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Mês: Novembro 2022

30 de Novembro, 2022 João Monteiro

Sobre o Mito

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no semanário Alto Minho.

O mito é uma narrativa antiga e oral que pretende explicar os grandes enigmas da vida e do mundo. Por ser oral não há registo escrito das suas origens, o que quer dizer que as narrativas mitológicas que nos chegaram através da escrita podem divergir dos relatos orais que as originaram.

O poeta latino Estácio, disse: “Primus in orbe deos fecit timor” (Foi o temor o primeiro a criar os deuses na Terra). Nesta breve frase do poeta está contida a verdadeira razão que levou o Homem a criar e a cultuar deuses (Deus). O temor que sentimos no simples e natural acto de viver deve-se ao facto de a vida estar armadilhada. Primeiro (no tempo dos nossos avós inventores de mitos) estava armadilhada pelas forças da Natureza que nos complicava a vida em tempo de grandes borrascas, e depois por interesses das camadas sociais que nos oprimem e comandam: primeiro a Igreja, desde a Alta Idade Média (como sucessora das sociedades mais primitivas, como a Suméria e a Egípcia, cujos sacerdotes eram, também, os chefes políticos) e a Economia desde sempre, mormente agora, nesta sociedade do início do século XXI, dirigida por economistas asselvajados e escravizadores, submetidos aos interesses da Alta Finança que, para nossa desgraça, comanda a Política minando o caminho de cada um de nós. As opressões políticas, sociais e económicas são os responsáveis pelo desenho do temor que ainda hoje nos limita o sentido religioso e alimenta a necessidade de se acorrer ao divino como bálsamo de mentes inquietas. É por essa razão que o recinto de Fátima enche a cada 13 de Maio.

A invenção dos deuses deve ter partido de algum sentido prático, porque o Homem só cria aquilo de que necessita, e o conceito dos deuses (de Deus) serviu o Homem sossegando-lhe o espírito na crença, perante tantas vicissitudes que o acto de viver comporta. Na antiguidade os deuses eram ferramentas apaziguadoras, e funcionavam ao nível das nossas modernas enciclopédias, por explicarem o que pedia explicação. Explicação que não o era, de facto, já que o conceito de Deus opera ao nível da crença e não ao nível do conhecimento, mas que resolvia o que havia para resolver, num tempo em que os níveis de exigência não se colocavam do modo como passaram a colocar-se após o Homem ter consciência do que é “saber”, separando-o daquilo que é “crer”.

Provavelmente os mitos foram criados porque os homens adoram contar estórias, gostam de se identificar com elas, e alguns mitos gregos são relatos alegóricos de antigos acontecimentos históricos. Entre as razões que levaram à criação de mitos, há algumas perfeitamente entendíveis neste nosso tempo de informação instantânea e frenética: Os mitos explicam fenómenos naturais, como o nascimento e a morte; ajudam a manter a união num clã, numa tribo ou numa nação; dão exemplos comportamentais; justificam estruturas sociais; registam acontecimentos históricos das primeiras civilizações, e servem os poderosos para controlarem o Povo através do medo ao castigo divino. 

Ontem, como hoje.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

28 de Novembro, 2022 João Monteiro

Somos assim… e eu sou ateu-cristão!

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na Gazeta.

No tempo em que a nossa espécie vivia em pequenas hordas, todos obedeciam à autoridade de um chefe, provavelmente o elemento macho mais velho, ou mais forte, do grupo que se submetia a um regime patriarcal. A autoridade familiar era ditada pelo pai e exercida por impulsos de várias ordens: de alimento, de luta e de sexo. Todo este poder do patriarca era exercido com prazer, e as mulheres da tribo pertenciam-lhe. 

O correr do tempo fez funcionar a nossa parte mais racional que nos conduziu à civilidade, à moral e à Arte. No mesmo embrulho do raciocínio há um outro valor do pensamento: a Religião. Seria o sentimento maior que aglutinava todos os outros, limando a animalidade pura e simples, ditada pela nossa condição de antropoides e predadores, usando a ética que nos transformou em pessoas.

Talvez possamos dizer que a Religião (ou o conceito filosófico da ética nela acoplada), embora sendo uma ilusão, teria sido o elemento responsável pelo travão que parou o “animal” para dar passagem à “pessoa”. O Homem actual é o resultado de toda esta História construída no decorrer de centenas de milhar de anos. Desde há muito que o estágio da nossa evolução nos faz entender a ilusão que a Religião é, mais o seu efeito anestesiante nos momentos em que precisamos de nos abandonar nos braços da mãe que podemos já não ter mas que, para uma imensa maioria, o conceito de Deus substitui.

Desta necessidade primeira que deu corpo à nossa sensibilidade, ferramenta com a qual construímos a civilização e a ética, também acabou por surgir o negócio do credo em forma organizada, seja por igrejas ou seitas que exploram as mentes mais dadas à crença e ao temor da divindade (exploração que. historicamente, começou por ser política: os sacerdotes eram, também, os chefes políticos dos povos que lideravam). De todas elas (igrejas ou seitas) temos que nos precaver, ficando atentos aos seus discursos, interesses e intenções, que podem não ser coisa boa… ou não tão boa como à primeira vista pode parecer e nos querem fazer crer!… 

Não devemos entregar, cegamente, o nosso raciocínio à ideia de um deus redentor e salvador, abandonando a Razão filosófica que devemos possuir como bitola padronizadora das nossas reacções, do nosso raciocínio e dos nossos actos. 

Comparando Religião e Futebol, ambos são cóios de interesses na exploração das mentes mais débeis. Se o futebol alguma vez foi exemplo de ética, deixou de o ser quando se transformou em indústria mafiosa. Também existe uma indústria da fé, não porque “salva” pessoas, mas porque dá lucro material e poder social aos seus líderes. 

Sejamos críticos da ideia do divino e estejamos atentos ao que nos querem vender como “Única Verdade”. Se é verdade haver um mercado da fé que faz o seu caminho na ajuda do outro, não é menos verdadeiro estar ele enxameado de parasitas, dos quais nos devemos separar como se separa o trigo do joio. 

Por tudo isto, e mercê do ambiente em que fui educado (porque ninguém foge às suas origens) e da consciência que tenho do meu modo de ser, me considero (e sou-o, naturalmente, mesmo que não me considerasse) um “ateu-cristão”. Isto é, um ateu de raiz (educação) cristã. Se eu tivesse nascido num país islâmico e continuasse a ser ateu, seria um “ateu-muçulmano”… se me permitissem afirmar-me ateu!… Pois há países muçulmanos onde um ateu confesso não tardará a ser cadáver! 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

25 de Novembro, 2022 João Monteiro

Deus, hoje.

Texto de autoria de Onofre Varela, previamente publicado no semanário Alto Minho.

Os avanços adquiridos pelas ciências, mais o nosso próprio entendimento das coisas conseguido pelas transformações sociais que a todos afectam, promovem conhecimento que se reflecte no nosso saber e induz comportamentos. O fácil acesso que temos à informação não permite a leviandade de dizermos desconhecer qualquer assunto. Admite-se que não aprofundemos matérias que não nos interessam, mas não se aceita que, interessando, as desconheçamos mais do que o aceitável.

Neste âmbito encontra-se o conceito de Deus, ainda tão presente nas nossas mentes, mas que, hoje, já não pode (não deve) ser considerado do mesmo modo, nem com a mesma importância social, como o era na Idade Média. Está claro que há sempre, no mínimo, dois modos de se entender Deus: o do crente e o do curioso. O crente perdeu a curiosidade que conduz ao interesse de saber; o crente “não sabe”… apenas crê. E crer não é saber. Por mais que eu creia que o comboio parte ao meio-dia, eu vou perdê-lo se não souber que ele parte às nove horas (se não houver greve!…).

Em tudo, na vida, é muito mais importante saber-se do que crer-se.

O filósofo italiano Gianni Vattimo diz que “chega um momento em que [as religiões] já não são necessárias. E esse momento é a nossa época, porque, como pode ver-se em muitos aspectos da vida actual, as religiões já não contribuem para uma existência humana pacífica nem representam um meio de salvação. A Religião acaba por ser um poderoso factor de conflito em momentos de intercâmbio intenso entre mundos culturais diferentes” (*).

O sentido religioso não está morto, nem morrerá jamais, porque está intrinsecamente ligado ao funcionamento do cérebro humano, pois o Homem é um ser religioso por excelência. Mas a morte de Deus – vaticinada por Nietzche – é factível e pode considerar-se, já, nesta realidade actual: “O que está morto, num sentido mais profundo, são as religiões morais como garantia da ordem racional do mundo”, como diz o filósofo citado.

Hoje, o valor da prática de uma qualquer religião, é nulo. E só consegue alguma função ao nível da psicologia, que é o ramo científico a que pertencem os complexos sistemas de crenças, estudadas também por antropólogos. As sociedades ainda estão formatadas para submeterem os povos à ideia do divino. Desformatá-las desse modelo social não é tarefa fácil nem é coisa que se consiga em poucas gerações. Os cultos religiosos ainda são operantes porque há uma sedimentação do pensamento divino nos cérebros da maioria de nós, alimentado pelo nosso medo, o qual serve os interesses de uma classe clerical e outras classes opressoras, que deitam mãos a todos os medos medievais que ainda tolhem os crentes e tementes à figura mitológica de “Deus Nosso Senhor”… 

É urgente libertarmo-nos desses arcaicos medos. Já nos basta o medo que temos ao futuro por via do “Deus-Dinheiro” que alimenta sistemas económicos que nos oprimem e exploram, e que são muito mais reais… e também nos basta a existência de loucos que fazem a guerra para, criminosamente, alimentarem sonhos de expansão só sonhados por mentes profundamente doentes a quem é permitido governar e comandar sociedades e exércitos!… O que só demonstra o nosso profundo primitivismo.

(*) – Gianni Vattimo, filósofo e político italiano, no artigo de opinião: É a Religião inimiga da Civilização? Jornal El País, 1/3/2009.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

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23 de Novembro, 2022 João Monteiro

“Não há religião que mande matar”

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no semanário Alto Minho.

A RTP é a única entidade difusora de notícias que, a nível nacional, através da rádio e da televisão, dá voz a outras crenças religiosas para além da Igreja Católica, e fá-lo no cumprimento do serviço público que presta. “E Deus criou o mundo” é o título de uma rubrica semanal que vai para o ar na Antena 1 da rádio, às Quintas-feiras, entre as 23 e as 24 horas, com repetição ao fim-de-semana (presumo que ao domingo, cerca da hora do almoço). Nele intervêm militantes de três religiões: um Católico, um Muçulmano e um Judeu.

Num dos programas ouvi da boca de um dos intervenientes (presumo que do judeu), a frase que dá título a esta crónica: “Não há religião que mande matar”. Aprecio a sua atitude pacífica pretendendo branquear todos os actos religiosos, mas… esta afirmação é falsa!… Não só porque a História está cheia de “guerras religiosas” onde se matava (e mata) por obediência a uma certa interpretação de escritos com teor religioso, mas também porque o próprio Corão (livro sagrado do Islão), é explicito na ordem de matar os infiéis: “Combatei no caminho de Deus aqueles que vos combatem […]. Expulsai-os de onde vos expulsaram […] se vos combatem, matai-os: essa é a recompensa dos incrédulos […]. Matai-os até que a perseguição não exista e esteja no seu lugar a religião de Deus” (II – 190, 191, 193). É a Jihad: a “guerra santa” que todo o muçulmano se obriga a levar a cabo para defender e alargar o domínio do Islão na sua versão mais fundamentalista.

Na leitura que fiz do Corão listei 72 ameaças nas primeiras 112 páginas (embora nem todas de morte), apenas até ao fim do quinto capítulo… e a obra tem 114 capítulos! Era fastidioso anotar tantas ameaças e deixei de as registar. Para além desta ameaça de morte concreta registada no livro sagrado do Islão, todos nós sabemos das práticas criminosas de extremistas islâmicos que os noticiários das televisões nos mostram, desde a decapitação de pacíficos cidadãos, cuja degola já foi filmada para ser mostrada como intimidação ao ocidente, até à deflagração de potentes bombas entre cidadãos anónimos, em mercados, escolas ou igrejas, passando pelas mortes por atropelamento em zonas pedonais, e a tiro, com disparos indiscriminados em salas de espectáculos ou noutros locais com aglomerados de gente pacífica e ordeira.

A História lembra-nos as práticas nada dignas que a Igreja Católica também cometeu no tempo da Inquisição de má memória, que manchou de sangue as mãos de fiéis muito piedosos e tementes a Deus, mas que, enquanto “juízes da Inquisição”, matavam (ou mandavam matar) aqueles que eram alvo de denúncia por não praticarem a Religião Católica “conforme os Mandamentos de Deus”! 

Torturas sádicas e assassínios monstruosos enchem muitas páginas da História da Igreja… tudo praticado pelo “Santo Nome de Deus”!… Isto mostra que o conceito de Deus… afinal, é perigoso!

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

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21 de Novembro, 2022 João Monteiro

Sobre a eutanásia

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no semanário Alto Minho.

D. Manuel Clemente, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, afirmou, em Fátima, que a eutanásia é uma questão humanitária que não pode ficar reduzida ao campo estritamente religioso (Jornal de Notícias, 8/11/2016). Dito assim, até ficamos com a ideia de que a Igreja aceita, pacificamente, a prática da eutanásia em casos extremos de doença incurável com a morte próxima anunciada e provocando grande sofrimento ao paciente. Em tal caso a eutanásia seria um modo de libertar o doente, e a sua família, da dor inglória provocada pela irreversibilidade do mal.

Porém, logo a seguir, o clérigo disse que a eutanásia representa “uma grave ameaça para as famílias e uma violação grave e inaceitável da ética médica”… o que acaba por virar ao contrário a interpretação possível da primeira frase do seu discurso!… E continua dizendo que “em nenhuma circunstância e sob nenhum pretexto, é legítimo a sociedade procurar induzir os médicos a violar o seu código deontológico e o seu compromisso com a vida e com os que sofrem”.

Este tipo de entendimento está sempre acoplado à crença… logo, também está sempre divorciado da realidade natural das coisas naturais. É neste mundo que vivemos, e não no fantasioso reino das religiões! Para os religiosos condenadores da eutanásia, ela é uma prática “criminosa” que não contempla a vida como “dádiva divina”. Não entendem que nem a eutanásia configura um crime (porque há sociedades que a legalizaram; logo, a ideia de homicídio para a prática da eutanásia, é errada), nem a vida é dádiva de um deus inexistente.

O raciocínio mais humano e fraterno, perante um caso de extremo sofrimento de alguém que vive dolorosamente os seus dias finais, aponta para que o doente usufrua de tratamento paliativo, sendo injectado com drogas suavizadoras para que a morte se cumpra sem dor. Porém, este pensamento parte, essencialmente, dos familiares e amigos que assistem à agonia do doente, e querem vê-lo ali, a respirar, para poderem demonstrar-lhe “amor e carinho”… mas quase sempre esquecem a vontade do próprio doente. Quem visita um doente terminal, manifesta a sua solidariedade nos poucos minutos que passa junto dele, e depois ausenta-se durante dias até à próxima visita caridosa. Mas o doente sente o seu sofrimento hora a hora, minuto a minuto, segundo a segundo… durante 24 horas por dia… e pensa, e sente, e sofre em cada momento que para ele é gigante!

Quando o doente tem a consciência do seu fim próximo; quando os médicos afirmam não haver marcha atrás no estado da doença que, inevitavelmente, o conduzirá à morte próxima e sofrida; e quando o paciente recusa drogas paliativas que lhe permitam respirar sem dor até ao momento final, e pede a prática da eutanásia… quem é que tem a última palavra sobre a sua própria vida?

A família?… A medicina?… O Estado?… A Igreja?… Ou ele próprio?

Ninguém é proprietário da minha vida. Sou eu o único proprietário de mim, e respondo pelas minhas acções, atitudes e vontades. Se, em consciência (repito: em consciência. Quando detentor de todas as minhas faculdades mentais), decido sair da vida por não me interessar vivê-la nas circunstâncias em que ela se me apresenta, ninguém tem o direito de contrariar a minha vontade, e todos têm a obrigação cívica de me respeitarem, incluindo nesse respeito aquele que é devido às minhas ideias e vontades. A vida de cada um não é passível de “privatização”, nem pela família, nem pela ciência médica, nem pelo Estado… e muito menos pela Igreja cuja ética religiosa choca com a minha ética cívica.

A crença religiosa é arrogante ao querer impor a sua vontade, esquecendo que as liberdades de pensamento, expressão e acção de cada um, são legisladas pelo Estado que é laico… e nunca pela Igreja!

Limitem-se as religiões a aconselhar os seus acólitos, e não interfiram na vida de quem dispensa as suas moralidades. A moral religiosa, se tem alguns lados positivos (assunto pouco pacífico a merecer muita discussão), acaba por se transformar em imoralidade quando defende a obrigação da entrega ao sofrimento para agradar a um deus fictício… provavelmente criado para apaziguar sentimentos… e mantido para exploração das almas. Devemos concluir que o sofrimento acaba por dar lucro à Igreja?…

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

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18 de Novembro, 2022 João Monteiro

“Homens de pouca fé”

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no semanário Alto Minho.

O título desta crónica refere uma frase muito usada nas religiões cristãs, é atribuída a Jesus Cristo e repetida várias vezes no Novo Testamento (Mateus 6:30, 8;26, 14;31, 16;8 e Lucas 12;28). Também é referida nas conversas de religiosos em várias circunstâncias; e o fundamentalista, fascista e católico espanhol Escrivá de Balaguer, inventor da Opus Dei, usou-a para intimidar os crentes e criar uma elite social, económica e política. 

Os ateus, enquanto gente sem fé na divindade, não pretendem promover, já, agora e aqui, o enterramento da crença em Deus. Ninguém tem essa intenção, até porque nem tal coisa é possível porque são bem profundas as raízes do divino na estrutura da nossa mente. A religiosidade é intrínseca ao ser humano, e foi essa a razão que conduziu o nosso raciocínio à criação de deuses. 

O Homem só criou deuses porque sentiu necessidade deles… nós só criamos aquilo de que necessitamos. Se criamos divindades foi porque precisamos delas… e contra isto, batatas!… Depois criamos o “Deus único” à “nossa imagem e semelhança”… porque somos importantes!… 

É curioso constatar que o Deus único foi criado pelos Hebreus, povo do deserto, porque nas suas sacolas de nómadas não cabiam tantos deuses, nem tinham terra onde pudessem erigir tantos templos, como tinham os seus vizinhos egípcios sedentários. Os nómadas são gente prática pela constante movimentação a que se obrigam, e um único Deus resolvia os seus problemas de religiosidade e fé! 

Esta certeza fatal (a de o Homem só criar aquilo de que precisa) arruma qualquer discussão que pretenda destruir o sentimento da crença em Deus, porque a religiosidade é um atributo do nosso cérebro que tem características únicas entre todas as formas de vida que animam o planeta. 

A figura abstracta de Deus é produto de uma inteligência superior, e contra isto não se deve lutar irracionalmente… mas é sempre possível alertar os espíritos religiosos para a verdade da invenção de Deus, cujo conceito criamos. Não há qualquer realidade divina fora da nossa mente. 

O conceito de Deus sempre foi aproveitado pelos vários poderes na exploração do sentimento da religiosidade que, naturalmente, existe no cérebro de todos nós. Quanto mais frágil for o raciocínio de cada um, tanto mais fácil será a exploração da nossa crença e da nossa fé por quem faz da Religião modo de vida e dela tira muito mais do que o seu sustento diário: também retira as mordomias sociais em várias escalas, até à exploração abusiva! 

Basta olharmos a nossa História Medieval e vermos o poder da Igreja no controle que fazia da mente dos povos crentes e tementes à ira divina… a nossa submissão aos crimes da Igreja Católica no tempo da Inquisição, quando o Povo definhava e o Clero e a Nobreza viviam na opulência. 

Se olharmos para a América Latina com olhos críticos, podemos confirmar, ainda hoje, que quanto mais religiosos forem os povos, mais explorados são pelos diversos poderes que vivem à custa das várias pobrezas: a intelectual, a social e todas as outras. 

Se lançarmos o nosso olhar para os países do norte da Europa, com elevada percentagem de agnósticos e ateus, concluímos que o estatuto social de cada um é mais elevado, porque se alicerçam num nível superior de raciocínio, não se submetendo à divindade do modo como se submetem os latinos. 

A “sopa dos pobres”, infelizmente tão usada entre nós (digo “infelizmente”… por, socialmente, ainda ser necessária), e a pedincha pública por organizações que vivem da caridade, são factos sociais que só se radicam entre os povos explorados pelos donos do dinheiro, e têm o apoio de governos miseráveis que permitem a manutenção deste estado das coisas, submetendo-se (e submetendo-nos) a interesses económicos de uma minoria que nos explora.

Só se pode almejar um nível social de superior qualidade se se promover a excelência do raciocínio e da formação dos cidadãos, processo que começa nos bancos da escola. E isso obriga a uma prática educativa e social de gerações, promovida por políticos honestos e verdadeiramente interessados no futuro de toda a gente (e não no deles próprios)… o que, entre nós… ainda é mito… tal como a ideia de Deus… 

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

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16 de Novembro, 2022 João Monteiro

“Servir a deus e ao dinheiro”

Texto de Onofre Varela, previamente publicado na Gazeta.
Nota: Este texto foi inspirado no discurso de José Antonio Pagola, já aqui mencionado há umas semanas.

De vez em quando os bispos portugueses juntam-se ao coro de protestos do povo sofredor tentando alertar a classe política e o governo para os malefícios que produzem na sociedade. Mas muitos desses discursos soam a falso, não só porque são beatos e inoperantes, mas também porque são proferidos em tempo de governo constituído por partidos de Esquerda. 

Alguns desses discursos direccionam-se para interesses particulares do culto condenando a lei do aborto voluntário, do casamento homossexual e da prática da eutanásia por quem a deseja. Não o fazem com a mesma veemência em tempo de governos da Direita, quando estes destroem a classe média, estrangulam os trabalhadores com elevadas taxas de desemprego e vendem património público a interesses privados. 

Com tais atitudes os bispos portugueses demonstram o que sempre demonstraram: que estão com o poder da Direita como sempre estiveram na ditadura de Salazar (as excepções contam-se pelos dedos de uma mão e sobram dedos. Eu conheço duas: Manuel Martins, que foi bispo de Setúbal; e Januário Torgal, que foi bispo das Forças Armadas). 

A Igreja Espanhola assume a mesma tendência, o que motivou uma tomada de posição da “Associação de Teólogos e Teólogas João XXIII” que, reunida em congresso em Madrid (há 10 anos), se insurgiu contra o silêncio da hierarquia da ICAR perante a crise, dizendo: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”. 

Na altura a imprensa espanhola destacou o discurso de José Antonio Pagola (jornal El País, 10-9-2012), que foi vigário geral da diocese de San Sebastian durante mais de duas décadas e que viu o seu último livro “Jesus, uma aproximação histórica”, a ser investigado pela Inquisição Vaticana a pedido da Conferência Episcopal Espanhola. O livro rapidamente se transformou em clandestino, pois foi retirado do mercado por ordem da Igreja antes de ser esgotada a nona edição e já com 140.000 cópias vendidas, não só em Espanha, mas também no Brasil, Itália, EUA, Inglaterra e em toda a América Hispânica. 

“A hierarquia da Igreja não lidera os movimentos de conversão ao Evangelho” disse Pagola no seu discurso de encerramento do congresso. E continuou: “O governo está a mudar o país com medidas que atiram centenas de milhar de pessoas para a exclusão, e a Igreja não vê nenhuma revolução. Desde Jesus, não podemos ficar nem mudos nem conformados. A partir da Igreja temos que denunciar essa falta de compaixão. Os que sofrem não esperam doutrinas sociais nem justificações económicas tão mentirosas e imorais. Pedem que os defendamos. A hierarquia fala em nome dos que sofrem, mas não os leva no coração. […] O governo é despótico, anti-social e anti-cristão, e a hierarquia da Igreja está calada ou fala sem audácia evangélica. A voz dos sem voz não se ouve. Adoramos o crucificado, mas esquecemos os crucificados de hoje. Jesus atreveu-se a insultar os ricos do seu tempo”.

Este discurso aconteceu em Espanha há uma década. E por cá?… A coisa é diferente?!… A pregação da Fraternidade só faz sentido se for expurgada dos interesses de movimentos expressamente criados por organizações religiosas ou laicas que se governam com ela, transformando-a em indústria e alavanca social para os seus promotores. A fraternidade verdadeira (embora seja de prática obrigatória por cada um de nós) enquanto organização eficaz e sem duplo interesse, pertence ao Estado concretizá-la com medidas sociais e económicas eficazes, não permitindo que haja um cidadão sem rendimento que lhe permita comer e ter habitação. O Homem é um ser fraterno, mas a “caridade religiosa” é do mais falso que a sociedade promove em épocas sazonais como o Natal… e, quantas vezes, não respeita a dignidade daquele que é ajudado…  (claro que, também aqui, há sempre as excepções que afirmam a regra!…)

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

OV

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14 de Novembro, 2022 João Monteiro

Honestidade religiosa

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no semanário Alto Minho.

Enquanto ateu obrigo-me a conhecer o fenómeno religioso para me permitir criticar, concordar ou discordar, com aquilo, e daquilo, que à Religião pertence. Por isso sou leitor habitual de livros, notícias e artigos religiosos, científicos ou filosóficos que tratam do tema Religião (e também ouço missas… embora cada vez menos, porque me aborrecem cada vez mais). Nas edições de Domingo do jornal Público, leio, atentamente, os textos que Frei Bento Domingues escreve em favor da Religião, da fé e da crença, os quais considero muito interessantes, notando neles muito mais o estudioso honesto e o Homem Ético que Bento Domingues é, do que, somente, o religioso. E nunca neles detectei qualquer traço daquele fundamentalismo que, muitas vezes, contamina o discurso de outros religiosos.

No seu artigo intitulado “Não invocar o nome de Deus em vão” (publicado há meia dúzia de anos: 20/11/2016), Bento Domingues diz que, apesar das intenções carregadas de humanidade do papa Francisco, o fundamentalismo religioso, mesmo no seio da Igreja Católica, não desarma. E aponta vários exemplos negativos: os panfletos de uma folha dominical de uma paróquia da Califórnia que sentenciava, “votar no Partido Democrata é um pecado mortal”, numa clara declaração de apoio ao candidato Trump; um padre italiano que, aos microfones da emissora católica Rádio Maria, afirmou serem “os sismos, em Itália, um castigo divino pelas uniões civis de homossexuais”; e acaba com o infeliz comentário da psicóloga portuguesa Maria José Vilaça, presidente da Associação de Psicólogos Católicos, à revista Família Cristã, que declarou esta enormidade: “ter um filho homossexual, é como ter um filho toxicodependente”.

Afirmações deste género mostram que quem as profere não conta com um nível de inteligência razoável por ter o cérebro tomado pela crença em dose excessiva. E essa é a pior forma de se ser religioso, pois impede que o crente tenha um raciocínio verdadeiramente inteligente e, principalmente, livre de preconceitos… é que a religiosidade é como o vinho: em dose excessiva embebeda!… 

Na sua habitual eloquência e honestidade intelectual, o articulista Frei Bento Domingues diz que “Deus é inexprimível: nós não sabemos o que é Deus em si mesmo; dele captamos, apenas, um esplendor fraco através do mundo criado e no decurso da nossa história do mundo, história feita de acontecimentos felizes e de tragédias. Não é só o Deus incognoscível, mas também as expressões ou os dogmas sobre Deus que pertencem, à sua maneira, ao objecto da fé […] A auto-revelação de Deus é dada em experiências humanas interpretadas […] A Bíblia não é a palavra de Deus, mas um conjunto de testemunhos de fé de crentes que se situam numa tradição particular da experiência religiosa”. 

Esta honestidade de um religioso interessado pela História Antropológica que estuda as motivações religiosas a partir do conhecimento das atitudes humanas perante o conceito da divindade, deveria ser exemplo a levar em linha de conta por aqueles que, possuindo estudos académicos de nível superior (padres, médicos, economistas…) se permitem afirmar falsidades (ou idiotices), tentando passá-las à comunidade religiosa como coisas sérias e verdadeiras.

(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico) 

OV

11 de Novembro, 2022 João Monteiro

Ler e interpretar

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no jornal Alto Minho

Para que a leitura de um texto seja compreendida, precisa de ser interpretada. Entre a leitura e a interpretação, existe a mesma diferença que há entre os actos de olhar e de ver. Quem olha, pode não ver o que está no objecto olhado se não tiver a consciência de ter visto. A leitura de um texto não pede mais do que juntar sílabas e formar palavras que passam pela nossa mente em imagens transmitidas pelos olhos e descodificadas pelo cérebro. A seguir a este simples e automático acto, há a tarefa de interpretar o texto lido, a qual não pertence aos olhos.

A interpretação de um texto, ou de uma imagem, precisa de ferramentas fundamentais que o leitor, ou observador, terá de possuir previamente à leitura do texto ou da observação da imagem. O agente principal da leitura ou da observação (que é o leitor e o observador), só consegue interpretar o que acabou de ler ou de observar, se tiver a chave que lhe permita descodificar as palavras lidas ou as imagens observadas. 

Como exemplo direi que, em Arte, o valor artístico só existe se o observador da peça estiver preparado para identificar aquilo que vê, como Arte. Se ele não for capaz de fazer essa leitura, para ele a Arte não existe, embora exista o objecto cujo valor artístico ele desconhece… por isso não reconhece nem valoriza aquele objecto que, olhado pelos seus olhos, o cérebro não identifica, tornando o resultado do seu olhar idêntico ao de um palácio olhado por um boi! 

O leitor, por vezes, até precisa de ter a percepção de entender o que não está explicitamente escrito, mas que pode ser lido nas “entrelinhas”, como acontecia no tempo em que a censura cortava textos a jornalistas e escritores, obrigando os autores a uma ginástica gráfica que o leitor avisado acabava por compreender. O termo “leitor avisado” continua hoje, neste tempo em que a censura toma outras realidades diversas dos censores do Estado Novo… neste tempo em que proliferam as fake news, a ser tão (ou mais) importante como era nos tempos da censura Salazarenta.

Lembrei-me desta temática para a crónica de hoje por um dia ter recebido, de um amigo de longa data e profundamente católico, uma crítica negativa à leitura que fez do meu livro “O Homem Criou Deus” (Edium Editores, 2011). Referia-se ele a um dado parágrafo que, garantia, o ofendeu na sua religiosidade. Porque a minha intenção ao escrever o livro não era ofender, tendo tomado todos os cuidados na tentativa de evitar interpretações contrárias à minha intenção (embora não sabendo se o consegui. Aliás… parece que ninguém o consegue!…), usando palavras escolhidas para evitar correr esse risco. 

Combinei um encontro com o meu amigo para melhor nos entendermos numa conversa olhos-nos-olhos, bem mais interessante do que uma troca de palavras por telefone. Em frente de dois cafés, li-lhe o parágrafo da sua indignação. Tanto bastou para que o meu amigo não lhe encontrasse qualquer insulto à sua religiosidade, acabando por dizer: “Ah!… lido assim!…”. 

O problema está no facto de um religioso (ou um ateu), perante uma obra declaradamente ateia (ou religiosa), encarar a leitura predisposto a sentir-se contrariado, em vez de o fazer com espírito aberto para entender o que lá está realmente escrito, e não o que, no seu preconceito ou má fé (de religioso ou de ateu), imagina lá estar ou queria que lá estivesse!

É mais positivo encarar a leitura de um ensaio com a mente livre, do que armá-la de couraça impeditiva de ver o que lá está escrito, mas julgar perceber, exactamente, o seu contrário, por estar mais de acordo com o seu interesse. 

Conclusão: depois de termos tomado o café… mandamos vir duas cervejas. E brindamos!

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico) 

OV

9 de Novembro, 2022 João Monteiro

Nós e os nossos enigmas

Texto de Onofre Varela, previamente publicado no jornal Alto Minho

Como surgiu o tempo? O que havia antes dele? 

Como surgiu a vida? O que define e molda as tão diversas formas de vida? Somos o resultado de acasos químicos e físicos em processos encadeados, ou fomos criados intencionalmente por um deus? 

O que é um acaso? O que é um deus? 

Se fomos criados por um deus “à sua imagem e semelhança” (como afirmam os religiosos bíblicos), então Deus é um ser humano?! 

Se há um deus criador, de onde, e como, surgiu ele? Criou-se a si próprio ou também foi criado? Se foi criado… quem e como o criou? Havia outro deus antes de Deus para o poder criar?!… E se Deus é incriado (como também afirmam os mesmos religiosos), como se explica a sua existência? Deus existe real e materialmente, ou é apenas uma ideia abstracta? Se é um ser real com características de criador e interventor, que processos usou para criar tudo a partir do nada? Sendo Deus “a causa primeira”, que matéria prima foi usada no seu surgimento quando ainda não havia matéria prima? 

Há vida depois da morte? Se sim… então a morte não existe?!… E se a morte não existe, por que morremos? 

Estamos sós no Universo? Há mais mundos habitados? Alguma vez fomos visitados por seres extraterrestres? Se sim, de onde vêm? Influenciaram a nossa evolução? Serão os responsáveis pelo fenómeno luminoso de Fátima em 1917 e pela visão, também luminosa, de Paulo de Tarso na estrada de Damasco há 2020 anos? Os extraterrestres são gente pacífica, ou guerreira? Serão gente?…

Estas são algumas das perguntas que nos afligem (a quem aflige… não a todos, mas apenas a quem se propõe pensar nelas). Para todas temos respostas, sendo umas concretas e definidas, e outras apenas esboçadas. Respostas que primeiramente nos foram fornecidas pela Religião, depois pela Filosofia e muito mais tarde pela Ciência. 

O nosso sentimento religioso foi o responsável pelas primeiras tentativas de resposta aos enigmas que nos inundaram o raciocínio logo que o Ser Humano teve consciência de si. As nossas mentes inquietas não conseguiam descodificar os fenómenos naturais que observávamos, pois o nosso cérebro era um banco de dados ainda sem dados em número e qualidade suficientes para que nos permitisse um uso frutuoso… mas já era aquela máquina maravilhosa de produzir ideias abstractas… e por aí chegamos aos deuses… e à Arte! 

Para que os enigmas sejam compreendidos e desvendados, é preciso que exista intelecto e ferramentas suficientes para isso. Um enigma só deixa de sê-lo depois de questionado. É esta a primeira atitude para se conseguir a sua compreensão e consequente anulação. Os cientistas não são mais do que isso: questionadores.

Eu só posso ler uma partitura se souber música. Se eu desconhecer o que é uma pauta e não for capaz de identificar uma semínima, uma breve e uma colcheia, nem um compasso ou uma pausa… se eu não tiver aprendido solfejo… uma partitura é mistério indecifrável. 

Perante qualquer enigma que se nos apresente, devemos ter sempre em conta esta verdade fatal: os enigmas são como os truques dos ilusionistas; só serão enigmas enquanto não forem desvendados. Depois de explicado o truque, o enigma esfuma-se. 

A mente humana está cheia de truques (de conceitos) que usamos para nossa conveniência e consolo. 

Assim é o conceito de Deus.

(O autor escreve sem obedecer ao último Acordo Ortográfico) 

OV

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