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O Papa Francisco e a laicidade

Em entrevista ao diário católico francês, La Croix, de 17 de maio de 2016, o Papa Francisco acusou a França «de exagerar a laicidade».

Na mesma entrevista, defendeu que um Estado não deve ser confessional, reconhecendo a laicidade, mas afirmando que «há um conflito radical entre as sociedades governadas pela lei de Deus e as que se organizam pela lei dos homens».

Pese embora o carácter dialogante do atual pontífice, que tem a santidade por profissão e estado civil, revela uma animosidade mal disfarçada, a assimilação genética do poder temporal que confunde com uma sociedade organizada pela lei de Deus, lei que, por ser divina, é irrevogável e alheia ao sufrágio. No fundo, a lei divina é a mais totalitária das leis. Nem o próprio Deus a pode revogar nem os que lhe são sujeitos a podem contestar.

Em primeiro lugar, o Papa disfarçou mal a azia que a laicidade lhe provoca, ao defini-la exagerada, como se a neutralidade pudesse ter graus, como se pudesse haver abstenções violentas e abstenções suaves.

A laicidade nunca foi obtida sem a repressão política do clero das diversas religiões e, sem ela, não há democracias, há teocracias, as formas mais violentas de ditaduras que ficam à mercê dos funcionários de Deus.

É evidente a existência de «conflito entre as sociedades governadas pela lei de Deus e as que se organizam pela lei dos homens». Basta comparar a Arábia Saudita com a França ou o Vaticano com a Itália. Deus, criado por homens e explorado por profissionais da fé, jamais fez prova de vida, mas pretende que o poder dos homens, não o das mulheres, seja vitalício e, se possível, hereditário.

É, alias, para submeter sociedades secularizadas à vontade de Deus que a Jihad islâmica sacrifica jovens assassinos, que são premiados com uma assoalhada no Paraíso e à razão de 72 virgens per capita.

Sem laicidade, voltaríamos à origem divina do poder e às monarquias absolutas. O Papa católico tem o dever de recordar o passado da sua Igreja e, se não quiser ver a sua, basta olhar para as outras que dominam os aparelhos de Estado e se confundem com eles.

A laicidade não consente adjetivos e jamais será excessiva ou escassa, é neutra. Sem ela não é possível que os Estados democráticos respeitem todos os crentes, descrentes e anti crentes, com absoluta indiferença sobre o que cada um pensa em matéria religiosa.

Felizmente, vivemos numa sociedade organizada pela lei dos homens e é fácil imaginar o pesadelo de uma outra «governada pela lei de Deus», de que há sinistros exemplos.

Perfil de Autor

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- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa

- Sócio fundador da Associação República e laicidade;

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- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»

- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:

- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;

- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores

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