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Mitologia no reino da crença – (2)

Texto de Onofre Varela previamente publicado na imprensa escrita.

Sabe-se que as mitologias se copiam, se adaptam e se repetem, e que essa característica se reflecte, também, nas religiões, o que terá motivado o gravador, poeta e tipógrafo inglês, William Blake (1757-1827), a publicar, em 1788, a sua célebre frase “Todas as religiões são uma só”.

Como exemplo ilustrativo do encontro (ou cópia) de narrativas mitológicas, focarei o caso de Zohak, ambicioso filho de um rei do deserto, que se deixou tomar pelo espírito do mal e matou o seu próprio pai para se apossar do trono. Mas uma noite, em sonhos, Zohak viu-se vencido por um jovem príncipe. Ao acordar sentiu pânico pela possível perda do poder, e ordenou a todos os sábios do reino que interpretassem o seu sonho. Um deles, de nome Mobed, disse-lhe que o seu trono iria ser tomado por um jovem acabado de nascer, e que seria “para a Terra, um augusto céu”. Aterrorizado, Zohak mandou massacrar todos os recém-nascidos, esperando matar, ainda no berço, aquele que deveria pôr termo ao seu reinado (*). 

Esta lenda do deserto esteve, por certo, na origem da narrativa do Novo Testamento que conta a maldade de Herodes na tentativa de matar Jesus Cristo recém-nascido! 

Na mitologia grega, Zeus concebeu Hércules deitando-se com Alcmena, mulher do general Anfitrião, ajudado por Sósia que tomou a forma do criado de quarto de Alcmena para vigiar o regresso do general ausente na guerra de Tebas. Mito grego que nos legou a palavra Anfitrião (aquele que recebe em sua casa), e Sósia (aquele que é semelhante a outro), e que foi copiado na versão cristã da gravidez de Maria pelo Espírito Santo, em versão mais cândida sem relação sexual. 

A história de Moisés, abandonado em bebé numa cesta flutuando nas águas do Nilo, é cópia das histórias de Ciro e Ardashir, bem como da de Sargão, rei Sumério que viveu cerca de 600 anos antes, e que em bebés foram abandonados num cesto nas águas do rio Eufrates. 

De igual modo, os gémeos Rómulo e Remo, filhos proibidos da vestal Reia Sílvia, foram lançados no rio Tibre numa cesta. Encontrados por uma loba que os amamentou, cresceram, alcançaram a fama, e Remo fundou Roma no ano 753 AC.

Estas lendas que contam o sucesso de quem, pelo nascimento, parecia talhado para a desgraça, tem a mais valia de alertar os menos afortunados para a possibilidade de se libertarem do “mau-destino” se procurarem outros caminhos ao encontro de um futuro mais promissor, no sentido de que não há quem nasça com o destino marcado… o destino de cada um é construído pelo próprio, de acordo com as oportunidades que tem, e do seu querer e saber.

(FIM)

(*) – História das Mitologias II. Direcção de Félix Guirand. Edições 70. Lisboa, 2006. Págs. 199 e 200.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Perfil de Autor

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Onofre Varela nasceu no Porto em 1944, estudou pintura e exerceu a atividade de desenhador gráfico em litografia e agências de publicidade, antes de abraçar a carreira de jornalista (na área do cartune), em 1970, no jornal O Primeiro de Janeiro. Colaborou com a RTP, desenhando em direto a informação meteorológica no programa Às Dez e animando espaços infantis. Foi caricaturista e ilustrador principal no Jornal de Notícias, onde também escreveu artigos de opinião, crónicas e entrevistas.