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REPÚBLICA LAICA

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na imprensa escrita.

Fomos, durante séculos, um país dolorosamente católico vivendo os horrores da Inquisição e o atraso no ensino científico. A subserviência do Povo aos clérigos habituados a dominarem a população crente e temente, agrilhoou o pensamento popular aos interesses do culto. 

Mais de um século volvido após a separação Estado/Igreja em 1911 (com um interregno no Estado Novo de Salazar, sendo a separação reatada após a Revolução de 25 de Abril de 1974 com a promulgação da Constituição da República em 2 de Abril de 1976), uma grande parte do nosso bom Povo ainda não conseguiu libertar-se do jugo da Religião, nem a Igreja quer desalojar da sua cabeça o poder temporal que sempre exerceu desde quando coroava reis a seu contento, e era, de facto, a dona da Europa. 

A América Latina, colonizada pelo espírito católico-ibérico desde os séculos XV e XVI, é paradigmática em termos do poder opressor da Religião sobre os povos (mas também da vingança letal de interesses da extrema-Direita que mata sacerdotes defensores dos pobres e oprimidos como aconteceu ao padre Romero, de El Salvador, em 24 de Março de 1980). 

No Chile, quando o ditador Pinochet, em Setembro de 1973, derrubou, com muito sangue, o socialista Salvador Allende (que fora eleito democraticamente) estabeleceu uma sangrenta ditadura, dizendo: “Estou aqui por ordem divina”. 

Fora da latinidade, Osama bin Laden apoiava actos terroristas em nome do mesmo Deus a quem orava Pinochet e a quem reza Marcelo Rebelo de Sousa, António Guterres, Cavaco Silva, Santana Lopes, Passos Coelho, Paulo Portas e José Sócrates… mas também Bush, Trump e Joe Biden, que não são católicos nem muçulmanos. 

Em Portugal, este nosso apego à religiosidade que preenche a cabeça da maioria de nós, pode explicar o facto de termos a presidir à República Portuguesa que (consta) é Laica… um empedernido católico que escolheu para sua primeira viagem oficial a visita ao Vaticano, e se vergou perante o Papa beijando-lhe a mão!… Barack Obama também visitou o Papa. Cumprimentou-o com um aperto de mão e de cabeça erguida, numa atitude de dignidade e igualdade entre chefes de Estado, que é isso mesmo que o Papa é: Chefe do Estado do Vaticano. 

Já tivemos a governar o país gente que foi mostrada demasiadas vezes a assistir a missas. Cavaco Silva e Santana Lopes usavam nos seus discursos frases como “se Deus quiser” e “graças a Deus” também demasiadas vezes, à boa maneira muçulmana. António Guterres, enquanto primeiro-ministro, numa entrevista que deu ao jornal espanhol El País (5/7/1998), disse esta pérola de sacristia: “Cada um será julgado por Deus de acordo com a capacidade de pôr os seus valores em benefício dos outros”. E o primeiro-ministro José Sócrates, em Setembro de 2007, assistiu à inauguração de uma escola pública em S. Martinho de Mouros (Resende) e benzeu-se na missa do acto medieval de benzedura daquele equipamento laico!

Temos hospitais públicos com nomes como: Santo António, São João, S. Marcos, S. José e Santa Maria. Eu sou assistido (e bem) no posto médico da Segurança Social de Rio Tinto, com o nome de: S. Bento. E no ensino particular encontrei o “Colégio das Escravas do Sagrado Coração de Maria”!… Que tipo de pai matricula ali a sua filha?! 

Vivemos, de facto, numa República Laica muito “sui generis”… e pelos exemplos citados da América Latina, só podemos concluir que a extrema crença em Deus pode tornar-se muito perigosa!

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico) 

OV

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