25 de Outubro, 2021 Carlos Esperança
POEMA
Dois amigos do peito e da hóstia
Neste mundo de labuta
A um chamam-lhe santo
Ao outro… não.
Dois amigos do peito e da hóstia
Neste mundo de labuta
A um chamam-lhe santo
Ao outro… não.
Texto de Onofre Varela
Ninguém nasce ateu ou religioso, tal como não se nasce a saber falar.
A língua materna é aprendida em família, e o sentido da religiosidade também.
Todas as sociedades obedecem a preceitos religiosos que alicerçam o pensamento enraizando-o de geração em geração.
Na minha família (sou filho de pai republicano e ateu, e de mãe católica não praticante) nunca se deu importância à fé religiosa. Fui educado no respeito pelo próximo e pela Natureza, dispensando a adoração a deuses e a santos.
Quando tive idade para raciocinar, e em confronto com os meus amigos participantes em missas, acompanhei-os e senti necessidade de os interrogar sobre o culto. Aquilo parecia-me estranho por não ter bebido da taça religiosa dos meus amigos, e afastei-me voluntariamente de celebrações litúrgicas que me pareciam sem nexo.
No passar do tempo que tudo transforma, a minha atitude perante a Religião também sofreu alterações. Aquela frase popular “só os burros não mudam de opinião”, funciona em todos os sectores… sendo que a opinião mudada pode incluir a total inversão do caminho, direccionando-a noutro sentido, ou considerar, apenas, um retoque, limando o que precisa de ser limado, quando se entende que o caminho está bem traçado e por isso se recusa um retrocesso.
A minha preocupação primeira de negar Deus, sem muita substância no pensamento que me levava à negação, alimentada na juventude que tudo sabe, pode e vence, acabou por me passar. Foi como um resfriado!… Não porque o considerasse um pensamento errado na sua totalidade, mas porque me defrontei com um raciocínio mais maduro após 20 anos a dar atenção às coisas que à Religião pertencem.
A partir daí (tinha eu 40 anos) concluí ser ateu, e que a preocupação de negar Deus não fazia sentido. De facto, é tão desinteressante negar Deus, como é afirmá-lo. Discutir o conceito de Deus acaba por não ter significado. O conceito existe porque foi necessário criá-lo, e todas as criações têm a sua razão, a sua função e o seu tempo.
O Homem só cria aquilo de que necessita. A criação de vários deuses, primeiro, e a do conceito do “Deus único”, depois, resultam da mesma necessidade intelectual do Homem, ditada pela própria evolução do pensamento. A negação do conceito do Deus único que eu faço aqui (e que já muitos autores o fizeram e provavelmente tantos outros o farão) também pertence a essa evolução. Será o derradeiro ponto final na História dos deuses e de Deus.
A esta conclusão cheguei com a contagem dos anos. Crer ou descrer tem tanta importância como sair de casa para ir ao cinema num centro comercial ou à missa na igreja da paróquia. Nenhuma das opções é mais importante do que a outra. Para quem as toma é uma atitude pessoal legítima que depende, unicamente, da vontade e do interesse de cada um… e cada qual atribuirá à questão do sagrado e dos credos relacionados, o grau que pretender atribuir-lhe.
As discussões acesas sobre Deus e a fé religiosa, não acrescentam nem diminuem nada na medida da crença de uns, nem na medida da descrença de outros. Em regra os contendedores terminam como começaram… nenhum deles aceita ter aprendido ouvindo o outro… até porque não se ouve o outro… ambos querem debitar discurso mais forte, real e único. Discursos que, afinal das contas, no contexto social em que vivemos, com tantas preocupações bem mais importantes… são nada!
Importante é que a troca de ideias não tenha fim, e que ambos os intervenientes nesta discussão (ateus e religiosos) se respeitem mutuamente e aprendam a ouvir opiniões contrárias às suas e raciocinem sobre elas, em vez de as descartarem liminarmente sem tentarem entender a razão do outro.
A fuga à tentativa de perceber o porquê de existirem ideias contrária às nossas, tão usada nas militâncias políticas, futebolísticas e religiosas, não abonam a qualidade do raciocínio de quem assim age…
(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)
OV
Texto de Onofre Varela
O semanário Alto Minho, na sua edição do dia 2 de Junho último, dedica uma página à notícia protagonizada pelo padre Tiago Rodrigues (não confundir com Tiago Brandão Rodrigues, ministro da Educação!), pároco de Cardielos, Serreleis, Torre e Vila Mou, em Viana do Castelo.
O jornal divulga que o sacerdote não quer que “os leigos com nomeação episcopal se envolvam nas eleições autárquicas deste ano” e diz ter tomado tal posição para que “a neutralidade da Igreja seja mais visível e concreta”.
Naturalmente que a posição do padre Tiago só pode causar polémica numa sociedade democrática aberta a todas as tendências políticas e religiosas como, saudavelmente, é a nossa. Perante as primeiras críticas da população à sua atitude, o padre apressou-se a esclarecer que não pretende proibir ninguém de se envolver nas eleições. Apenas “declara que os membros da Fábrica da Igreja, Confrarias, Direcção e Conselho Fiscal do Centro Social e Paroquial” não devem integrar quaisquer listas concorrentes a eleições, sejam autárquicas ou parlamentares. Mas se “entretanto, optarem por integrar alguma corrida eleitoral, devem suspender as suas funções nos cargos paroquiais”.
Esta sua atitude pode parecer inserida numa lógica de “não infectar” a Igreja com procedimentos alheios ao culto… porém, o culto que o senhor padre Tiago Rodrigues representa, está infectado desde os seus princípios, em tempos medievais, enquanto modo de prender os crentes aos interesses da instituição através do medo à punição divina.
Contrariando o padre, um político local, com toda a legitimidade de cidadão numa república laica que se rege por uma Constituição democrática moderna, acusou o sacerdote de estar “a condicionar direitos, liberdades e garantias num acto eleitoral”, e considerou a posição do sacerdote como uma “interferência brutal nunca antes vista”.
A notícia do semanário Alto Minho obriga-me a interrogar:
A Igreja Católica, enquanto instituição, é politicamente neutra?…
Eu tenho a resposta: Não!… Enquanto agente social, a Igreja faz política.
A atitude do padre Tiago Rodrigues é uma atitude política.
O Homem é, essencialmente, político… e a Igreja é feita por homens. Todas as atitudes sociais tomadas por sacerdotes são atitudes políticas, incluindo a proibição decretada pelo senhor Tiago Rodrigues.
Desde sempre a Igreja foi uma instituição política, criticando governos… e pior ainda (para mim que sou de Esquerda) quando essa crítica é dirigida a atitudes políticas de Esquerda, enaltecendo atitudes políticas de Direita, como é o caso das leis da interrupção da gravidez e da eutanásia.
A Igreja (enquanto instituição) usa o púlpito para defender ideais políticos de Direita, atacando ideais de Esquerda. E quando no seu seio algum sacerdote de índole mais humana e fraterna, atento à História política do país, assume discurso diverso do oficialmente decretado pelos mandantes do credo (o Vaticano), esse sacerdote corre o risco de expulsão, como aconteceu com o padre Mário de Oliveira, da Lixa (lixaram-no!…).
E quando no Vaticano há um papa como Francisco I, atento à sociedade, usando discursos inabituais, a Santa Sé transforma-se num ninho de víboras que esperam ver Francisco I substituído na cadeira de S. Pedro.
O que na Igreja se faz é política, e o culto é uma arma… muitas vezes letal… e se hoje já não protagoniza actos como a queima dos infiéis na fogueira… move-se nos bastidores do mundo, conseguindo impor vontades que nunca (ou raramente) são as aspirações da generalidade dos povos crentes, obedientes e tementes!…
(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)
OV
Texto da autoria de Onofre Varela
Ultimamente tornou-se moda contestar a História, pretendendo reescrevê-la de acordo com um certo pensamento divorciado dos factos que a fizeram. Nesse sentido há atitudes vândalas contra estátuas e monumentos, como fizeram à imagem do Padre António Vieira, em Lisboa, a quem acusam de ter pactuado com a escravatura e os maus tratos aos povos indígenas do Brasil; e ao Monumento aos Descobrimentos, em Belém… como se não fosse um facto histórico dali terem partido as caravelas dos nossos marinheiros quinhentistas, e como se tal facto não fizesse parte da História, nem representasse um modo de se ser e de se fazer, num determinado tempo e lugar, em determinadas circunstâncias ditadas pelo evoluir da sociedade e do próprio pensamento social e filosófico que faz cada tempo!
A História conta-nos os feitos dos nossos antepassados, quer nós gostemos, ou não, de algumas narrativas. A História não é um petisco que se come, ou não se come, de acordo com os nossos gostos gastronómicos: é o registo de factos que não podem ser mudados. O meu professor de História, na Escola de Artes Decorativas Soares dos Reis, definia História como “uma sucessão de sucessos sucessivos que sucedem sucessivamente sem cessar”… e agora há uns patuscos que, ao estilo de Camões, gritam “cesse tudo o que a musa antiga canta…” por questões ideológicas actuais, alheias aos factos que fizeram a História. Em Julho último, por exemplo, indígenas do Canadá queimaram igrejas católicas, movidos pelo “desrespeito aos autóctones”, por parte de alguns padres em algum momento da História!
Ultimamente uma notícia divulgada pelo jornal espanhol El Mundo (edição de 10/9/2021) dá conta de, também no Canadá, uma instituição conservadora que agrupa 30 escolas francófonas de Ontário ter retirado das suas bibliotecas cerca de cinco mil livros que acabaram na reciclagem do papel, e outros em fogueiras “purificadoras” à boa maneira da Inquisição Católica! Algumas das obras “diabólicas” que mereceram tal fim, eram histórias de Banda Desenhada de Tintim e de Astérix!… E porquê?… Por, presumivelmente, a obra Tintim no Congo (de 1931) conter racismo. Igual acusação é dirigida ao Astérix (da excelente dupla de criadores Albert Uderzo [desenho] e René Goscinny [texto]) alegadamente por “falta de respeito pelas tribos índias do Canadá” (!?!)…
Os censores são umas bestas!… Não sabem destrinçar sátira e humor ficcional, de realidade histórica!… Também Pocahontas e Lucky Luke não escaparam à cerimónia de “purificação nas chamas”, e o conselho escolar declarou que, com tal acto “enterramos as cinzas do racismo, da discriminação e os estereótipos, com a esperança de as crianças crescerem num país inclusivo em que todos possam viver com prosperidade e segurança” (!?!).
Mas… o que é isto?!… Estará tudo doido?!… Se esses “puristas do pensamento” um dia acordarem com vontade de irem mais longe nessa purificação tomada como cruzada… vão ter de queimar a Bíblia!… É que os “textos sagrados” permitem que os pais vendam as suas filhas (Êxodo: 21; 7-8) “E se algum vender a sua filha […] não poderá vendê-la a um povo estranho”. E também permitem a escravatura (Levítico: 25; 44 – 46) “E quanto ao teu escravo ou à tua escrava que tiveres […] deles comprareis escravos e escravas […] também os comprareis dos filhos dos forasteiros que peregrinam entre vós […] e possuí-los-eis por herança para os vossos filhos depois de vós”!… Exactamente como se o escravo fosse um objecto de ser usado de mão em mão, assim como uma jarra ou um penico!
Gostava de conhecer o comportamento social diário desses “puristas-queimadores-de-livros” alegadamente por “respeito aos autóctones”! Se calhar ainda ia concluir que alguns deles mereceriam ocupar o lugar dos livros nas suas tão queridas fogueiras!… Estará tudo doido, ou sou eu que estou a ver mal a coisa?!…
(O autor obedece ao último Acordo Ortográfico)
OV
29 de Setembro de 2021
Comunicado de Imprensa
Associação Ateísta Portuguesa condena a oferta autárquica de quadro religioso pago com o dinheiro dos contribuintes
A Câmara Municipal de Gaia pagou dez mil euros ao artista António Bessa por duas pinturas que assinalam a aprovação do concurso público para a ponte D. António Francisco Santos, nome do antigo Bispo da Diocese do Porto e cuja escolha a Associação Ateísta Portuguesa (AAP) já criticou. Os dois quadros, sob o título “A ponte que nos une”, retratam cada um respetivamente o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, e o presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues. Em ambos os quadros cada presidente aparece acompanhado do antigo bispo portuense, de jovens, de uma “Nossa Senhora” e do Santuário de Fátima como pano de fundo.
Esta situação já confirmada pelo “Polígrafo”, plataforma de verificação de factos, levanta dois problemas: um de ordem material e outro de ordem simbólica.
Por vivermos num estado laico, em que há separação clara entre o Estado e a Religião, a AAP condena o facto de uma Câmara Municipal utilizar o erário público para comprar uma obra religiosa.
Que fique claro que nada impediria que o cidadão e artista António Bessa oferecesse uma obra da sua autoria, mesmo que religiosa, aos autarcas. Diferente é ser pago por uma instituição autárquica laica para produzir uma obra religiosa, que ainda por cima favorece uma religião em particular: a católica.
Além disso, uma obra de arte nunca é neutra, trazendo consigo vários significados, muitos deles simbólicos. Assim, “a ponte que nos une” pode ser entendida literalmente como a ponte que unirá as cidades de Porto e Gaia, mas também os laços estratégicos que unem os dois presidentes de autarquias vizinhas. Mas a obra pode ter ainda um terceiro significado: tendo como peça central o antigo bispo e como pano de fundo Fátima, a religião pode ser entendida como a ponte que une a política dos dois autarcas. Portanto, é também pelo valor simbólico da obra, e não apenas pelo valor pecuniário desviado ao erário público, que a AAP condena esta oferta do quadro do Presidente de Gaia ao Presidente do Porto.
Lembramos que a esfera religiosa deve permanecer afastada da esfera política, em respeito aos valores da República e da Laicidade que tanto custaram a estabelecer.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.