3 de Setembro, 2019 Carlos Esperança
A Pátria entrou em euforia com o presbítero que chega a cardeal
Com boas notícias no campo económico, o desemprego a cair, o PIB a aguentar-se e a direita a desintegrar-se, a Pátria que foi a banhos regressa ao quotidiano ávida de boas notícias e anunciam-lhe que o Sr. José Tolentino Calaça de Mendonça vai ser cardeal.
Trump, Boris Johson, Bolsonaro, Duterte, Erdogan, Putin, Xi Jinping e Orbán deixaram de ser os perigos que nos amarguram os dias e causam insónias; as catástrofes naturais, cada vez mais frequentes e violentas, desaparecem das preocupações; o relançamento da corrida nuclear e a aceleração do aquecimento global, depois de Trump rasgar tratados que exigiam um módico de contenção, prosseguem perante a indiferença das futuras vítimas; alheamo-nos do futuro do Planeta enquanto não formos nós os evacuados dos incêndios, tufões e subida das águas do mar.
A meteórica carreira de um clérigo português, que em pouco mais de um ano passa de presbítero a príncipe da teocracia do Vaticano, põe o beatério em êxtase, o PR prenhe de felicidade, o PM deslumbrado, a direita a tremer de emoção, que não se sabe se é fé ou epilepsia, e a extrema-direita a ranger de raiva. Conseguiu a mitra, o báculo, o anelão, a púrpura e o barrete cardinalício quando outros, e poucos, levam décadas a ter direito a mudar a cor às meias.
O Papa vai criar cardeal um ilustre doutorado em teologia, única ‘ciência’ sem método nem objeto, e o PR, eufórico, reza o terço dentro de água, pois acha estimulante rezar o terço a nadar; o bispo de Funchal agradece a honra concedida a um madeirense, o mais ilustre depois de Ronaldo; e o PM considera uma “honra para todos os portugueses” a elevação a cardeal de Tolentino de Mendonça, um clérigo inteligente, culto e civilizado.
Depois de uma reunião fascista em Fátima, com missa do cardeal da diocese, ter sido quase ignorada pela comunicação social, sem que a fé ou as orações a motivassem, a criação de mais um cardeal português no viveiro do Vaticano levou António Costa a considerar uma “honra para todos os portugueses” a promoção que extasia os crentes.
Estes exageros num país que tem cada vez menos devotos é uma forma de exaltação pia e um apelo às novenas e proclamações pomposas, mas é um exagero imaginar ateus, agnósticos, céticos e livres-pensadores sensíveis a promoções eclesiásticas.
Apostila – A criação de cardeais, beatos e santos é prerrogativa do Vaticano que, não sendo um aviário, tem alvará de incubadora. O termo canónico é mesmo “criar”.