15 de Agosto, 2022 Carlos Esperança
Salman Rushdie – Vítima do fascismo islâmico
Os media iranianos celebram o ataque, identificam o agressor do escritor como seguidor do Hezbolá, referem a alegria popular pelo esfaqueamento repetido da vítima e acusam o escritor e os amigos de responsáveis pela tentativa de homicídio.
Não faltam manifestações de júbilo nas ruas islâmicas onde o ocaso da civilização árabe deu lugar à radicalização da religião, onde coexistem a pobreza extrema e a opulência, e o único bem que todos os homens fruem, de que não prescindem, é a posse de mulheres.
É fácil atribuir às mulheres o dever da revolta ou afirmar que são felizes na humilhação, mas é inaceitável defender o respeito das tradições e da fé que não toleram divergências.
Rushdie tinha 42 anos quando o seu romance, «Os Versículos Satânicos», foi declarado blasfemo pelo anacrónico Aiatola Khomeini. Condenou-o à morte, 1989, numa fatwa que despertou a fé dos muçulmanos e excitou a devoção, o ódio e a demência coletiva.
Liberdade religiosa ou política é o direito de ser a favor, indiferente ou contra. Não é o simples direito à genuflexão, ao beija-mão, ao dobrar da espinha. Quem aceita dogmas acaba de joelhos ou de rastos, a lamber o chão ou a mão de um clérigo.
A blasfémia e a apostasia são crimes medievais incompatíveis com os direitos humanos, nomeadamente a liberdade de expressão e a liberdade religiosa. Esta última só existe se permitir abandonar a fé, mudar de religião, desinteressar-se ou criticá-la. A blasfémia é um crime sem vítima, uma ofensa a Deus, no jargão religioso, sem que o ofendido passe procuração para processar ou punir o autor da alegada ofensa.
A liturgia da fé é a «ordem unida» dos exércitos, um exercício que nos leva a abdicar da razão pelo passo certo. É preferível ferir os calcanhares do que acertar o passo ao toque do tambor ou à litania da religião.
A liberdade conquista-se quando conseguimos dizer não ao caminho que rejeitamos, às ideias de que discordamos e aos símbolos que repudiamos e, quando formos livres, dar-nos-emos conta de que só atingiremos a liberdade quando todos a conquistarmos.
Independentemente das motivações do frustrado homicida não se deve esquecer que há um prémio de cerca de três milhões de euros, criado por uma instituição islâmica para o assassinato do notável escritor inglês de origem indiana.
O direito à troça, à ironia e ao sarcasmo é tão respeitável como o direito à fé e à liturgia. A blasfémia é a catarse que emancipa e liberta.
Uma religião que manda matar quem não a respeita e quer obrigar o mundo a converter-se, não é uma doutrina salubre, é um frasco de veneno destapado.
Apostila – Quando o Aiatola Khomeini proferiu a fatwa contra o Salman Rushdie pelo abominável crime de…ter escrito um livro, teve do Vaticano, do arcebispo de Cantuária e do Rabino Supremo de Israel a compreensão pela sua piedosa demência.
O silêncio dos líderes islâmicos e dos dignitários atuais das religiões referidas é um ato de profunda e iníqua cumplicidade. Até ao momento desconheço qualquer reação deles ao cobarde atentado.