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Somos como somos… e eu sou um ateu-cristão!

No tempo em que a nossa espécie vivia em pequenas hordas, todos obedeciam à autoridade de um chefe, provavelmente o elemento macho mais velho, ou mais forte, do grupo que se submetia a um regime patriarcal. A autoridade familiar era ditada pelo pai e exercida por impulsos de várias ordens: de alimento, de luta e de sexo. Todo este poder do patriarca era exercido com prazer, e supõe-se que as mulheres da tribo lhe pertenciam.

O correr do tempo fez funcionar a nossa parte mais racional que nos conduziu à Civilidade, à Moral e à Arte. No mesmo embrulho do raciocínio há um outro valor do pensamento: a Religião. Ligado à moral, seria o sentimento maior que aglutinava todos os outros, limando a animalidade ditada pela nossa condição de antropoides e predadores, e usando a ética que nos transformou em pessoas.

Talvez possamos dizer que a Religião (ou a ética nela acoplada), embora hoje saibamos ser uma ilusão, teria sido o elemento responsável pelo travão que parou o “animal” para dar passagem à “pessoa”. O Homem de hoje é o resultado de toda a História construída ao longo de centenas de milhar de anos.

Hoje sabemos que o estágio actual da nossa evolução nos faz entender a ilusão que a Religião é, e o seu efeito anestesiante nos momentos em que precisamos de nos abandonarmos nos braços da mãe que já não temos… mas que o conceito de Deus pode substituir.

Desta necessidade primeira que deu corpo à nossa sensibilidade, ferramenta com a qual construímos a civilização e a ética, também acabou por surgir o negócio do credo em forma organizada por igrejas ou seitas que exploram as mentes mais dadas à crença e ao temor da divindade.

De todas elas temos que nos precaver, estando atentos aos seus discursos, interesses e intenções, que podem não ser coisa boa, ou não tão boa como pode parecer à primeira vista e todas elas garantem ser!… Não nos devemos entregar cegamente à ideia de um deus redentor e salvador, abandonando a Razão filosófica que deveremos possuir como bitola padronizadora das nossas reacções, do nosso raciocínio e dos nossos actos.

Comparando Religião e Futebol, ambos são coios de interesses na exploração das mentes mais débeis. Se o futebol alguma vez foi exemplo de ética, deixou de o ser quando se transformou numa indústria “mafiosa”. Também existe uma indústria da fé, não porque “salva” pessoas, mas porque dá lucro e poder aos líderes das religiões. Sejamos críticos da ideia do divino e estejamos atentos ao que nos querem vender como “Única Verdade”.

Se é verdade haver um mercado da fé que faz o seu caminho na ajuda do outro (o que é sempre de louvar), não é menos verdadeiro haver nele um bom número de péssimos representantes da espécie, aglomerados em cachos de extremistas e comerciantes, dos quais nos devemos separar como se separa o trigo do joio.

Por tudo isto, e mercê do ambiente em que fui educado (porque ninguém foge às suas origens) e da consciência que tenho do meu modo de ser, me considero (e sou-o, naturalmente, mesmo que não me considerasse) um “Ateu-Cristão”. Isto é: um ateu de raiz (educação) cristã.

Se eu tivesse nascido num país islâmico e continuasse a ser ateu, seria um “Ateu-Muçulmano”… se me permitissem afirmar-me ateu!… Há países muçulmanos onde um ateu confesso não tardará a ser cadáver!

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

Perfil de Autor

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Onofre Varela nasceu no Porto em 1944, estudou pintura e exerceu a atividade de desenhador gráfico em litografia e agências de publicidade, antes de abraçar a carreira de jornalista (na área do cartune), em 1970, no jornal O Primeiro de Janeiro. Colaborou com a RTP, desenhando em direto a informação meteorológica no programa Às Dez e animando espaços infantis. Foi caricaturista e ilustrador principal no Jornal de Notícias, onde também escreveu artigos de opinião, crónicas e entrevistas.