O Vaticano e a liberdade
Há quatro anos, o Vaticano “acusou o Charlie Hebdo de não ser capaz de respeitar todos os crentes de todas as religiões”. Tem absoluta razão e o direito inalienável de exprimir a sua opinião. Não se pode negar-lhe a liberdade que as democracias reivindicam, mas teme-se que o Vaticano, se pudesse, o obrigaria a respeitar “todos os crentes de todas as religiões” ou, de preferência, os crentes da sua.
A coerência não é uma virtude teologal nem a liberdade uma epifania eclesiástica. Por que motivo há de alguém respeitar quem não respeita a vida dos outros, a igualdade de género e a liberdade individual? Que legitimidade têm as religiões para impor os seus dogmas, excentricidades e mitos de que se alimentam? Pode alguém, em seu perfeito juízo, pedir respeito por quem degola, lapida, aterroriza e impõe normas de conduta a quem despreza o deus que os homens da Idade do Bronze inventaram a partir das tribos de então e à semelhança dos seus patriarcas?
Não se deve apenas desacreditar as religiões, mas procurar salvar todos os crentes dos seus venenos, através da instrução. Devemos aceitar a imposição do horror ao toucinho, a direção das micções, o ódio à música, a misoginia, a xenofobia e a vontade pia?
Quem se pode escarnecer e ofender? Os ateus, os livres-pensadores, os sátiros, o Diabo? E porque não os bombistas, os que se ciliciam, os que rezam o terço dentro ou fora de água, os que fazem retiros espirituais, apedrejam Satanás ou os distinguem a água benta da outra?
Em 2008, o patriarca Policarpo, um dos mais atilados bispos da Igreja católica, afirmou: “A maior tragédia do nosso tempo é o ateísmo”. Nem a guerra, a fome, as epidemias, os tsunamis ou os crimes religiosos lhe pareciam piores! Nesse mesmo ano, um cardeal português, Saraiva Martins, colocado no Vaticano, a rubricar milagres para a criação de beatos e santos, presidiu à peregrinação do 13 de maio, em Fátima, a maratona anual, sob o lema “Contra o Ateísmo” e não “a favor da conversão dos ateus”, com uma carga menos belicista e mais tolerável, embora de resultados igualmente duvidosos.
O horror que as religiões têm pelo ateísmo é o mesmo que os ateus têm pela superstição e pelas mentiras pias. Podemos detestar opções filosóficas alheias, o que não podemos é perseguir quem as perfilha. De um lado e do outro.
Pôr cornos ao Diabo ou meter-lhe um tridente nas garras é um exercício de imaginação igual ao de Jeová com uma bomba às costas. Deus não costuma importar-se com essas ninharias e depois de o terem acusado da criação do mundo, sem o qual ele próprio não teria sido criado, jamais fez prova de vida.
Se Deus estivesse inscrito no desemprego nunca teria recebido qualquer subsídio.
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
- Sócio fundador da Associação República e laicidade;
- Sócio da Associação 25 de Abril
- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;
- Sócio dos Bombeiros Voluntários de Almeida
- Blogger:
- Diário Ateísta http://www.ateismo.net/
- Ponte Europa http://ponteeuropa.blogspot.com/
- Sorumbático http://sorumbatico.blogspot.com/
- Avenida da Liberdade http://avenidadaliberdade.org/home#
- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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