26 de abril de 2009 – A canonização de Santo Pereira, há 11 anos
Uma onda de entusiasmo varreu a Pátria, mas não havia necessidade de adjudicar um milagre ao beato D. Nuno, para ser elevado a santo, pois «Urbano II abriu uma exceção para quem há mais de 200 anos fosse prestado culto e reconhecida, pelo povo, a santidade», exceção que o patriarca Policarpo tinha já confirmado aplicar-se-lhe.
Nuno Álvares Pereira renunciou, porém, à prerrogativa que o dispensava do milagre, para não ser acusado de favoritismo. Recusou a passagem administrativa. Iniciou-se no ramo dos milagres e logrou a cura do olho esquerdo da senhora Guilhermina de Jesus, de Ourém, danificado com óleo fervente de fritar peixe.
Assim, o intrépido guerreiro revelou-se um poderoso antídoto contra as queimaduras e passou por mérito próprio no exame de admissão à santidade, com prova de mérito e a mesma indómita vontade de subir aos altares que o levou a maltratar castelhanos em Aljubarrota.
Com quase seiscentos anos de defunção, conseguiu a santidade para maior glória da Pátria, vaidade do clero e euforia dos créus. Durante séculos foi o terror das crianças de Castela que recusavam a sopa, agora é o orgulho dos portugueses e a cunha para tirar bilhete para o Céu, na Agência de Turismo Celeste da ICAR.
Surpreende que os papas anteriores tenham apagado o beato Pereira, que as sucessivas levas de bispos e cardeais tenham esquecido um santo desta dimensão, que desde 1431 os devotos o tenham ignorado nas novenas e que milhares de soldadores a quem caiu um pingo de solda num olho tenham recorrido àquelas horríveis obscenidades, em vez de dizerem «valha-me Santo Pereira», e aliviado a dor em vez de perderem a alma.
Foi preciso o olho clínico de JP II, a diagnosticar milagres e descobrir taumaturgos, para criar este grande santo. Teve várias nomeações no passado, e foi sempre preterido pela bajulação dos papas a Espanha e escrúpulos por alguns milhares de mortos e estropiados em Aljubarrota, minudências que lhe atrasaram a promoção.
Nun’Álvares não merecia que lhe ultrajassem a memória com um milagre tão tosco nem que transformassem o herói em colírio bento, para ser canonizado como São Nuno de Santa Maria pelo papa Bento XVI, às 09H33min (hora de Portugal) de 26 de abril de 2009.
Perfil de Autor
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- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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