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Mês: Novembro 2022

7 de Novembro, 2022 João Monteiro

A Guerra

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na Gazeta

Na Europa alastra uma guerra que na Ucrânia ensombra a vida de crianças, mulheres e homens, e de muita gente com idade avançada que mal consegue deslocar-se com a intenção de fugir à morte violenta, não sabendo como nem para onde ir, na expectativa de conservar a vida.

Para trás ficam ruínas de cidades com corpos mortos nas ruas como assinatura do Exército Russo apostado em cumprir as ordens do seu chefe supremo Vladimir Putin, na aniquilação de um povo e de um país. Exército que também comporta cerca de 10 mil (número anunciado pela imprensa) assassinos profissionais Chechenos, aos quais estão colados os adjectivos de sanguinários, cruéis e impiedosos.

A Igreja Católica tem como líder um homem com um carácter único, impossível de encontrar, sequer parecido, na colecção de Papas recentes. Francisco I (F1) tem demonstrado ser um homem comum, sem tiques de superioridade nem de figura cimeira, dispensando mordomias habitualmente concedidas a um Papa como se fosse um animal raro com o rótulo de “representante de Deus na Terra”.

F1 tem-se afadigado na tentativa de convencer os responsáveis pelo fazer da guerra a fazerem o contrário: a desfazê-la!…

“A guerra é sempre cruel e desumana” disse F1 em reacção às notícias do massacre de Bucha, e afirmou-se “disposto a fazer tudo o que puder” para que se ponha fim a esta guerra tão estúpida por todas as razões e mais uma: a de russos e ucranianos serem povos irmãos.

Considerou, até, viajar a Kiev ou encontrar-se no Médio Oriente com o líder da Igreja Ortodoxa Russa que tem relações de amizade com o ditador Vladimir Putin, candidato a imperador em tempo de não haver impérios.

No plano diplomático F1 está a tentar contribuir para o fim desta guerra ignóbil como são todas as guerras e cujos resultados são sempre a crueldade da morte impossível de se entender por quem defende a Paz. A realidade deste conflito, por se encontrar em variadas geografias diferentes das nossas, tem alicerces que se aprofundam em situações sociais, históricas e antropológicas muito diversas das que nos são familiares no Ocidente e que ditaram a nossa formação humanística.

Esta realidade faz com que o Papa e outros agentes políticos apostados no fim da guerra, tratem este conflito com pinças, evitando ferir sensibilidades tão irritáveis. Nesse sentido F1 já cancelou o seu esboçado encontro com o patriarca Ortodoxo Cirilo (acusado de ter ligações com a KGB durante boa parte do período soviético), o qual apoia a invasão Russa da Ucrânia!

O diálogo inter-religioso nunca foi fácil. E se pode ser compreensível a dificuldade encontrada no tratamento do tema entre credos com origens e filosofias diversas, como, por exemplo, entre Cristãos e Islâmicos extremistas, já se me afigura de difícil compreensão a discórdia sobre a “legitimação” da guerra entre dois credos Cristãos… pois, sendo Jesus Cristo o mesmo defensor da Paz e o veio-rotor de ambos os credos (Católico e Ortodoxo) na defesa da concórdia, da fraternidade e do amor concedido ao outro do mesmo modo que o desejamos para nós… resulta muito difícil compreender a tomada de posição a favor de Putin – invasor cruel da casa do vizinho – por parte do líder de um ramo do Cristianismo.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

4 de Novembro, 2022 João Monteiro

Pedidos de perdão

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na Gazeta

Neste tempo de guerra na Europa, em que um candidato a imperador fora do tempo dos impérios, invade e destrói um país vizinho, matando cidadãos inocentes na ânsia de tomar territórios para ampliar o seu “império”, dei comigo a pensar que se a Humanidade não estiver totalmente louca, o agressor terá de se sentar no banco dos réus de um tribunal competente para julgamento dos seus actos, tal como aconteceu em Nuremberga, em Novembro de 1945, a 24 proeminentes membros da liderança política da Alemanha Nazi. 

Por analogia lembrei-me da viagem que Barak Obama, enquanto presidente dos Estados Unidos da América (EUA) fez a Hiroshima em Maio de 2016. Foi a primeira visita de um presidente norte-americano ao Japão desde o fim da Segunda Grande Guerra. 

Em 6 de Agosto de 1945, já com a Guerra terminada pela capitulação dos Nazis, os japoneses continuavam o conflito, o que levou os EUA a lançarem uma bomba atómica sobre Hiroshima, provocando a destruição da cidade e a morte instantânea de mais de 70.000 pessoas, repetindo a destruição dias depois em Nagasaki, causando mais de 60.000 mortos. 

Foi notícia por demais divulgada, o facto de Obama não ter pedido desculpas por esse facto que enlutou o Japão há mais de sete décadas e que pôs fim àquela guerra. O seu objectivo foi “honrar todos os que morreram na Segunda Grande Guerra Mundial”, insistiu Barak Obama perante a pergunta se pedia perdão ao Japão pelo deflagrar das bombas atómicas. 

E era aqui que eu queria chegar para dizer que o pedido de perdão por actos cometidos no percurso que faz a História do Homem, não tendo sido apresentado pelos próprios intervenientes imediatamente a seguir aos acontecimentos, deixa de ter cabimento fazê-lo sete décadas depois… altura em que já nada significam para além da hipocrisia que representam, já que actos bélicos continuam a ser praticados com resultados idênticos, provocando sofrimento. 

Também a Igreja Católica (IC), no seu Jubileu do ano 2000, pela voz do Papa João Paulo II, dirigiu dezenas de pedidos de perdão, dos quais destacarei uns poucos: pelos males provocados pela IC aos Judeus por parte do Papa Pio XII; pelo anti-semitismo no tempo de Mussolini; por todos os crimes cometidos pela Inquisição; por todas as vítimas abandonadas pela Igreja; pelos actos praticados pelo Vaticano contra os cientistas; por queimar vivo Giordano Bruno e João Hus; pelas divisões no seio das várias sensibilidades cristãs; pelas repressões aos Protestantes e Ortodoxos; pelos pecados cometidos contra o amor, a paz e os direitos dos povos, e pelos pecados cometidos com as mulheres, os pobres e os marginalizados; e também pela inoperância da IC perante o Ateísmo (!); a Igreja Espanhola pediu perdão pela atitude nada evangélica demonstrada perante os elementos da ETA, e a Igreja da Argentina pediu perdão pelos pecados por ela cometidos durante a ditadura do general Videla. (Curiosamente a IC Portuguesa não pediu perdão algum, nem, sequer, pelo mal que fez ao poeta Bocage!). 

Até Junho de 2001 contabilizei 94 pedidos de perdão, e numa cerimónia litúrgica celebrada no Vaticano, o Papa pediu perdão pela soma de todos os pecados cometidos no passado remoto e recente. 

Pedidos de perdão patéticos, porque a Igreja que se considera modelo moral, não os deveria ter cometido. Mas cometeu-os!… É facto histórico que o perdão não elimina. 

Importante não é o perdão panfletário, mas sim a consciência que se tem do mal feito e proceder de modo a que jamais haja lugar a pedidos de perdão, não praticando injustiças. 

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico) 

OV

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay
2 de Novembro, 2022 João Monteiro

“Vaca é a tua mãe!…”

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na Gazeta

A reacção violenta do actor Will Smith à piada do comediante Chris Rock, o apresentador do espectáculo da entrega dos Óscares em Hollywood, que a televisão mostrou em directo para todo o mundo interessado nas novidades da Sétima Arte, fez vir à tona da minha memória uma experiência que vivi uma vez, há muito tempo. 

Encontrava-me em casa de um amigo que recebeu a visita de um outro seu amigo, um jovem Franciscano. O seu aspecto agradou-me esteticamente, pelo hábito castanho e a sua barba ruiva longa até ao peito, cuja imagem me pareceu arrancada de um retábulo do pintor gótico Fra Angélico. Igualmente como os retábulos, o semblante daquele frade era inexpressivo. Nada de sorriso nem olhar brilhante. Embora de olhos intensamente azuis acinzentados, o seu olhar era baço e a boca não passava de um corte horizontal fazendo fronteira entre o bigode e a barba. 

Quando tenho a oportunidade de me encontrar com um religioso não perco esse momento mágico que me pode permitir aprender algo sobre religião “partidária”, já que, como ateu, não sinto a fé do mesmo modo como a sente um religioso, nem o meu espírito se deleita durante a celebração de uma missa… e enquanto leitor de religião, o que encontro nos livros que escolho é História… a qual não explica o sentimento religioso que, para mim, resulta enigmático! Na presença de um agente religioso, parto do princípio de que aquela pessoa é versada em religião e em todos os elementos que lhe são pertença e dão forma, tornando-o uma enciclopédia viva. 

Abordei o tema do sagrado, o que é matéria da minha admiração mas também do meu desconhecimento. Para início de conversa (a qual esperava frutífera) comecei por dizer que a “coisa sacra” de um, pode não ser (e habitualmente não é) o sagrado de outro que, embora sendo também religioso, “milite” noutra modalidade de fé. Exemplifiquei com o tótem (um tronco de madeira esculpida e pintada) que tem, para o índio norte-americano, o mesmíssimo valor sagrado que uma imagem de Fátima (um tronco de madeira esculpida e pintada) tem para um católico… e nenhum deles dá qualquer importância ao objecto sagrado do outro!… No entanto, enquanto peças de adoração, uma não é menos sagrada do que a outra, e para um antropólogo têm o mesmíssimo valor. Até as capelas quando deixam de ser locais de culto e são reconvertidas para qualquer outra actividade, são “dessacralizadas”… o que quer dizer que o sagrado pode deixar de o ser… ao contrário da Arte que nunca deixa de ser uma obra artística independentemente do lugar onde se encontre, quer esteja exposta ou arrecadada. 

Também as mulheres religiosas do Sri Lanka (Ceilão) adoram as vacas consideradas sagradas. Vi num documentário televisivo um grupo delas rodeando uma vaca que pastava, e quando a rês levantou a cauda (sinal de que ia urinar), elas apressaram-se a recolher a urina num copo que transportavam para o efeito… e beberam-na!… Tal acto é igualmente sagrado para aquelas mulheres… é como tomar a hóstia!… E concluí (talvez erradamente, mas com a intenção de fazer humor, como foi a anedota do apresentador da entrega dos Óscares) que se a imagem de Fátima urinasse, também haveria quem lhe bebesse a urina.

Resposta imediata do jovem Franciscano: “Vaca é a tua mãe”!

Respondi-lhe com uma sonora gargalhada, porque não há nada melhor do que o riso para responder a uma reacção (e provocação) destas. E naquele caso não aprendi nada!… Mas sublinhei o que já sabia: o fanatismo elimina o raciocínio… o que é lixado!… 

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico)

OV

Imagem de Jose Antonio Alba por Pixabay