorcer a moralidade de formas cada vez mais bizarras. A ideia de uma condenação eterna no pior lugar do cosmos por se desviar de uma crença, ainda que irrelevante para o mundo secular, não é apenas moralmente contraditória; é uma flagrante violação da razão e da justiça.

A ética humanista considera este conceito não só ridiculamente ultrapassado, mas também completamente absurdo. Indigno de ser levado a sério. Porém, os crentes continuam a agarrar-se a esta macabra fantasia medieval, ainda hoje defendida acerrimamente por grande parte do clero. 

Até alguns descrentes aceitam esta genial ideia, e acreditam que os seus filhos precisam de temer um demónio com cascos, chifres e um tridente para se comportarem adequadamente. A estes digo: pensem melhor.

Pondo de lado as verdadeiras teocracias que ainda existem no mundo, a maioria das religiões de hoje apresenta-se de forma mansa, amável e alegre, oferecendo, com floreados metafóricos, consolo e elevação espiritual. Mas não devemos esquecer o comportamento bárbaro que exibiram quando detinham verdadeiro poder, impondo as suas vis crenças das quais ninguém podia escapar — ainda há poucas décadas atrás, aliás.

A Bíblia, por exemplo — e apenas para evitar referir todos os manuais oficiais das diversas religiões que têm assolado a humanidade desde sempre, e continuam a fazê-lo — reflete práticas sociais e morais de tempos antigos, quando se sabia muito pouco sobre o mundo, quanto mais sobre o cosmos. Justificava acções como a escravatura e a limpeza étnica, que hoje são naturalmente consideradas profundamente imorais e criminosas.

À medida que o nosso entendimento do cosmos e de nós próprios evolui, também evolui o nosso sentido de moralidade e ética. Nunca foi tão claro que os ensinamentos religiosos procuram impedir este progresso, impondo dogmas rígidos, arcaicos e trancados pela inefável e austera palavra de Deus.

A fé, como nos ensina a história da humanidade, conduz à mesquinhez, ao egoísmo e à ignorância, promovendo a obediência cega em vez de uma verdadeira responsabilidade moral e intelectual.

A verdadeira moralidade não se encontra em textos sagrados, mas na nossa capacidade inata de empatizar com o nosso semelhante. Consiste, fundamentalmente, em respeitar e dignificar todos os seres vivos, guiados pelo nosso Daemon interno, como diria Sócrates

Esta é a ética de um mundo sem deuses, que abraça o humanismo secular e que se dedica ao máximo bem-estar de todos os seres vivos, através da ciência, da razão e da nossa própria humanidade.

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