Hospitais públicos não podem ser memoriais religiosos
Tomei conhecimento de que existe no Hospital Dona Estefânia um memorial religioso dedicado à Jacinta Marto – uma dos três pastorinhos que alegadamente terá vivido o suposto “milagre” de Fátima.
As fotografias foram ontem partilhadas na conta de twitter da Associação República e Laicidade. Num Estado laico não deveriam existir referências religiosas no espaço público, por duas razões principais: porque não existe uma religião de Estado e porque o espaço público pertence a todos independentemente da sua crença ou ausência dela. O facto de o memorial ter surgido por iniciativa de uma organização católica – “Liga da Acção Católica Femenina da Freguesia dos Anjos (1943)” – e lá permanecer até aos dias de hoje é uma descriminação face às outras religiões, bastando perguntar-nos: seria hoje permitido no mesmo local um memorial judaico ou muçulmano?
Um dos comentadores do referido tweet justifica a existência do memorial argumentando que “releva a importância histórica e espiritual das instituições hospitalares públicas”. Contudo, não é essa a função de um hospital público num Estado laico, é antes tratar e cuidar dos pacientes. O papel espiritual caberá a outras instituições.
Sobre o fenómeno de Fátima, acreditemos nele ou não, enquanto fenómeno social faz parte da história de um período do nosso país, que merece ser estudado, analisado, criticado e até exposto. Porém, se há lugar para realizar cada uma destas iniciativas, decerto não o será num hospital público.
Não nego o valor patrimonial e histórico das peças ali exibidas e por isso deixo uma proposta: a remoção das placas evocativas e a sua preservação, para futura exposição em local adequado (museu ou outro espaço visitável) com referida contextualização.