«Em Verdade Vos Digo»(*)
Texto de Onofre Varela, publicado no jornal Trevim.
(Permitam-me duas palavras de apresentação: a amizade existente entre mim e o Trevim, desde os tempos áureos das sessões anuais de caricatura na Lousã, organizadas por Osvaldo de Sousa e José Oliveira com o apoio deste jornal, criou laços que jamais se romperam. Por convite da direcção serei, a partir de hoje, colaborador habitual com um texto de opinião na linha do que aqui publiquei no dia 11 de Fevereiro último. Sou ateu e difundo as minhas opiniões no respeito devido à opinião de quem é religioso. Embora tenhamos ideias diferentes, temos a dita de nos podermos expressar livremente, o que ficamos a dever aos heróicos militares de Abril).
Um dia perguntaram a Agostinho da Silva: “Acredita em Deus?”… ao que o filósofo respondeu: “Depende. Se você me disser o que é Deus, pode ser que eu lhe diga se acredito ou não”.
Não conheço resposta mais concreta e acertada para tal pergunta. Na verdade não se pode negar a existência de Deus assim, tão simplesmente, porque logo a seguir à negativa se colocaria a questão: se Deus não existe, porque estás a falar dele? Se não existia até aqui, passa a existir a partir deste momento… caso contrário não se entenderia porque estás a nomeá-lo!
Só se pode negar ou afirmar aquilo que se conhece. E aquilo que eu conheço do conceito de Deus (o conceito, sim, existe) não me merece crédito de existência real fora do conceito que é, nem da cabeça de quem o afirma.
O deus apregoado pelas religiões é definido como um ser espiritual… mas tem personalidade e forma antropomórfica (concebeu-nos à sua semelhança). Produz milagres e orienta os homens, castiga e premeia, e reina num universo paralelo onde nos espera depois da morte para nos premiar com felicidade eterna ou nos condenar, também, eternamente… o que é uma maldade!
A esmagadora maioria dos crentes não contesta nem indaga as coisas da divindade. Aceita-as por certas, assim, totalmente cruas, sem livro de reclamações, defendendo-as na fé e com carácter de única e pura Verdade (com maiúscula porque divina).
À figura de Deus juntam-se as mais improváveis qualidades e capacidades, como as da omnisciência, omnipotência, omnipresença e, ainda, a mais radical de todas: a de Deus se ter criado a si próprio, já que nada existia antes de si!… Não sou eu quem o diz. A ideia faz parte da lista dos dogmas que no primeiro ponto do II capítulo intitulado “Deus o Criador”, afirma: “Tudo que existe fora de Deus foi, na sua total substância, produzido do nada por Deus”!…
Este deus, pintado desta maneira tão infantil para o raciocínio de um adulto mentalmente são, definitivamente, não pode existir fora da cabeça de quem crê. As leis da física e da química não permitem a existência do que quer que seja com tais características e poderes. Dentro da cabeça de cada um… tudo é possível existir!… O nosso raciocínio de Ser inteligente e criativo leva-nos a navegar no reino das fantasias que ciosamente idealizamos e coleccionamos. E se nos dão paz, devemos usar… mas sempre no respeito pela ideia do não crente, já que crença e descrença são as duas faces da mesma moeda. Logo, têm o mesmíssimo valor.
(*) – Frase atribuída a Jesus Cristo, repetida dezenas de vezes nos evangelhos (incluindo a expressão Em Verdade em Verdade Vos digo, repetindo a palavra Verdade para sublinhar a veracidade do que se pretende transmitir, como, por exemplo, se faz em João: 5;24) com a pretensão de afirmar a solenidade do discurso que se lhe segue.
(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)
OV