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Mês: Maio 2020

15 de Maio, 2020 Carlos Esperança

As inflação das relíquias e a sua cotação

A bolsa de valores pios sofreu, ao longo do tempo, uma lenta erosão, no que diz respeito às relíquias, que orgulhavam os donos e protegiam os domicílios onde jaziam.

Outrora, a exaltação das relíquias deu origem a um próspero negócio e à criação de uma indústria de contrafações cujos produtos rivalizavam com os verdadeiros, a obter graças e a obrar milagres.

Assim se distribuíram por paróquias uma dúzia de braços de S. Filipe, só ultrapassado por Santo André a quem arranjaram 17 para gáudio e devoção de crentes de um número igual de paróquias.

Às vezes eram bizarras as relíquias e não menos inspiradoras de piedade, como sucedeu com o rabo do burro que carregou a Virgem Maria, com a pena de uma asa do arcanjo Gabriel ou com as línguas do Menino Jesus. Mas era a piedade, a imensa piedade, e a raridade de peças genuínas no mercado da fé, que levou Santa Juliana a ter 40 cabeças dispersas, para piedosa contemplação dos crentes.

Nem vale a pena falar do Santo Prepúcio, relíquia comovedora, por ser do próprio Jesus Cristo. Dos vários que houve (prepúcios, porque JC foi único), apenas a um foi passado certificado de garantia e, depois, até esse foi declarado falso. Decidiram os cardeais que JC não poderia ter ressuscitado sem ele e, a partir daí, pairou a ameaça de excomunhão sobre os crentes que se lhe referissem, mesmo para os que tinham obtido graças por seu intermédio.

Enfim, as relíquias da ICAR, quase sempre macabras, pedaços de santos desidratados ou ossos mirrados, são hoje tão acessíveis que arruinaram o mercado das falsificações. Só os fragmentos de santos e beatos criados no pontificado de JP2 exigiriam armazéns imensos e uma rede de frio de enorme capacidade para as conservar. Seria mais cara a manutenção do que o valor da mercadoria. Três cabelos do já santo João Paulo II (JP2) chegaram à Madeira a custo zero.

Na primeira visita que fiz a Itália, em meados da década de 70 do século XX, saturei-me de relíquias e deslumbrei-me com a perfeição das pinturas e esculturas que decoravam magníficas catedrais onde várias vezes regressei, abstraído da fé, fascinado pela beleza.

Foi na primeira vez que, depois de numerosos ossos exibidos, a guia sujeitou o grupo a observar um esqueleto inteiro, em excelente estado de conservação, devido às virtudes que, em vida, exornaram o taumaturgo. Maiores do que as graças que concedia eram os exemplos de piedade que deixara. Era o orgulho da paróquia, uma localidade próxima de Nápoles, habitada por uma pequena comunidade que possuía uma igreja e relíquias a causar inveja a muitas cidades.

Estava a guia empolgada a falar das virtudes do santo, cujo esqueleto mostrava, quando alguém lhe perguntou de quem era um esqueleto pequeno que se encontrava próximo. Sem titubear, respondeu de imediato:

– Era do mesmo santo, quando jovem.

14 de Maio, 2020 Carlos Esperança

Os transplantes, a ressurreição da carne, a vida eterna e o ámen

Há 65 anos (dezembro/1954) o cirurgião americano Joseph Murrey realizou o primeiro transplante humano, um rim doado por um irmão gémeo a outro que estava a morrer de doença renal. A generosidade fraternal foi compensada com mais de 8 anos de vida do irmão transplantado que constituiu família e havia de gerar duas filhas.

Os crentes mais devotos de então consideraram tratar-se de uma profanação do corpo e que os médicos se imiscuíram numa prerrogativa de Deus. Nesse dia os homens deram mais um pequeno passo na sua emancipação e Deus um enorme trambolhão.

O êxito da operação foi uma vitória sobre a omnipotência e a omnisciência divinas cuja credibilidade sofreu um rude golpe. Desde então, milhares de vidas foram prolongadas, graças à ciência.

Quem acredita na vida eterna e na ressurreição da carne, deve perturbar-se com o que acontecerá no Vale de Josafat, entre Jerusalém e o Monte das Oliveiras, no dia bíblico do Juízo Final.

O Deus deles, cruel e medonho, lá estará a julgar os vivos e mortos, perante a enorme confusão em que aos problemas logísticos se junta a berraria de quem pede a devolução do fígado, reclama um rim, exige de volta o coração ou procura o esqueleto dividido por centenas de próteses de acidentados.

Deus começa a ter problemas complicados. O melhor é desistir do mito da ressurreição e manter-se no silêncio a que se remeteu após o género humano ter decidido pensar.

13 de Maio, 2020 Carlos Esperança

O ateísmo e as crenças

Compreende-se a hostilidade dos crentes ao ateísmo, e é difícil aceitá-la contra os ateus, tal como é intolerável que os ateus visem, em vez das crenças, os crentes, sabendo que estes são as primeiras vítimas.

São três as imputações mais comuns dos crentes aos ateus, salvo os muçulmanos, que logo pensam na decapitação, todas no sentido de fazerem a catarse freudiana dos medos, dúvidas e terrores do inferno que povoa as suas mentes:

1 – A presumida superioridade moral e intelectual ateia, sem que exista ou seja referida;

2 – A alusão reiterada a facínoras ateus, Stalin, Mao, Pol Pot e outros, omitindo o cristão Hitler que em «A minha Luta» citava o Génesis deleitado com a violência de Cristo na agressão aos Fariseus, alusões que procuram confundir, e absolver o episcopado cristão, católico e luterano, incluindo o Papa, da cumplicidade com o nazismo e o fascismo;

3 – A afirmação de que há, entre os cristãos, pessoas boas, generosas e beneméritas, como se algum dia os ateus tivessem duvidado ou deixado de admitir a maldade de numerosos ateus.

Há, nas várias religiões, hierarcas merecedores de consideração e respeito pela craveira moral, intelectual e cívica. Há grandes personalidades e pessoas generosas entre os crentes. Ninguém é perfeito.

Mas isso não faz virgem a mãe de Jesus, infalíveis os Papas ou imaculada a conceção de Maria (fertilização in vitro?), nem transforma a superstição com os milagres, aparições e exorcismos, com que a ICAR ganha a vida e extasia os fiéis, em verdades.

Os atributos dos crentes bondosos não tornam verdadeiras as religiões, não expurgam a violência e a crueldade dos livros sagrados nem transubstanciam em corpo e sangue de Cristo o pão e o vinho, sob o efeito de palavras rituais e sinais cabalísticos.

JC deixou a doutrina que justificou a Inquisição, o Índex, a contrarreforma, o genocídio dos ameríndios, dos índios e de todos os que fossem avessos à conversão. Eis a verdade. A ICAR foi o que é hoje o Islão e só se humanizou graças à repressão política sobre o seu clero.
E a cumplicidade nazi/fascista da ICAR? Não há sistemas mais totalitários do que uma teocracia. Não há religião que não se encoste ao poder quando, de todo, não pode ser ela a detê-lo. Será por acaso que eram católicos Franco, Salazar, Mussolini, Pinochet, Hitler e Pétain e cristãos os coronéis gregos?

Por que motivo a ICAR excomungou a democracia, o socialismo, o livre pensamento, o liberalismo, o comunismo e a maçonaria e nunca excomungou o nazismo? JP2 reiterou a excomunhão ao comunismo, já depois da queda do muro de Berlim, mas nunca o fez contra o nazismo e o fascismo. E recusou reconhecer o Estado de Israel até 1993!

Por que motivo preparou o Vaticano a fuga de Adolf Eichmann e outros próceres nazis para os livrar do julgamento de Nuremberga?
Que fez JP2 quando os hútus católicos do Ruanda massacraram centenas de milhares de Tutsis com a participação ativa do clero no genocídio? Ficou silencioso e cúmplice. Este crime foi recente, não aconteceu na Idade Média.

Eis a razão:
Os judeus das trancinhas à Dama das Camélias cabeceiam o Muro das Lamentações e bendizem o assassinato de islamitas, passagens dos Evangelhos explicam a proteção de Pio XII a Adolf Eichmann com o genocídio contra os deicidas judeus, e os surahs do Corão abençoam o massacre de judeus e cristãos (por esta ordem).

Yavé abençoa a guerra e os guerreiros e promete a destruição total dos palestinianos – a «guerra santa» segundo a expressão do livro de Josué. Jesus mandou «ir e evangelizar», justificando o proselitismo e os horrores de que parcialmente JP2 pediu perdão. Maomé o mais rude e incivilizado recomenda a jihad.

Os ateus são os inimigos comuns a erradicar pela demência mística dos monoteísmos.

João Paulo II = JP2

12 de Maio, 2020 Carlos Esperança

“A minha liberdade acaba onde começa a dos outros”

Era o que faltava! Até ponho a coisa ao contrário. Só faltava que, para não ferir os meus sentimentos e as minhas convicções, não se pudesse dizer mal da República, do ateísmo e da social-democracia, v.g., ou recorrer à caricatura, à troça e ao sarcasmo!

Quando alguém apela ao respeito por determinada crença ou ideologia apenas pretende limitar a liberdade de expressão, dos outros, em relação ao que defende. Sei que ofendo alguém sempre que manifesto pontos de vista que divergem dos seus, mas não admito reduzir-me ao silêncio para não desagradar, sem deixar de ser amigo de quem quer que seja por divergências religiosas, políticas, filosóficas ou outras.

Quando se reclama respeito pelas convicções alheias apela-se à censura e mostra-se uma incomodidade com regimes democráticos e laicos. Uma peregrinação, uma promessa ou um ato litúrgico são tão passíveis de ser criticados quanto um comício partidário ou uma cerimónia fúnebre. Uma Igreja é tão merecedora de troça quanto um clube de futebol ou um partido político, embora saibamos que não é prudente gritar vivas ao Sporting junto da claque benfiquista ou ir cantar o credo romano para a porta de uma mesquita.
E, sobretudo, é uma provocação gratuita e idiota.

Em 13 de maio de 2008 a maratona pia a Fátima, presidida por um português, o cardeal Saraiva Martins, foi realizada sob o lema “contra o ateísmo”. Podia ser “pela fé”, mas o desvario místico preferiu uma preposição belicista. Os patrocinadores do evento tinham o direito de rezar contra a ideologia que condenam? Claro que tinham. Não recorreram a armas, não apedrejaram infiéis, não degolaram os concorrentes nem molestaram os indiferentes. Dezenas de milhares de terços disparados contra o ateísmo, o desfile bélico com velas acesas e as cantorias, de resultados duvidosos, foi o exercício de um direito.

Já devíamos estar curados de sensibilidades doentias que a ditadura legou. Há um único limite à liberdade de expressão, o que o código penal da democracia considere crime. O resto é vocação e devoção censória.

11 de Maio, 2020 Carlos Esperança

Algumas considerações sobre a Concordata de 2004

A cerimónia de despedida do núncio apostólico em Lisboa, em 2002, deixou as piores apreensões sobre os bastidores das negociações da Concordata.

O então MNE, Martins da Cruz, prometeu aí o que não podia nem devia –, o reforço da influência da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) no domínio «do ensino, da assistência social, da cultura, nos múltiplos domínios em que nos habituámos a ver uma Igreja ativa e empenhada em contribuir para a solução de problemas nacionais».

É sempre através das redes de ensino e socorro social (lares, hospitais, escolas, creches, templos) que as Igrejas se infiltram para controlar o quotidiano dos cidadãos. A tragédia dos países islâmicos, onde a religião tem hoje a mesma influência que a ICAR tinha na Europa na Idade Média, devia fazer refletir os crentes e os não crentes. E, com total impunidade, afirmou ainda: «Como católico considero um privilégio ocupar a pasta dos Negócios Estrangeiros no momento desta importante negociação», como se a religião se devesse explicitar, num Estado laico.

O país livrou-se do ministro mas não se livrou da Concordata. A experiência de 1940 devia ter-nos vacinado contra a reincidência. A própria ICAR, que sofreu o ónus de se tornar refém da ditadura fascista, associada à repressão de meio século, devia evitar a tentação de reivindicar privilégios embora ninguém, que deles beneficie, admita tê-los.

A atual Concordata foi negociada à sorrelfa e foi difícil aceder-lhe, durante alguns dias, depois de assinada. Não tendo sido possível discutir o texto que, depois de ratificado, se tornou direito interno português, diretamente aplicável, é indispensável um movimento da opinião pública para a sua denúncia e um Governo que sobreponha os interesses do Estado laico às convicções religiosas dos seus membros.

A religião não se impõe por tratados. A propagação da fé não se confia aos Estados. O mundo islâmico é o exemplo trágico. A Concordata não pode converter-se num tratado de Tordesilhas que submeta à órbita do Vaticano um espaço a que a Cúria trace o meridiano. A subserviência à tiara não augura nada de bom para um futuro que se quer plural e essa revisão ficou à mercê do promíscuo contubérnio entre ministros de Deus e de Durão Barroso. O resultado está aí.

A ICAR nunca sofreu qualquer limitação ao exercício do múnus nestes quarenta anos de democracia. Que mais pretende ou deseja proibir? A Concordata fere princípios de universalidade e de igualdade de direitos e de obrigações, que a lei geral estabelece e acautela; opõe-se à lei geral na medida em que a ICAR exige tratamento especial naquilo que lhe diz respeito; e enuncia deveres religiosos como se o princípio da separação não impusesse ao Estado total alheamento em relação a esses «deveres».

Por ser bizarro, cita-se o n.º 2 do Art.º 15: «A Santa Sé, reafirmando a doutrina da Igreja Católica sobre a indissolubilidade do vinculo matrimonial, recorda aos cônjuges que contraírem o matrimónio canónico o grave dever que lhes incumbe de se não valerem da faculdade civil de requerer o divórcio».

Se não fosse ridículo, o dever de reciprocidade, imporia um n.º 3 com esta redação: «A República Portuguesa, reafirmando a doutrina do Estado sobre o casamento civil, recorda aos cônjuges que contraírem o matrimónio civil o grave dever que lhes incumbe de se não valerem da faculdade canónica de requerer o matrimónio religioso».

Esta Concordata ofende a soberania portuguesa, é dispensável e, talvez, só o facto de ter sido assinada entre Durão Barroso e o cardeal Angelo Sodano, apenas duas pessoas, tenha evitado a primeira frase da de 1940: «Em nome da Santíssima Trindade».

10 de Maio, 2020 Carlos Esperança

Sobre Anticlericalismo (3 e Fim)

Por

ONOFRE VARELA

Nos finais da Monarquia, os opositores à promiscuidade que havia entre Igreja e Estado eram os defensores da República, que repudiavam tanto a Monarquia quanto a Igreja (e já sabemos a razão desse repúdio). Para melhor se perceber a dimensão do anticlericalismo de Tomás da Fonseca, olhemos outra vez para a nossa História. 

Quando o escritor e pensador Tomás da Fonseca nasceu, essa mistura dos poderes reais e eclesiásticos contava 736 anos. Houve tempo em que na Europa a Igreja interferia nos reinados de acordo com os seus interesses. Na verdade, o poder da Religião sobre a Política exerceu-se, oficialmente, por demasiado tempo, deixando marcas de subserviência no Povo que somos, e cuja factura ainda hoje pagamos! 

Só nos últimos 44 anos vivemos sem essa ligação oficial da Igreja ao Estado, mas a ideia do poder da Igreja ainda mora em muitas mentes, incluindo cabeças eclesiásticas que se imaginam donas do pensamento e exercem poder sobre populações intelectualmente indefesas. 

As mentalidades não se mudam por decreto nem por revoluções militares, mesmo que floridas. Mudam-se pelo ensino. Um ensino bem programado, cientificamente delineado e sem alterações constantes. E demora algumas gerações para colher bom fruto. 

Voltemos à História: a primeira República, de pendor fortemente anticlerical, tinha na presidência Afonso Costa, a quem chamavam “mata-frades”. Apostado na naturalíssima laicização do Estado, aprova a Lei da Separação da Igreja do Estado em 1911. A Igreja é perseguida e confiscada (erro da República, sabemos nós hoje), e muitos clérigos exilam-se. O Povo, sempre crente e temente, maioritariamente não partilhava desta afronta republicana à Igreja, a qual adorava como antes da laicização do Estado, se não, mesmo, com mais fervor como desagravo das maldades que a República fazia aos padres! (Repare-se que não é raro autarcas a contas com a Justiça, serem reeleitos pelo Povo que adora as vítimas… na nossa História recente aconteceu em Felgueiras, Gondomar e Oeiras, nas Autárquicas de 2005!). 

A Igreja era o símbolo da adoração de Deus, e a crença religiosa não era pertença exclusiva do Povo. Também na classe política dirigente havia quem não comungasse dos ideais anti-clericalistas de Afonso Costa. O estado-de-sítio conseguido entre República e Igreja, durou sete anos. Em 1918 Sidónio Pais restabeleceu relações diplomáticas com a Santa Sé, e a Igreja retomou o poder que lhe tinha sido retirado pela mesma República, que fazia marcha atrás nas suas decisões anticlericais. 

Depois… chegou Salazar e o Estado Novo… os dois poderes reaproximaram-se, e a essência dos ideais republicanos que destronaram a Monarquia, ficou encostada à ombreira da porta do Parlamento, esperando por melhores dias. Só pela Revolução dos Cravos, em Abril de 1974 (56 anos depois) se restabeleceu a Democracia plena, e a Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária no dia 2 de Abril de 1976, aprovou a nova Constituição da República Portuguesa (com a oposição do CDS), que no seu artigo 41, §3, institui a separação do Estado da Igreja e das comunidades religiosas. 

Por isso, hoje, não há clericalismo… nem o seu antídoto! O que há (isso sim) é a noção de a sensibilidade religiosa ser exactamente como o gosto: não se discute!… Mas, igualmente como o gosto, critica-se!… E a crítica não é anti-coisa-nenhuma. É um valor da Democracia, à qual muitos religiosos ainda têm imensa dificuldade de adaptação.

 (O autor não obedece ao último Acordo Ortográfico)

9 de Maio, 2020 Carlos Esperança

Há quem acredite nisto

O Terceiro Segredo de Fátima

Este é o Terceiro Segredo de Fátima, escrito pela Irmã Lúcia:

“Escrevo em ato de obediência a Vós Deus meu, que me mandais por meio de sua Excelência Reverendíssima o Senhor Bispo de Leiria e da Vossa e minha Santíssima Mãe.

Depois das duas partes que já expus, vimos ao lado esquerdo de Nossa Senhora um pouco mais alto um Anjo com uma espada de fogo na mão esquerda; ao cintilar, despedia chamas que parecia iam incendiar o mundo; mas apagavam-se com o contacto do brilho que da mão direita expedia Nossa Senhora ao seu encontro: O Anjo apontando com a mão direita para a terra, com voz forte disse: Penitência, Penitência, Penitência! E vimos em uma luz imensa que é Deus: “algo semelhante a como se veem as pessoas em um espelho quando lhe passam por diante” um Bispo vestido de Branco “tivemos o pressentimento de que era o Santo Padre”. Vários outros Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas subir uma escabrosa montanha, no cimo da qual estava uma grande Cruz de troncos toscos como se fora de sobreiro com a casca; o Santo Padre, antes de chegar aí, atravessou uma grande cidade meia em ruínas, e meio trémulo com andar vacilante, acabrunhado de dor e pena, ia orando pelas almas dos cadáveres que encontrava pelo caminho; chegado ao cimo do monte, prostrado de joelhos aos pés da grande Cruz foi morto por um grupo de soldados que lhe dispararam vários tiros e setas, e assim mesmo foram morrendo uns após outros os Bispos, Sacerdotes, religiosos e religiosas e várias pessoas seculares, cavalheiros e senhoras de várias classes e posições. Sob os dois braços da Cruz estavam dois Anjos cada um com um regador de cristal na mão, neles recolhiam o sangue dos Mártires e com ele regavam as almas que se aproximavam de Deus”.

7 de Maio, 2020 Carlos Esperança

Glória a S. Josemaria Escrivá de Balaguer

João Paulo II, emigrante polaco residente no Vaticano, solteiro, papa católico de profissão, acumulou a função de criar bispos e cardeais com a obsessão de fabricar beatos e santos. Pelava-se por milagres e gratificava os autores sem prejuízo da fixação em Maria e uma adoração por virgens que a idade e o múnus se encarregaram de exacerbar.

Mas os santos da igreja católica lembram funcionários acomodados. Fazem um milagre para chegarem a beatos, outro para serem promovidos ao posto seguinte e abandonam o ramo.

Enquanto candidatos praticam a intercessão que lhes rogam, mas desistem da vocação milagreira logo que abicham o lugar. E, quando se julgava que a intermediação tinha esgotado as vagas, João Paulo II rubricou alvarás de santo a largas centenas que se estabeleceram em nítida concorrência com os anteriores. Alguns destes fecharam a porta, que é como quem diz, foram apeados das peanhas onde enegreciam com o fumo das velas, se cobriam de fungos com a humidade ou se deixavam corroer pelo caruncho.

Com séculos de pequenos e honestos milagres, habituados à pedinchice autóctone e às lamúrias, quase sempre ao serviço de modestas comunidades que atendiam nos limites do razoável, perderam a aura e a devoção, submersos no tropel de novos e afidalgados ícones com vocação mediática. Migraram para as sacristias, acumulando pó a um canto, a delir a pintura e o préstimo, a desgastar as vestes e o respeito, em santa resignação.

Na religião há uma certa tendência para o sector terciário. Arrotear a fé, pescar almas, são tarefas pouco gratificantes. Transacionar bulas para deglutir carne à sexta-feira, vender indulgências, trocar santinhos, comercializar bênçãos, é negócio do passado. Agora, o que está a dar é o lucrativo sector milagreiro, em franca ascensão. Promover jubileus é um sucesso garantido para escoar imagens do promotor e providenciar a divulgação dos promovidos.

Não sei quanto valerá um dente de S. Josemaria Escrivá de Balaguer, com certificado de origem. Há de valer uma fortuna, a avaliar pelo êxtase que o primeiro a ser exibido provocou nos peregrinos durante as exéquias de promoção. Estou certo de que o mercado já está sortido de outras relíquias, nada restando do novel taumaturgo para exumar.

Pudessem os piedosos colecionadores ter adivinhado o destino promissor post mortem deste servo de Deus e ter-lhe-iam recolhido em vida duas dezenas de unhas e trinta e dois dentes. E a perda irreparável da primeira dentição! Quem sabe se a premonição materna não terá acautelado o primeiro incisivo transformando um desvelo num tesouro, através deste estranho processo alquímico – a canonização –, segredo transmitido aos sucessores de Pedro e usado em doses industriais por João Paulo II?!

Pudesse Teodorico Raposo ter deposto no regaço de D. Patrocínio uma relíquia de S. Josemaria, que nem sobrinho, nem tia, nem Eça sabiam que viria a existir, e a devota senhora ter-lhe-ia perdoado as relaxações a que o sangue inflamado do tartufo o induzia, embevecida pelos eflúvios celestes que dimanam da raiz do canino de um santo assim.

Tivesse a premonição dos membros do Opus Dei adivinhado a santidade do fundador, que grossos cabedais e a longevidade papal lograram, e teriam hoje em armazém abundante recheio de numerosos têxteis tingidos por flagelações ou impregnados de outros fluidos.

A onda de devassidão que grassa no clero amargurou o papa – que fez do celibato dogma e da castidade virtude obrigatória –, sem que a providência o tenha poupado à divulgação da corja imensa de pederastas, muitos deles pedófilos, que exornam as dioceses da igreja romana.

E um padre que não respeita uma criança também não pouparia um anjo.

É, pois, necessário que floresçam santos como S. Josemaria cujas relíquias hão de servir de benzina para desencardir a alma dos que sucumbem às tentações da carne.

Glória a S. Josemaria Escrivá de Balaguer nas Alturas e o poder na Terra ao Opus Dei.