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«El Derecho a Cagar-se em Dios»

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Escolhi para encabeçar esta crónica o título de um livro de Richard Malka, na sua versão espanhola (libros del Zorzal, 2022), com o título original em francês: «Le droit d’emmerder Dieu», publicado em 2021.

O seu autor é o advogado que defendeu o jornal satírico francês Charlie Hebdo no julgamento dos terroristas que invadiram a redacção do jornal no dia 7 de Janeiro de 2015 e mataram 12 jornalistas-cartunistas. Richard Malka lembra que o julgamento dos terroristas islâmicos também serviu para demonstrar que o Direito se sobrepõe à força, e recordar o “alcance político, filosófico e metafísico” dos atentados cometidos pelos fanáticos do Islão que matam e destroem tomados pela convicção de que “Deus assim quer”.

As vítimas do Charlie eram pessoas que riam e desenhavam, no desfrute das mais básicas liberdades, as quais os fanáticos assassinos não têm. Nas suas mentes só podem ser encontradas neuroses e frustrações alimentadas por uma crença primitiva destruidora da razão, da inteligência e do bom senso. Para estes agentes religiosos extremistas, apenas contam as inexistentes “leis do céu” e não têm medo de morrer. Preferem a morte à vida.

A seguir aos atentados houve gente socialmente bem colocada, como filósofos, sociólogos e até “uma antiga candidata às eleições presidenciais”, que defenderam o abandono do “direito a caricaturar e a criticar livremente as religiões”!… Richard Malka pergunta: “Como pretender tal coisa com um mínimo de honestidade intelectual?”.

Os terroristas detestam as nossas liberdades e não se detêm no ataque ao modelo de sociedade democrática ocidental, que escolhemos na defesa da liberdade no sentido universalista, baseado na Razão e na liberdade de expressão, contrariando a sociedade dos fanáticos que é constituída pelo dogma e pela submissão. Os terroristas ameaçam as suas vítimas com a promessa de “estripá-las, queimá-las vivas, violá-las, degolá-las, e enviam-lhes fotos de cabeças decapitadas. Vocês não podem imaginar a violência das mensagens” que estes destinatários, escolhidos pelos fundamentalistas, recebem.

Perguntando “Como chegamos a esta situação?” o autor responde: Uma organização chamada Sociedade Islâmica da Dinamarca, instruiu o Iman Ahmad Abu Laban para construir um dossiê com as doze caricaturas de Maomé publicadas no jornal Jyllands-Posten em Setembro de 2005, juntando-lhes outras três, de desenho primitivo e sem nome do autor (essas, sim, bastante ofensivas do profeta Maomé!…). Era uma estratégia para inflamar o sentimento religioso muçulmano… o que foi conseguido.

Ahmad Abu viajou pelo mundo árabe publicitando aquele dossiê como isco a ser mordido pelos religiosos mais fundamentalistas… e assim se deu início ao incendiar de paixões religiosas extremistas, organizaram-se acções de rua com queima de bandeiras, embaixadas atacadas, atentados e assassinatos, tudo à conta de um embuste criado pelos ímanes da Dinamarca. 

Richard Malka interroga: “quem deita gasolina no fogo? Quem caricatura o Irão? Nós, ou os ímanes dinamarqueses? Acaso os blasfemadores não foram os ímanes que inventaram as caricaturas ofensivas? Quem conhece esta história? Conhece-a o príncipe Al Thani do Qatar, que nos quer dar lições de anti-racismo e mantém trabalhadores estrangeiros sem passaporte e os trata como escravos? Conhece-a o presidente Erdogan que nos quer dar lições de tolerância e massacra muçulmanos kurdos numa autêntica limpeza étnica?

Massacrar milhares de muçulmanos não é islamofobia… mas publicar desenhos, sim?!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Perfil de Autor

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Onofre Varela nasceu no Porto em 1944, estudou pintura e exerceu a atividade de desenhador gráfico em litografia e agências de publicidade, antes de abraçar a carreira de jornalista (na área do cartune), em 1970, no jornal O Primeiro de Janeiro. Colaborou com a RTP, desenhando em direto a informação meteorológica no programa Às Dez e animando espaços infantis. Foi caricaturista e ilustrador principal no Jornal de Notícias, onde também escreveu artigos de opinião, crónicas e entrevistas.