A Confissão
Por
ONOFRE VARELA
A minha primeira experiência numa igreja foi desastrosa. Frequentava a segunda classe da instrução primária e fui levado pelo professor, com os outros alunos, perfilados dois a dois, para a igreja de Rio Tinto. Lá dentro, nos dois cantos do altar, estavam dois padres sentados em cadeirões. Formaram-se duas filas e vi que quando o colega da frente chegava junto ao sacerdote, ajoelhava e acontecia uma troca de palavras imperceptíveis. Fiquei inquieto. Não sabia o que estava a acontecer ali, nem o que fazer quando chegasse a minha vez. Quando ela chegou, fiz o que vira fazer. Ajoelhei. O padre, com o queixo no peito, disse algo em tom tão baixo, que não percebi. Levantou a cabeça lentamente, olhou-me e repetiu o que teria dito, e dessa vez entendi: “Diz a confissão”. Não percebi o que era que ele queria que eu dissesse, e respondi com a boca seca pelo nervosismo já transformado em pânico: “Não sei!”. Nunca tinha experimentado aquilo, nem sabia o que haveria eu de confessar!… Senti-me abandonado no mundo e o dia até aí solarengo, transformou-se em tormenta. Salvou-me o que o padre disse logo a seguir: “Então vai para casa aprender, e quando souberes volta cá”.
Fez-se Sol na minha alma! Levantei-me rapidamente e saí dali. Nunca quis aprender a confissão e perdi a vontade de voltar a entrar numa igreja!… Aquela experiência repeliu-me. Soltou-me, em vez de me prender. Será que uma criança de oito anos sabe o que é a confissão católica?!… Se calhar, nem metade dos adultos que o fazem, o sabem, e provavelmente só o fazem por hábito adquirido em criança. Para existir uma confissão, no sentido de se obter um perdão, tem de, antecipadamente, existir um delito. E depois, a confissão do delito não o elimina… é necessário compensar a vítima que prejudicamos com a nossa acção delituosa. Essa função pertence aos tribunais, não à Igreja! A função da Igreja no acto da confissão está a outro nível. É uma espécie de lavagem da consciência, sem remediar o mal feito.
A confissão católica remete o perdão da nossa falta para a responsabilidade de Deus! Sinto-me perdoado pela divindade da minha crença, mas aquele que prejudiquei, continua prejudicado sem ser ressarcido dos danos que lhe causei!… Porém, eu fico na maior leveza de consciência porque Deus me perdoou!… Isto é indecente!… Pode funcionar psicologicamente, mas é de um egoísmo extremo, premiando o prevaricador e esquecendo a vítima! O crente só encontra satisfação no acto da confissão porque o seu sentimento de crente está programado para aceitar aquele acto dirigido a Deus através da intermediação de um sacerdote, ficando de consciência tranquilamente limpa da falha que confessou… mas sem indemnizar a vítima do acto que motivou a sua confissão! Se você, leitor, é religioso católico e consegue viver em paz depois da confissão a um sacerdote, óptimo… isso é muito bom para si!… Mas não se esqueça de falar com aquele, ou aquela, a quem prejudicou e por isso se confessou!… No mínimo, peça-lhe desculpa pelo seu erro e não o torne a praticar. Está combinado?… Fique feliz e tome lá um abraço.
(O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)
OV
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
- Sócio fundador da Associação República e laicidade;
- Sócio da Associação 25 de Abril
- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;
- Sócio dos Bombeiros Voluntários de Almeida
- Blogger:
- Diário Ateísta http://www.ateismo.net/
- Ponte Europa http://ponteeuropa.blogspot.com/
- Sorumbático http://sorumbatico.blogspot.com/
- Avenida da Liberdade http://avenidadaliberdade.org/home#
- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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