A ciência, os milagres e a santidade
Pensava eu, em meu pensamento, que os milagres cientificamente comprovados no laboratório do Vaticano, no mínimo de dois, eram as provas académicas de acesso à santidade que, comparadas com o mundo profano, equivaleria o primeiro milagre ao mestrado e o segundo ao doutoramento.
Pensava ainda, em meu pensamento, que a canonização, sem numerus clausus, atribuiria um alvará para novos milagres, sendo os dois primeiros as provas de exame no apertado filtro da canonização que, com o defunto ausente, fariam da Sagrada Congregação para as Causas dos Santos, a Sala dos Capelos da Universidade de Coimbra, com a dignidade de Prefeitura.
Compreende-se que os santos precisem de provas para poderem continuar no ramo dos milagres, sendo os primeiros obrados à experiência e os seguintes já com provimento definitivo. Isso justifica as alegadas exigências postas na comprovação científica dos prodígios pela Congregação oficial para não se repetir a exclusão do Livro dos Santos, como sucedeu a S. Guinefort que, apesar de mártir, foi exonerado quando se descobriu tratar-se de um cão e o templo, em sua honra, foi mandado arrasar pelo Papa de turno.Um santo, depois do alvará de canonização, tem direito a biografia no Livro dos Santos, acompanhada da oração dedicada ao mesmo, de uma imagem clássica e do patronato e dia consagrado dento do culto católico.
Não admira, pois, a exigência de três médicos que confirmem os milagres e a dificuldade acrescida dos defuntos em obrarem milagres de jeito, depois da evolução farmacológica e dos avanços médicos. Exceto na oncologia, os milagres andam agora pelas varizes, furúnculos, queimaduras, moléstias da pele e, às vezes, pela fisiatria. Acontecem sempre na área da medicina e nunca na economia, física ou matemática, isto é, a santidade está confinada a medicinas alternativas. Mas o que surpreende é a inércia dos santos reconhecidos e o frenesim dos candidatos. Lembro-me de que Nuno Álvares Pereira, depois da brilhante cura do olho esquerdo de D. Guilhermina de Jesus, queimado com salpicos de óleo fervente de fritar peixe, e logo canonizado, nunca mais curou um simples furúnculo, hemorroides ou uma fratura do colo do fémur, o mesmo acontecendo com os milhares de canonizados dos três últimos pontificados.
A canonização, se a política da santidade se mantiver, deixa de ser o diploma para obrar milagres é passa a mero pergaminho com a jubilação assinada e com lacre do Vaticano.
A canonização de São João Paulo II veio dar razão a um adágio popular português que se aplicava às cadelas:
»Papas apressados parem santos cegos».
Não sabiam que o defensor e amigo de Pinochet protegia o silêncio sobre a pedofilia do clero.
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
- Sócio fundador da Associação República e laicidade;
- Sócio da Associação 25 de Abril
- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;
- Sócio dos Bombeiros Voluntários de Almeida
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- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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