Abuso sexual. O caso Português
Texto de Onofre Varela
Os abusos sexuais exercidos por religiosos, aqui referidos no último artigo, são exemplos que vêm de fora das nossas fronteiras, concretamente de Espanha, onde um jornal diário (o madrileno El País) criou um gabinete específico para recolher denúncias, proceder à sua investigação e, posteriormente, divulgá-las. Esta actuação do jornal pode constituir uma barreira à continuação dos abusos, se for considerada um meio dissuasor. Se assim for, a atitude do El País tem valor acrescentado.
Por cá não conheço acção idêntica da imprensa, ou de qualquer outro organismo, que tenha a mesma função dissuasora da prática do crime de abuso sexual no seio da Igreja.
O jornal Público, na edição do dia 29 de Maio último, dá conta de que, no espaço de um ano (desde a criação das comissões diocesanas para lidar com eventuais queixas de abuso sexual de menores ou adultos vulneráveis cometidos por membros da Igreja Católica) houve quatro queixas e foi aberta uma investigação.
A Igreja Católica Portuguesa parece não querer dar atenção à directiva do Papa Francisco I no sentido de se denunciar e investigar os casos de abusos sexuais dentro da instituição religiosa. Um responsável pela Conferência Episcopal alegou não ter dados nacionais, e que não pode dar “números porque podiam estar errados, se é que os há…”, o que parece denotar pouco interesse no estudo dos casos, mas também nenhuma preocupação pelo mutismo de muitas dioceses sobre os abusos sexuais.
Em alguns casos as escusas para se proceder a tais inquéritos soam anedoticamente, como se vê pela declaração do bispo do Porto, Manuel Linda, ao jornal Público, que equiparou a pertinência de se avançar com uma comissão deste tipo, “à de se criar uma comissão para estudar o efeito da eventual queda de um meteorito na cidade do Porto” e só respondeu às perguntas dos jornalistas ao fim de duas semanas de insistentes tentativas.
Das 20 dioceses a que o jornal perguntou se foram recebidas queixas, quatro não responderam, as da Guarda, de Viana do Castelo, de Angra do Heroismo e de Viseu. E de entre as 16 que responderam “apenas Braga, Bragança-Miranda e Funchal, reportam um total de quatro denúncias” as quais teriam ocorrido antes da formação das referidas comissões, ou já estavam prescritas.
Por tudo isto se constata que, apesar do decreto papal “Vós Sois a Luz do Mundo”, que entrou em vigor no dia 1 de Junho de 2019, com a recomendação de que se considerasse urgente a criação das comissões de inquérito no prazo máximo de um ano (que expirou em 2020), muitas dioceses borrifaram-se para o papa e não consideraram a importância de que o caso do abuso sexual se reveste.
Não há casos de denúncia a partir da própria Igreja, nem da parte dos consumidores do credo, “o que não quer dizer que não existam, quer apenas dizer que não foram reportados”, salientou o bispo Américo Aguiar, coordenador da Comissão de Protecção de Menores do Patriarcado de Lisboa.
Anteriormente à formação das comissões de inquérito, na arquidiocese de Braga foram recebidas duas denúncias, sendo que numa delas, a vítima pediu sigilo absoluto, e o crime está prescrito por ter sido cometido há mais de 30 anos. E a segunda denúncia referia, como abusador, um sacerdote já falecido, pelo que o caso foi encerrado.
Em Setúbal também já havia uma queixa antiga, mas o inquérito acabou por ser arquivado por não se terem reunido “indícios suficientes da verificação do crime, nem de quem foi o seu autor”.
E tudo está bem, quando termina bem…
(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)
OV
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CATEGORIES
Catolicismo -
DATE
25 de Agosto, 2021 -
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