Mitologia no reino da crença – (1)
Texto da autoria de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.
A Mitologia legou-nos fantásticas narrativas que testemunham o nosso poder de abstracção do real – sinal de inteligência superior – e atestam a crença em poderes sobrenaturais, na construção da sensibilidade religiosa. O espírito dos mortos e as divindades, com ou sem forma humana, povoam as várias mitologias ainda hoje visíveis sob a forma ritualista enquadrada na etnografia de todos os lugares do mundo, incluindo nela as religiões.
Os mitos e as lendas são narrativas que identificam os povos. Para Roland Barthes, a narrativa é um dos mais eficazes instrumentos de conhecimento que acompanham a Humanidade desde os seus alvores. Não há povo sem uma narrativa que, simbolicamente, o represente. Contos, fábulas, relatos, crónicas e epopeias, são os suportes da narrativa que enaltece os feitos, as leis e as virtudes de um povo. Essa narrativa funciona como emblema, ou marca, da realidade comunitária, e tem responsabilidades na formatação do pensamento dos indivíduos da comunidade.
A Bíblia está nessa linha. É uma colectânea de narrativas lendárias misturadas com feitos, factos e personalidades reais que fazem História. Por tão misturadas, há lendas que passam como verdades históricas (exemplo das dez pragas do Egipto, da fuga dos Hebreus e do abrir das águas para o “povo eleito de Deus” poder atravessar o mar a seco). Os primeiros cinco livros da Bíblia – do Génesis até ao Deuteronómio – são uma colectânea de narrativas que misturam lenda e História, enformando a identidade de um povo concreto: o Israelita.
Na Mitologia Egípcia o deus Rá extraiu de si mesmo, e sem união com uma mulher, o primeiro casal divino, ao mesmo tempo que criava o primeiro universo, governando-o a partir do seu palácio. Mas com o correr do tempo revelou-se a ingratidão dos homens… o que lhe inspirou o desejo de deixar a Terra e de se refugiar longe dos seres que criara, indo para o céu, para o seu palácio celestial, de onde passou a reinar como Deus-Sol, criando, então, o nosso mundo actual.
Esta estória mitológica egípcia tem muita semelhança, na forma, com a narrativa bíblica que conta a criação de Adão e Eva, o arrependimento de Deus por ter criado um Homem de índole tão perversa, e a solução do dilúvio que a divindade encontrou para acabar com o mal feito e recomeçar a sua obra com um mundo novo.
É bastante plausível que os Hebreus autores do Génesis bíblico se motivassem neste mito egípcio, muito provavelmente importado da Mesopotâmia dos Sumérios (a primeira civilização) para construírem a sua própria Cosmogonia.
Voltarei ao tema no próximo artigo.
(Continua)
(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)
OV
Perfil de Autor
Onofre Varela nasceu no Porto em 1944, estudou pintura e exerceu a atividade de desenhador gráfico em litografia e agências de publicidade, antes de abraçar a carreira de jornalista (na área do cartune), em 1970, no jornal O Primeiro de Janeiro. Colaborou com a RTP, desenhando em direto a informação meteorológica no programa Às Dez e animando espaços infantis. Foi caricaturista e ilustrador principal no Jornal de Notícias, onde também escreveu artigos de opinião, crónicas e entrevistas.
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CATEGORIES
Ateísmo -
DATE
28 de Julho, 2023 -
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