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Mês: Julho 2023

30 de Julho, 2023 João Monteiro

Vamos entreter deus?

Texto de Arnaldo Martins:

Não se deixe o leitor enganar pelo titulo deste artigo uma vez que um ser tão poderoso certamente conseguirá entreter-se a sí mesmo.

Vou pedir emprestado ao Vasco Santana a sua famosa frase cinéfila e clamarei que: “Deus, há muitos! Seu p….”

Isto a propósito da crença de um sem número de pessoas que há um ser com características igualzinhas às dos humanos – ciumento, invejoso, vingativo, bélico, irado, etc – que acresce as próprias de um ser desta natureza – omnipotente, omnipresente, omniconsciente, pináculo da moralidade e por aí adiante.

Entreter a ideia que um ser desta índole exista é abrir o caminho para que mais seres possam ser caracterizados, proclamada a sua existência, introduzidos no quotidiano, atribuídas funções miraculosas e semeada na cabeça das pessoas que é impossível que eles não existam porque o ser humano não possui as capacidades cognitivas para provar ou negar a sua existência.

Por outras palavras, quem alega passa para o não crente o ónus da prova ou, só para parecer imparcial, afirma que não se consegue há data dizer que existe ou não existe, ou ainda por cima afirma que nem se sabe se algum dia poderemos comprovar ou não a sua existência.

Pois bem, questões filosóficas há muitas e de resposta difícil de encontrar. Se salvamos a vida a uma criança ou salvamos a vida a um médico, por exemplo. Só há uma dose de vacina para um vírus mortífero, neste caso tomo eu ou toma a minha mulher? Isto são tudo questões com uma carga moral forte cuja opção por uma ou por outra são válidas tendo em conta os argumentos apresentados e aceitação dos mesmos pelos próprios envolvidos ou pela comunidade em geral. Será função do filósofo alertar e identificar alternativas ou razões para tomada da decisão, mas a decisão final será sempre da responsabilidade dos interlocutores e o filósofo não tem de escolher nenhuma das opções a não ser o de esclarecer as hipóteses possíveis.

No caso de Deus, a questão é simples. Basta saber aquilo que tem acontecido ao longo da história para perceber que este é mais um igual aos milhares que já foram descartados pela humanidade.

Ninguém acredita em Zeus, Odin, Thor, Osiris, Horus, Shiva, etc. Quem acredita nestes deuses fá-lo com a mesma ignorância e falta de prova de quem acredita no Deus Jeová.

Entreter a ideia de que não se pode provar ou negar a existência de Deus é dar carta branca àqueles que fazem livros religiosos cheios de histórias alucinadas, de feitos mirabolantes, de práticas horrendas, de acontecimentos historicamente inexistentes, de explicação de fenómenos naturais com base em intervenções divinas, no fundo, criar um mundo ilusório desprovido de senso comum e desconforme com a realidade.

A negação da existência de Deus não é feita por nenhum ser humano (cujas faculdades podem ser mais ou menos afetadas no que toca ao raciocínio lógico), mas sim pela crueza e objetividade da realidade em que vivemos.

Colocar a questão da existência de Deus no patamar filosófico é atribuir valor às ideias patéticas e das quais nos devemos afastar em nome da racionalidade e da valorização da natureza e condições humanas.

Esperar que os problemas de vivência em comum seja dirigidos por um ser celestial é ignorar o valor intrínseco da nossa capacidade inata de empatia e de preocupação pelos que são nossos e pelos outros.

Albergar a ideia de Deus na nossa cabeça, apenas faz com que ele morra connosco quando chegar a nossa hora.

Imagem de Tumisu por Pixabay
29 de Julho, 2023 Onofre Varela

Mitologia no reino da crença – (2)

Texto de Onofre Varela previamente publicado na imprensa escrita.

Sabe-se que as mitologias se copiam, se adaptam e se repetem, e que essa característica se reflecte, também, nas religiões, o que terá motivado o gravador, poeta e tipógrafo inglês, William Blake (1757-1827), a publicar, em 1788, a sua célebre frase “Todas as religiões são uma só”.

Como exemplo ilustrativo do encontro (ou cópia) de narrativas mitológicas, focarei o caso de Zohak, ambicioso filho de um rei do deserto, que se deixou tomar pelo espírito do mal e matou o seu próprio pai para se apossar do trono. Mas uma noite, em sonhos, Zohak viu-se vencido por um jovem príncipe. Ao acordar sentiu pânico pela possível perda do poder, e ordenou a todos os sábios do reino que interpretassem o seu sonho. Um deles, de nome Mobed, disse-lhe que o seu trono iria ser tomado por um jovem acabado de nascer, e que seria “para a Terra, um augusto céu”. Aterrorizado, Zohak mandou massacrar todos os recém-nascidos, esperando matar, ainda no berço, aquele que deveria pôr termo ao seu reinado (*). 

Esta lenda do deserto esteve, por certo, na origem da narrativa do Novo Testamento que conta a maldade de Herodes na tentativa de matar Jesus Cristo recém-nascido! 

Na mitologia grega, Zeus concebeu Hércules deitando-se com Alcmena, mulher do general Anfitrião, ajudado por Sósia que tomou a forma do criado de quarto de Alcmena para vigiar o regresso do general ausente na guerra de Tebas. Mito grego que nos legou a palavra Anfitrião (aquele que recebe em sua casa), e Sósia (aquele que é semelhante a outro), e que foi copiado na versão cristã da gravidez de Maria pelo Espírito Santo, em versão mais cândida sem relação sexual. 

A história de Moisés, abandonado em bebé numa cesta flutuando nas águas do Nilo, é cópia das histórias de Ciro e Ardashir, bem como da de Sargão, rei Sumério que viveu cerca de 600 anos antes, e que em bebés foram abandonados num cesto nas águas do rio Eufrates. 

De igual modo, os gémeos Rómulo e Remo, filhos proibidos da vestal Reia Sílvia, foram lançados no rio Tibre numa cesta. Encontrados por uma loba que os amamentou, cresceram, alcançaram a fama, e Remo fundou Roma no ano 753 AC.

Estas lendas que contam o sucesso de quem, pelo nascimento, parecia talhado para a desgraça, tem a mais valia de alertar os menos afortunados para a possibilidade de se libertarem do “mau-destino” se procurarem outros caminhos ao encontro de um futuro mais promissor, no sentido de que não há quem nasça com o destino marcado… o destino de cada um é construído pelo próprio, de acordo com as oportunidades que tem, e do seu querer e saber.

(FIM)

(*) – História das Mitologias II. Direcção de Félix Guirand. Edições 70. Lisboa, 2006. Págs. 199 e 200.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

28 de Julho, 2023 Onofre Varela

Mitologia no reino da crença – (1)

Texto da autoria de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

A Mitologia legou-nos fantásticas narrativas que testemunham o nosso poder de abstracção do real – sinal de inteligência superior – e atestam a crença em poderes sobrenaturais, na construção da sensibilidade religiosa. O espírito dos mortos e as divindades, com ou sem forma humana, povoam as várias mitologias ainda hoje visíveis sob a forma ritualista enquadrada na etnografia de todos os lugares do mundo, incluindo nela as religiões.

Os mitos e as lendas são narrativas que identificam os povos. Para Roland Barthes, a narrativa é um dos mais eficazes instrumentos de conhecimento que acompanham a Humanidade desde os seus alvores. Não há povo sem uma narrativa que, simbolicamente, o represente. Contos, fábulas, relatos, crónicas e epopeias, são os suportes da narrativa que enaltece os feitos, as leis e as virtudes de um povo. Essa narrativa funciona como emblema, ou marca, da realidade comunitária, e tem responsabilidades na formatação do pensamento dos indivíduos da comunidade.

A Bíblia está nessa linha. É uma colectânea de narrativas lendárias misturadas com feitos, factos e personalidades reais que fazem História. Por tão misturadas, há lendas que passam como verdades históricas (exemplo das dez pragas do Egipto, da fuga dos Hebreus e do abrir das águas para o “povo eleito de Deus” poder atravessar o mar a seco). Os primeiros cinco livros da Bíblia – do Génesis até ao Deuteronómio – são uma colectânea de narrativas que misturam lenda e História, enformando a identidade de um povo concreto: o Israelita.

Na Mitologia Egípcia o deus Rá extraiu de si mesmo, e sem união com uma mulher, o primeiro casal divino, ao mesmo tempo que criava o primeiro universo, governando-o a partir do seu palácio. Mas com o correr do tempo revelou-se a ingratidão dos homens… o que lhe inspirou o desejo de deixar a Terra e de se refugiar longe dos seres que criara, indo para o céu, para o seu palácio celestial, de onde passou a reinar como Deus-Sol, criando, então, o nosso mundo actual.

Esta estória mitológica egípcia tem muita semelhança, na forma, com a narrativa bíblica que conta a criação de Adão e Eva, o arrependimento de Deus por ter criado um Homem de índole tão perversa, e a solução do dilúvio que a divindade encontrou para acabar com o mal feito e recomeçar a sua obra com um mundo novo.

É bastante plausível que os Hebreus autores do Génesis bíblico se motivassem neste mito egípcio, muito provavelmente importado da Mesopotâmia dos Sumérios (a primeira civilização) para construírem a sua própria Cosmogonia. 

Voltarei ao tema no próximo artigo.

(Continua)

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Zorro4 por Pixabay
26 de Julho, 2023 Onofre Varela

A dignidade da Igreja ou a falta dela

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Vou alinhar na moda dos articulistas de jornais e escrever sobre aquilo que “está a dar”… o que está mais vivo nas nossas memórias enquanto Portugueses atentos à Comunicação Social. Se, até há uma semana, era o terramoto na Turquia e na Síria que tomava o lugar da importância noticiosa dada à guerra que Putin faz à Ucrânia, agora é a pedofilia clerical na sua versão portuguesa.

Enquanto ateu não estou nada preocupado com o futuro da Igreja… mas preocupo-me com o futuro dos jovens que lhe caem dentro, sejam estudantes seminaristas, ou crentes tenrinhos em preparação do espírito religioso para a comunhão, e que podem acabar abusados sexualmente precisamente por sacerdotes em quem confiam e de quem ouvem o discurso “Deus é amor”!

Os crimes de pedofilia cometidos no seio da Igreja não vão terminar após a leitura do resultado deste inquérito sobre crimes sexuais de sacristia. Depois da “poeira assentar”, a Igreja continuará a albergar dentro de si abusadores sexuais.

Os casos de sexo criminoso só poderão ser reduzidos (o óptimo era serem erradicados), quando o tema “sexo” não constituir tabu para a Igreja, nem os sacerdotes se obrigarem à hipócrita “castidade”. Um padre é um animal como qualquer outro homem; tem sexo e instinto. A Natureza que o comanda obriga-o à prática sexual. Se o não pode fazer legalmente, fá-lo-à criminosamente!… Quem não percebe isto não percebe nada… e parece que a Igreja nunca o percebeu.

Contrariar a Natureza é o que os ensinamentos católicos sempre fizeram. Desde a negação de que o Homem é um antropoide sujeito a uma evolução natural, afirmando ter sido criado por um deus de fábula já com a forma definitiva… até à absolvição divina, de todas as más acções cometidas, através do acto medieval da “confissão”.

A Igreja poderá transformar-se numa instituição socialmente mais aceitável e credível quando, no sacerdócio, houver mulheres e padres casados. Enquanto essa evolução não se verificar, os crimes de pedofilia continuarão a ser praticados pelos religiosos mais próximos das crianças.

Pedidos de perdão e indemnizações aos ofendidos não resolvem em definitivo os males provocados, nem garantem o abandono de práticas criminosas. O dinheiro não vai curar as feridas psicológicas causadas pela violação das vítimas, porque as feridas vão acompanhá-los por toda a vida, embora possa ser usado para custear actos médicos no alívio do mal.

Os agressores tiveram a sua “construção psicológica” erigida durante a permanência no seminário sem contactos com o sexo oposto. Se esta situação não garante o nascimento de um pedófilo, também não pode afirmar o contrário… e em algumas mentes poderá conduzir ao uso do sexo na alcova do crime.

A situação socialmente inaceitável da Igreja começa no momento em que o credo religioso se considera “intocável”. Não criticar a Igreja é a primeira atitude para alicerçar e permitir os abusos por ela praticados. O extremo poder da Igreja sobre as populações culturalmente indefesas dos países católicos por tradição milenar é, por si só, uma “atitude pornográfica”. Os poderes numa sociedade moderna, verdadeiramente progressista e democrática, têm de ser diversificados para que os abusos não sejam cometidos com tanta facilidade ou, até, serem evitados.

Quando há poder absoluto, os detentores desse poder podem fazer de tudo… e a Igreja sempre deteve todo o poder do mundo, exercendo-o a seu bel-prazer a coberto da “intocabilidade sacra” e com o apoio que sempre recebeu de ditaduras e democracias, com as quais convive promiscuamente.

É esta intocabilidade que ainda mora dentro de cabeças cardinalícias… e é por aí que se deve começar o desmoronamento da mentalidade bafienta e medieval que faz o retrato oficial da Igreja.

Mulheres na actividade sacerdotal e casamento dos sacerdotes, poderá ser a porta de saída dos pedófilos, e a porta da entrada de alguma dignidade nesta Igreja tão carente dela!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Peter H por Pixabay
24 de Julho, 2023 Onofre Varela

A História diz-nos que deus é perigoso

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

O conceito de Deus, entendido como poder, é tão perigoso quanto qualquer outro poder quando ele nos é imposto como paradigma da “Verdade Absoluta”, obrigando-nos à sua submissão e adoração, sem limites nem interrogações. O “poder dos deuses” sempre foi uma ditadura persecutória, explorado pelos líderes das comunidades que o usavam para oprimir o Povo, conseguindo a sua subserviência ao poder temporal, amedrontado-o com o castigo divino. Os credos religiosos subjugam-nos desde a Antiguidade mais remota até aos nossos dias e à nossa porta, e é neste sentido que deve ser entendida a frase: “A História diz-nos que Deus é perigoso”. Fora deste contexto de subjugação a um deus, numa sociedade sadia dispensadora da droga do divino, uma corrente de ar é bastante mais perigosa para um corpo desprotegido… e Deus vale zero.

Embora esse poder continue a ser praticado ao serviço dos vários interesses que comandam a sociedade em que nos inserimos, estamos numa posição diferente daquela em que viveram os povos de outros tempos sob a ditadura dos sacerdotes. Hoje não são apenas as religiões que dirigem a vontade dos povos; os partidos políticos e os grupos económico-financeiros também fazem parte da lista dos exploradores da boa-fé das populações. Somos comandados pelos poderes que dominam a sociedade e nem nos damos conta de que são muitos. Na verdade, quando um anónimo cidadão temente a Deus ajoelha no templo em frente ao altar do santinho da sua devoção, julga fazê-lo perante a divindade. Foi isso que lhe disseram em menino e é nisso que ele acredita. Mas na verdade ajoelha-se perante um Poder: o poder da Igreja que amarra as mentes crentes à ideia opressora de Deus. A seguir vêm todos os outros poderes, e não é raro a própria entidade patronal (a quem o temente a Deus vende a força do seu trabalho) pertencer à casta dos que colhem da seara divina (é, até, muito vulgar) porque a ideia de Deus traz acoplada a submissão à autoridade, seja ela divina ou humana. O patrão tem poder sobre os seus assalariados, podendo negar-lhes o pão quando muito bem entender, e na verdade já o nega quando lhes paga salários miseráveis e compra habitações de luxo e automóveis topo de gama para si próprio com o lucro que arrecada do trabalho miseravelmente pago. As leis nesta era da globalização, estão feitas à medida dos poderes da banca e da Economia, numa Europa desenhada para a submissão do Trabalho ao Capital, e da Política à Economia e à Alta Finança, protegendo a exploração do trabalho com direitos reduzidos para alimento de um sistema económico asselvajado.

Neste sistema social há uma verdade histórica a considerar: “o Povo é tanto mais explorado quanto mais religioso for”. E há mais esta: “a sociedade tem tanto mais ricos, quanto mais pobres forem as pessoas que a constituem”. E isto não é mais do que sinal de primitivismo!

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

21 de Julho, 2023 Onofre Varela

O acaso e a ideia de deus.

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Quando o “Homo sapiens” teve consciência de si e do meio em que vivia, deu-se a primeira grande Revolução do Pensamento, iniciando-se aí um caminho de busca e descoberta que jamais parou. 

O nosso pensamento, enquanto banco de dados (e ainda sem dados em número e qualidade suficientes), começava, então, a fazer a incessante colecção de ideias usadas como ferramenta que, mesmo primitiva e deficiente, permitia o desbravar do desconhecido acrescentando mais dúvidas às nossas procuras, do que certezas satisfatórias e definitivas. 

Muito provavelmente foi assim que se iniciou a busca das explicações para os enigmas que nos caíam no pensamento como moscas em fruta podre. É de crer que, então, se construiu a primeira grande “ideia explicativa” em forma enigmática: uma panóplia de deuses! Cada deus acudia a um problema! 

No decorrer do avanço do conhecimento, o panteão que nos serviu de “enciclopédia” e pretensa despensa com “soluções” para todos os males e respostas para todas as perguntas, acabou por ser reduzida a, apenas, um único deus, criado e adoptado pelo povo Hebreu com base na lista dos deuses importados da civilização suméria. 

Hoje todos nós sabemos que Deus é “uma ideia”, um conceito. E também sabemos que uma ideia não tem poder sobre a matéria se não for concretizada. E Deus (assim, tal e qual como nos é apresentado, exactamente na forma como as religiões o pintam e adoram) não passa de uma ideia fantasista inconcretizável; logo, directamente, não pode agir sobre nada. 

Os fenómenos desenvolvidos pelo acaso (o que é o acaso?) indutor de transformações químicas e físicas que fazem a evolução natural, mais as acções dos homens, é que recebem, de nós próprios, o rótulo “obra de Deus”… mas a responsabilidade desse rótulo é nossa, e as acções e concretizações pretensamente divinas, também! Não são de Deus que, como actor fora do nosso pensamento, é inexistente. Logo, Deus não é, nem pode, coisíssima nenhuma. 

Deus é como a tinta na paleta de um pintor. Se não for o pintor a colocá-la na tela, ela própria, por si só, não produz obra (eis a resposta para o acasoo acaso é a terceira cor conseguida pela mistura de duas… e nunca é um acaso fortuito, porque obedece a razões químicas, físicas e matemáticas. Sem aquelas porções certas de cada cor, aquele “acaso” não seria assim, tal como se apresenta, mas um outro. Cada acaso tem a sua fórmula própria que lhe permite ser como é e não de outra maneira). 

Então, poder-se-á perguntar: crer em Deus é sinónimo de ignorância?!… Porque é que um licenciado (médico, por exemplo) tem, pelo conceito de Deus, a mesma adoração de um servente de pedreiro analfabeto? Será que o licenciado não aprendeu nada, ou o analfabeto sabe muito?! 

Não podemos, nem devemos, ajuizar o conhecimento de cada um a partir das suas crenças ou descrenças. A crença e o conhecimento podem co-habitar pacificamente na mesma mente. Embora sejam de naturezas diferentes, possuem vasos comunicantes e até se podem complementar. 

É preciso respeitar o outro e perceber o fenómeno desapaixonadamente, para se evitar confrontos azedos e sempre desnecessários. 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

20 de Julho, 2023 Onofre Varela

O Missódromo do Trancão

Texto de Onofre Varela previamente publicado na imprensa escrita.

Os jornais e noticiários de rádio e televisão não têm sido avaros em espaços informativos sobre a última polémica protagonizada pelo Governo, pela Igreja e pelas autarquias de Lisboa, Loures e Oeiras, relacionada com a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) que acontecerá em Lisboa de 1 a 6 de Agosto.

É a “Festa do Avante da Igreja Católica” que, segundo a imprensa, deverá custar ao Estado cerca de 80 milhões de euros… mas com as derrapagens habituais naquilo que são as empreitadas para Governo e autarquias, não nos admiremos se o resultado final ultrapassar os 100 milhões… acrescentados, ainda, de outros 80 milhões suportados pela Igreja Católica.

Dizem os entendidos em constitucionalidade, que tal saída de dinheiros públicos dos cofres de uma República Laica para acudir a uma fé religiosa, não fere a Constituição… eu não tenho a mesma certeza… mas sei que fere o meu sentimento laico e a minha moral, e também sei que tal verba nunca seria oferecida às Testemunhas de Jeová para fazerem festa igual!

A construção foi adjudicada à construtora Mota-Engil por mais de quatro milhões de euros, o contrato está assinado, o tempo disponível para a construção é curto para emendas… e mesmo sendo possível fazê-las, ninguém acredita que a construtora vá querer facturar menos do que a verba contratualizada e já aprovada.

O Partido Comunista faz muito melhor e muito mais barato! Perguntem-lhe como se constrói a Festa do Avante que dura o mesmo tempo da JMJ e não se gasta nem uma pálida sombra dos euros que vão ser comidos no Missódromo do Trancão!

A obra consta de um palco com cinco níveis, considerando quatro sacristias e espaços específicos para bispos e cardeais, mais zona de orquestra e aposentos para o Papa e sua comitiva. No palco caberão duas mil pessoas… e para servir toda esta gente, não sei quantas dezenas de retretes vão ser construídas… com esgoto para o Trancão ou Tejo!

Para além deste espaço ainda se vão montar equipamentos nos parques Eduardo VII e da Boavista, Terreiro do Paço e Alameda D. Afonso Henriques.

Em Madrid, a JMJ de 2011 custou 50 milhões e nem um cêntimo saiu dos cofres do Estado, aproveitando-se o terreno de um aeródromo para o efeito. A nossa mania das grandezas, própria de um povo menor que passa fome mas quer mostrar que tem vida folgada, escolhe gastar à grande e à Vaticana!

Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, exibindo o seu colar de autoridade medieval “deu o corpo às balas” garantindo que “nas nossas vidas não vamos ter evento com a mesma dimensão”… isto de o Papa chegar ao Trancão é mais importante do que a chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil, de Vasco da Gama à Índia ou do Homem à Lua!

O Papa Francisco, com a sua reconhecida pobreza franciscana, estará envergonhadíssimo e só não mandará à fava tal evento por respeito à juventude entusiasmada com a viagem a Lisboa que os libertará do jugo dos papás durante uma semana.

O Papa Francisco não merecia tal vergonha… e se Jesus Cristo cá estivesse hoje, corria ao tabefe e a pontapé estes “vendilhões do Missódromo do Trancão”, cujos promotores (entenderia ele) não mereceriam mais do que umas valentes trancadas!

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

19 de Julho, 2023 João Monteiro

Futebol e Fé

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Os meus amigos sabem da minha falta de interesse pelo Futebol, o qual, não me seduzindo como desporto, me preocupa enquanto fenómeno social de massas… tal como me preocupa a fé religiosa em demasia. Fé que também pode ser encontrada no Futebol, porque isto anda tudo ligado. 

Num dos últimos Campeonatos Europeus de Futebol, correu na imprensa uma foto de uma jovem, no meio da bancada de um estádio, com uma expressão de sofrimento e cara pintada de verde e rubro, agarrada a uma imagem da Senhora de Fátima envolta num cachecol da equipa de Portugal. Aquela jovem adepta de Futebol e de Fátima, não sabia o papel ridículo em que resultava aquela sua postura. 

Na verdade a jovem tentava interferir no resultado do jogo a seu contento, esperando que a imagem da santinha da sua perdição conseguisse, de Deus, o golo da vitória para o seu clube… prejudicando o outro com quem a equipa de Portugal disputava aquele campeonato!… 

É a velha história do “eu quero o melhor resultado para mim… o outro que se dane” … mas com ajuda divina! 

Este egoísmo é a característica forte de qualquer religião quando o interesse do crente é conseguir a entrada no céu depois de se finar. Para isso tem que comprar o ingresso celestial em vida e a prestações, ouvindo missas, tomando hóstias e depositando moedas nas ranhuras das caixas de esmola dos santinhos nos altares das igrejas, ou nas mãos dos gurus das seitas (mas estes não querem moedas… preferem notas, em forma de dízimo). 

Quanto ao respeito devido ao outro… isso é ficção!… A realidade do crente é a existência de Deus que pede o seu sacrifício personalizado na assistência de missas e no número de hóstias tomadas… o outro não existe!… Haverá excepções como em todas as regras… mas o que o crente típico quer é ter os seus interesses em recato! 

O católico (refiro o Catolicismo por ser a religião maioritária em Portugal e fazer parte da minha cultura. Não tenho nada contra a Religião Católica, até porque sendo ela a pedra basilar da sociedade que me formatou… ela sou eu… e eu sou ela… embora não alinhe na fé em Deus porque em criança me recusei a beber da taça religiosa até ao fim, e tive um pai republicano e anti-clerical que, secundado pela minha mãe, me soube transmitir valores reais em substituição de fantasias religiosas). 

Dizia eu que o católico tem, em Jesus Cristo, o expoente máximo dos ícones religiosos igualando-o a Maria. E esta pode, a todo o momento, tomar importância superior a Jesus, porque no contexto católico é importante adorar uma mulher sofredora e consensual. Maria não se meteu em lutas políticas, ao contrário do seu filho, o “Homem-Deus”, que militava num agrupamento de Esquerda… e se vivesse hoje até podia ser comunista!… 

Aliás, por aquilo que pode ser percebido nos registos cristãos, acredito que, se em vez de Palestino, Jesus Cristo fosse Sul-Americano e vivesse na década de 1960, tinha sido camarada de Fidel Castro e de Che Guevara, e seria assassinado a tiro numa selva da Bolívia em emboscada organizada pelos EUA… que o adora!

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

17 de Julho, 2023 João Monteiro

O humor como alvo de terroristas

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Há dias cumpriram-se sete anos sobre o maior acto terrorista cometido em território francês desde há 50 anos. 

Em Paris, no dia 7 de Janeiro de 2015, pelas 11:20h, dois terroristas islâmicos fortemente armados com metralhadoras kalashnikov entraram na redacção do semanário satírico Charlie Hebdo depois de matarem o porteiro. Durante dois minutos dispararam a sangue frio contra os jornalistas-cartunistas que ali estavam reunidos na preparação do próximo número do jornal. Logo a seguir abandonaram as instalações deixando 12 vítimas mortais e cinco feridos. Na fuga ainda mataram um polícia e atropelaram um peão. 

Neste acto de terrorismo gratuito morreram os jornalistas cartunistas: Charb, Cabu, Tignous, Serge Wolinski e Philippe Honoré. Com eles também foram assassinados o revisor Mustafá Ourrad, os colunistas Elsa Cayat, Bernard Maris e o editor convidado Michel Renaud, mais um guarda-costas do desenhador Charb. 

A existência do guarda-costas justificava-se por, quatro anos antes, o mesmo jornal ter as instalações atacadas e incendiadas, tendo os atacantes feito uma ameaça de morte ao desenhador Charb (director do Charlie Hebdo), alegadamente pelo apoio dado ao jornal dinamarquês Jyllands-Posten (que publicou cartunes satirizando Maomé) publicando uma caricatura na capa do Charlie representando Maomé tapando os olhos de vergonha, dizendo: “É duro ser amado por idiotas”.

Esses idiotas continuam a sê-lo. Há idiotas em todos os meios sociais… e alguns até são assassinos! 

Na proximidade do aniversário do atentado terrorista ao semanário satírico francês, o jornal espanhol El Mundo, no suplemento cultural La Lectura do último dia 6 de Janeiro, entrevistou o director do Charlie Hebdo, Riss, que foi um dos feridos no ataque de há sete anos, sobrevivendo a um tiro que lhe perfurou um ombro. Riss confessou sentir-se ultrajado pelos advogados de defesa dos terroristas islâmicos que são presos e levados a tribunal, por defenderem a inocência dos terroristas, alegadamente por também eles serem “vítimas das injustiças da sociedade”… colocando os assassinos ao mesmo nível dos assassinados! 

Já Charb (o director morto há sete anos) quando do primeiro ataque extremista religioso de que o jornal foi alvo em 2011, disse não culpar os muçulmanos “por não rirem dos nossos desenhos, simplesmente porque eu vivo sob a lei francesa, não da lei corânica”. 

Nos últimos oito anos as acções terroristas islâmicas mataram 264 pessoas só em França, incluindo neste número 131 espectadores na sala de concertos Bataclan em 2015. 

Na entrevista ao El Mundo, Riss mostra-se pessimista com o evoluir dos acontecimentos naturais e sociais no mundo. As suas preocupações centram-se nos problemas específicos da nossa época, como a liberdade de expressão, as redes sociais, as mudanças climáticas, a insegurança, o desemprego e o bem-estar social. 

Entende que as novas gerações não consideram estes tão importantes parâmetros, nem sequer têm a noção de que pode ruir tudo quanto já foi conquistado nos últimos 50 anos. “Há jovens de 20 anos que pensam como gente de extrema-direita de há 30 anos, e o curioso é que essa juventude se reivindica de Esquerdas, não dando conta de que praticam um moralismo ultra-reaccionário!” 

É com esta juventude que vivemos, e se os responsáveis políticos não fazem nada para que as noções de liberdade e de opressão sejam perfeitamente entendidas… o nosso futuro poderá ser bastante negro. E quando é um humorista a alertar para este desfecho trágico… o alerta deve ser tomado bastante a sério!

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

14 de Julho, 2023 João Monteiro

AMOR DE DEUS ?!…

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Os furacões e as secas são cada vez mais frequentes e com resultados mais trágicos.
As últimas notícias dando conta de tais calamidades, remeteram-me a memória para o ano de 1998, quando a América Central foi palco de uma desgraça que mobilizou o mundo numa onda solidária perante a destruição que o furacão “Mitch” operou na Nicarágua provocando 20.000 mortos, 11.000 feridos e três milhões de desalojados.

A hipotética solidariedade de um sacerdote católico de nome Santiago Martin, manifestou-se num texto que publicou no semanário madrileno ABC.

Sob o título “Deus é amor”, escreveu: “Aqui, nestas três palavras, nesta breve frase, se encerra e condensa o essencial da nossa fé. Deus existe e é amor. Deus existe e quere-te, a ti, pequeno ser humano, vítima de tantas precariedades e de tanta dor. Deus não te abandona nunca, ainda que os teus mais próximos o façam. E a prova principal dessa felicidade e desse amor divino é a encarnação do filho de Deus, sua morte na cruz e a ressurreição gloriosa”.

Que dizer deste naco de prosa?
Este discurso, proferido por um louco na paisagem desoladora da Nicarágua após a passagem do furacão, não passaria disso mesmo: o discurso de um louco!… Onde estava Deus com o seu carregamento de amor e de bondade, no momento em que o furacão varreu a Nicarágua?

Aos crentes foi ensinado que Deus comanda as forças da Natureza (e também por cá, no Alentejo, um dia se fez uma procissão com padre e tudo, e se rezou, para que chovesse!), e a própria Igreja o reafirmou pela boca do arcebispo de Caracas, Ignacio Velasco, quando trágicas inundações enlutaram a Venezuela em Dezembro de 1999, causando 15.000 mortos.

O arcebispo afirmou que “a tragédia que assola e enluta a Venezuela e os seus habitantes, é devida à ira de Deus que quer castigar a soberba do presidente Chávez”. (El País, 20/12/1999).

Religião, loucura e ódio misturam-se nestes discursos que, ao que me parece, são habituais na América Latina, onde a esmagadora maioria do povo é fanaticamente religiosa e a Igreja Católica colhe grande número de crentes.

Quando a Igreja diz que Deus é amor, talvez conviesse especificar que raio de amor ela refere. Deus surge a distribuir o seu amor do mesmo modo como os bombeiros o fazem, sempre depois de ocorrida a desgraça? Deus é um enfermeiro que coloca pensos nos espíritos feridos? Convenhamos que é pouco para esse deus que as religiões pintam com cores tão psicadélicas e anestesiantes.

Deus dá-me amor e quere-me?!… Quere-me como? Quere-me bem, segundo o humano conceito do que é estar-se bem, fruindo de uma vida consideravelmente feliz… ou quere-me morto, segundo o conceito católico da “bem-aventurança-além-túmulo”?

Como é que se pode explicar às vítimas do furacão Mitch (e às de qualquer outro cataclismo, como os recentes entre nós) que tudo aquilo aconteceu por um acto de amor de Deus que tanto nos quer, e que naquele dia, ao que parece, acordou com vontade de ser um mãos-largas!…

As religiões são comandadas por loucos visionários?!…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)
OV

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