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O Missódromo do Trancão

Texto de Onofre Varela previamente publicado na imprensa escrita.

Os jornais e noticiários de rádio e televisão não têm sido avaros em espaços informativos sobre a última polémica protagonizada pelo Governo, pela Igreja e pelas autarquias de Lisboa, Loures e Oeiras, relacionada com a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) que acontecerá em Lisboa de 1 a 6 de Agosto.

É a “Festa do Avante da Igreja Católica” que, segundo a imprensa, deverá custar ao Estado cerca de 80 milhões de euros… mas com as derrapagens habituais naquilo que são as empreitadas para Governo e autarquias, não nos admiremos se o resultado final ultrapassar os 100 milhões… acrescentados, ainda, de outros 80 milhões suportados pela Igreja Católica.

Dizem os entendidos em constitucionalidade, que tal saída de dinheiros públicos dos cofres de uma República Laica para acudir a uma fé religiosa, não fere a Constituição… eu não tenho a mesma certeza… mas sei que fere o meu sentimento laico e a minha moral, e também sei que tal verba nunca seria oferecida às Testemunhas de Jeová para fazerem festa igual!

A construção foi adjudicada à construtora Mota-Engil por mais de quatro milhões de euros, o contrato está assinado, o tempo disponível para a construção é curto para emendas… e mesmo sendo possível fazê-las, ninguém acredita que a construtora vá querer facturar menos do que a verba contratualizada e já aprovada.

O Partido Comunista faz muito melhor e muito mais barato! Perguntem-lhe como se constrói a Festa do Avante que dura o mesmo tempo da JMJ e não se gasta nem uma pálida sombra dos euros que vão ser comidos no Missódromo do Trancão!

A obra consta de um palco com cinco níveis, considerando quatro sacristias e espaços específicos para bispos e cardeais, mais zona de orquestra e aposentos para o Papa e sua comitiva. No palco caberão duas mil pessoas… e para servir toda esta gente, não sei quantas dezenas de retretes vão ser construídas… com esgoto para o Trancão ou Tejo!

Para além deste espaço ainda se vão montar equipamentos nos parques Eduardo VII e da Boavista, Terreiro do Paço e Alameda D. Afonso Henriques.

Em Madrid, a JMJ de 2011 custou 50 milhões e nem um cêntimo saiu dos cofres do Estado, aproveitando-se o terreno de um aeródromo para o efeito. A nossa mania das grandezas, própria de um povo menor que passa fome mas quer mostrar que tem vida folgada, escolhe gastar à grande e à Vaticana!

Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, exibindo o seu colar de autoridade medieval “deu o corpo às balas” garantindo que “nas nossas vidas não vamos ter evento com a mesma dimensão”… isto de o Papa chegar ao Trancão é mais importante do que a chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil, de Vasco da Gama à Índia ou do Homem à Lua!

O Papa Francisco, com a sua reconhecida pobreza franciscana, estará envergonhadíssimo e só não mandará à fava tal evento por respeito à juventude entusiasmada com a viagem a Lisboa que os libertará do jugo dos papás durante uma semana.

O Papa Francisco não merecia tal vergonha… e se Jesus Cristo cá estivesse hoje, corria ao tabefe e a pontapé estes “vendilhões do Missódromo do Trancão”, cujos promotores (entenderia ele) não mereceriam mais do que umas valentes trancadas!

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Perfil de Autor

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Onofre Varela nasceu no Porto em 1944, estudou pintura e exerceu a atividade de desenhador gráfico em litografia e agências de publicidade, antes de abraçar a carreira de jornalista (na área do cartune), em 1970, no jornal O Primeiro de Janeiro. Colaborou com a RTP, desenhando em direto a informação meteorológica no programa Às Dez e animando espaços infantis. Foi caricaturista e ilustrador principal no Jornal de Notícias, onde também escreveu artigos de opinião, crónicas e entrevistas.