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Mês: Maio 2019

12 de Maio, 2019 Carlos Esperança

Os transplantes, a ressurreição da carne, a vida eterna e o ámen (Crónica)

Há 65 anos (dezembro/1954) o cirurgião americano Joseph Murrey realizou o primeiro transplante humano, um rim doado por um irmão gémeo a outro que estava a morrer de doença renal. A generosidade fraternal foi compensada com mais de 8 anos de vida do irmão transplantado que constituiu família e havia de gerar duas filhas.

Os crentes mais devotos de então consideraram tratar-se de uma profanação do corpo e que os médicos se imiscuíram numa prerrogativa de Deus. Nesse dia os homens deram mais um pequeno passo na sua emancipação e Deus um enorme trambolhão.

O êxito da operação foi uma vitória sobre a omnipotência e a omnisciência divinas cuja credibilidade sofreu um rude golpe. Desde então, milhares de vidas foram prolongadas, graças à ciência.

Quem acredita na vida eterna e na ressurreição da carne, deve perturbar-se com o que acontecerá no Vale de Josafat, entre Jerusalém e o Monte das Oliveiras, no dia bíblico do Juízo Final.

O Deus deles, cruel e medonho, lá estará a julgar os vivos e mortos, perante a enorme confusão em que aos problemas logísticos se junta a berraria de quem pede a devolução do fígado, reclama um rim, exige de volta o coração ou procura o esqueleto dividido por centenas de próteses de acidentados.

Deus começa a ter problemas complicados. O melhor é desistir do mito da ressurreição e manter-se no silêncio a que se remeteu após o género humano ter decidido pensar.

11 de Maio, 2019 Carlos Esperança

As inflação das relíquias e a sua cotação (Crónica)

A bolsa de valores pios sofreu, ao longo do tempo, uma lenta erosão, no que diz respeito às relíquias, que orgulhavam os donos e protegiam os domicílios onde jaziam.

Outrora, a exaltação das relíquias deu origem a um próspero negócio e à criação de uma indústria de contrafações cujos produtos rivalizavam com os verdadeiros, a obter graças e a obrar milagres.

Assim se distribuíram por paróquias uma dúzia de braços de S. Filipe, só ultrapassado por Santo André a quem arranjaram 17 para gáudio e devoção de crentes de um número igual de paróquias.

Às vezes eram bizarras as relíquias e não menos inspiradoras de piedade, como sucedeu com o rabo do burro que carregou a Virgem Maria, com a pena de uma asa do arcanjo Gabriel ou com as línguas do Menino Jesus. Mas era a piedade, a imensa piedade, e a raridade de peças genuínas no mercado da fé, que levou Santa Juliana a ter 40 cabeças dispersas, para piedosa contemplação dos crentes.

Nem vale a pena falar do Santo Prepúcio, relíquia comovedora, por ser do próprio Jesus Cristo. Dos vários que houve (prepúcios, porque JC foi único), apenas a um foi passado certificado de garantia e, depois, até esse foi declarado falso. Decidiram os cardeais que JC não poderia ter ressuscitado sem ele e, a partir daí, pairou a ameaça de excomunhão sobre os crentes que se lhe referissem, mesmo para os que tinham obtido graças por seu intermédio.

Enfim, as relíquias da ICAR, quase sempre macabras, pedaços de santos desidratados ou ossos mirrados, são hoje tão acessíveis que arruinaram o mercado das falsificações. Só os fragmentos de santos e beatos criados no pontificado de JP2 exigiriam armazéns imensos e uma rede de frio de enorme capacidade para as conservar. Seria mais cara a manutenção do que o valor da mercadoria. Três cabelos do já santo João Paulo II (JP2) chegaram à Madeira a custo zero.

Na primeira visita que fiz a Itália, em meados da década de 70 do século XX, saturei-me de relíquias e deslumbrei-me com a perfeição das pinturas e esculturas que decoravam magníficas catedrais onde várias vezes regressei, abstraído da fé, fascinado pela beleza.

Foi na primeira vez que, depois de numerosos ossos exibidos, a guia sujeitou o grupo a observar um esqueleto inteiro, em excelente estado de conservação, devido às virtudes que, em vida, exornaram o taumaturgo. Maiores do que as graças que concedia eram os exemplos de piedade que deixara. Era o orgulho da paróquia, uma localidade próxima de Nápoles, habitada por uma pequena comunidade que possuía uma igreja e relíquias a causar inveja a muitas cidades.

Estava a guia empolgada a falar das virtudes do santo, cujo esqueleto mostrava, quando alguém lhe perguntou de quem era um esqueleto pequeno que se encontrava próximo. Sem titubear, respondeu de imediato:

– Era do mesmo santo, quando jovem.

10 de Maio, 2019 Carlos Esperança

O ateísmo e as crenças

Compreende-se a hostilidade dos crentes ao ateísmo, e é difícil aceitá-la contra os ateus, tal como é intolerável que os ateus visem, em vez das crenças, os crentes, sabendo que estes são as primeiras vítimas.

São três as imputações mais comuns dos crentes aos ateus, salvo os muçulmanos, que logo pensam na decapitação, todas no sentido de fazerem a catarse freudiana dos medos, dúvidas e terrores do inferno que povoa as suas mentes:

1 – A presumida superioridade moral e intelectual ateia, sem que exista ou seja referida;

2 – A alusão reiterada a facínoras ateus, Stalin, Mao, Pol Pot e outros, omitindo o cristão Hitler que em «A minha Luta» citava o Génesis deleitado com a violência de Cristo na agressão aos Fariseus, alusões que procuram confundir, e absolver o episcopado cristão, católico e luterano, incluindo o Papa, da cumplicidade com o nazismo e o fascismo;

3 – A afirmação de que há, entre os cristãos, pessoas boas, generosas e beneméritas, como se algum dia os ateus tivessem duvidado ou deixado de admitir a maldade de numerosos ateus.

Há, nas várias religiões, hierarcas merecedores de consideração e respeito pela craveira moral, intelectual e cívica. Há grandes personalidades e pessoas generosas entre os crentes. Ninguém é perfeito.

Mas isso não faz virgem a mãe de Jesus, infalíveis os Papas ou imaculada a conceção de Maria (fertilização in vitro?), nem transforma a superstição com os milagres, aparições e exorcismos, com que a ICAR ganha a vida e extasia os fiéis, em verdades.

Os atributos dos crentes bondosos não tornam verdadeiras as religiões, não expurgam a violência e a crueldade dos livros sagrados nem transubstanciam em corpo e sangue de Cristo o pão e o vinho, sob o efeito de palavras rituais e sinais cabalísticos.

JC deixou a doutrina que justificou a Inquisição, o Índex, a contrarreforma, o genocídio dos ameríndios, dos índios e de todos os que fossem avessos à conversão. Eis a verdade. A ICAR foi o que é hoje o Islão e só se humanizou graças à repressão política sobre o seu clero.
E a cumplicidade nazi/fascista da ICAR? Não há sistemas mais totalitários do que uma teocracia. Não há religião que não se encoste ao poder quando, de todo, não pode ser ela a detê-lo. Será por acaso que eram católicos Franco, Salazar, Mussolini, Pinochet, Hitler e Pétain e cristãos os coronéis gregos?

Por que motivo a ICAR excomungou a democracia, o socialismo, o livre pensamento, o liberalismo, o comunismo e a maçonaria e nunca excomungou o nazismo? JP2 reiterou a excomunhão ao comunismo, já depois da queda do muro de Berlim, mas nunca o fez contra o nazismo e o fascismo. E recusou reconhecer o Estado de Israel até 1993!

Por que motivo preparou o Vaticano a fuga de Adolf Eichmann e outros próceres nazis para os livrar do julgamento de Nuremberga? 
Que fez JP2 quando os hútus católicos do Ruanda massacraram centenas de milhares de Tutsis com a participação ativa do clero no genocídio? Ficou silencioso e cúmplice. Este crime foi recente, não aconteceu na Idade Média.

Eis a razão:
Os judeus das trancinhas à Dama das Camélias cabeceiam o Muro das Lamentações e bendizem o assassinato de islamitas, passagens dos Evangelhos explicam a proteção de Pio XII a Adolf Eichmann com o genocídio contra os deicidas judeus, e os surahs do Corão abençoam o massacre de judeus e cristãos (por esta ordem).

Yavé abençoa a guerra e os guerreiros e promete a destruição total dos palestinianos – a «guerra santa» segundo a expressão do livro de Josué. Jesus mandou «ir e evangelizar», justificando o proselitismo e os horrores de que parcialmente JP2 pediu perdão. Maomé o mais rude e incivilizado recomenda a jihad.

Os ateus são os inimigos comuns a erradicar pela demência mística dos monoteísmos.

João Paulo II = JP2

8 de Maio, 2019 Carlos Esperança

Crime, pecado e laicidade

Os meus leitores não precisam de explicações sobre a origem etimológica das palavras «ética» e «moral», conforme a origem, grega ou latina. A moral, por muito que nos doa, é a ciência dos costumes.

O homem é hoje mais tolerante do que o das cavernas e os sedentários mais clementes do que os nómadas. Não é por acaso que os deuses, criados em épocas recuadas, trazem a marca genética das tribos patriarcais que os conceberam.

Há alguns séculos ainda se engordavam mulheres para consumo humano e a escravatura era aceite. O direito de saque, incluindo mulheres, a tortura, as mutilações e execuções, e muitas outras barbaridades, eram morais e, pior, legais. Basta ler o Antigo Testamento para se ter uma ideia do cardápio de crimes que Deus consentia. Ainda hoje, a mutilação e os castigos corporais fazem parte dos códigos penais, sem esquecer pena de morte que países ditos civilizados ainda praticam. E não me refiro a países que fundem a religião e a política, aplicando a sharia, numa demência fascista de sabor medieval.

A igualdade de género, uma exigência ética, o mais elementar dos direitos, é tão recente (e ainda tão periclitante) que nos admiramos como foi possível suportar a iniquidade até aos nossos dias. E falem de igualdade de género em meios rurais ou em países poluídos pela tradição e pela fé!

A gravidade não reside tanto na injustiça cruel que a discriminação pressupõe como na implacável insânia de querer fazer do preconceito uma obrigação universal.

É aqui que entra o pecado. Abandonar uma religião para aderir à «nossa» é heroísmo e sair, para aderir a outra ou a nenhuma, é apostasia, o ato de traição punível com a morte, efetiva ou simbólica, conforme a evolução civilizacional e o grau de secularização.

É irrelevante que alguém acredite num ser hipotético que gosta de espiar pelo buraco da fechadura e abomina a sexualidade, mas é incrível que alguém ameace com as penas do Inferno e queira que os outros se verguem às suas crenças. O proselitismo é a lepra que corrói o espírito ecuménico que alegadamente tantos defendem.

Não é problema haver quem veja um pecado grave no consumo da carne de porco ou do álcool e abomine a heresia, a apostasia ou o sacrilégio, mas é horrível que essas crenças sejam impostas a quem as dispensa e se castigue quem as despreza.

Por urbanidade seria incapaz de ultrajar quem viaja de joelhos à volta de uma capela ou faz maratonas pias até chegar a um santuário onde a superstição localiza fenómenos de natureza transcendental, mas a fé não é um ato da vontade e há cada vez mais pessoas que não distinguem uma procissão do Senhor dos Passos do desfile da queima das fitas, a não ser pelo consumo de cerveja ou cheiro a incenso.

O adultério é reprovável, como qualquer ato de falsidade, e não se admite que o Estado o criminalize, mas Camilo foi preso por adultério e muitas mulheres foram mortas, sem castigo para os assassinos, pelos maridos que alegadamente traíam.
A laicidade, um conceito de matriz republicana, separou o direito penal do canónico. Já ninguém é penalizado (pelo menos, sob o ponto de vista legal) por considerar obsoletas as recomendações canónicas, falsos os milagres e um embuste a transubstanciação.

A laicidade separou o sagrado do profano. Os trinta artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos trouxeram mais felicidade do que todos os livros sagrados, de todas as religiões juntas, em todos os seus versículos.

O desejo de uma vida para além da morte é respeitável, se não tiver em vista a conquista de novos crentes e a fanatização dos que já o são. A transmissão de crenças às crianças reduz a liberdade e coarta o seu desenvolvimento harmonioso. É por isso que hoje, nas madraças e mesquitas, como ontem, nas igrejas e conventos, se criam fiéis capazes de morrerem e matarem, por um mito, em busca de rios de mel e de virgens que aguardam os delinquentes de Deus à chegada ao Paraíso imaginário.

A laicidade é uma exigência sem a qual não há democracia nem direito à dignidade e ao livre-pensamento.

7 de Maio, 2019 Carlos Esperança

Humor

Ainda que nenhuma afirmação seja verdadeira
6 de Maio, 2019 Carlos Esperança

Anticlericalismo e ateísmo

O ateísmo é a posição natural de quem não acredita em anjos, nas mentiras repetidas dos livros sagrados, nas religiões, na trapaça dos milagres e no delírio do sobrenatural.

Ser ateu é cultivar a dúvida, manter a sanidade mental que as certezas metafísicas põem em xeque e não acreditar em Deus e na família disfuncional que lhe inventaram.

O ateísmo é a forma descontraída de negar o que os crentes afirmam de forma crispada, desprezar os dogmas, os rituais e a liturgia do divino que tanto trabalho deu aos homens a inventar.

Ser ateu é querer morrer de pé sem ter de viver de joelhos, viajar de rastos de templo em templo, dobrar a coluna aos parasitas da fé e contribuir para a difusão das religiões.

Ser anticlerical é denunciar os avençados do divino, mostrar onde escondem as cartas dos truques, o fundo falso da mala dos milagres, o espelho escondido das ilusões e minar o poder que fruem as matilhas clericais para se dedicarem às burlas e extorsão.

O anticlericalismo é a vacina que defende o povo do respeito pela sotaina, do temor da mitra e da reverência da tiara. Denunciar o clero é dizer às pessoas que a água benta é igual à outra, que a hóstia é uma rodela sem data de fabrico, verificação das condições de higiene e sem prazo de validade nem código de barras.

Um anticlerical acredita mais facilmente na pureza do azeite da cooperativa da aldeia do que nos óleos que o bispo leva da cidade para crismar os garotos que fazem a comunhão solene. É mais limpo o óleo de girassol do que a mistela com que o oficiante faz cruzes na testa de um moribundo.

O anticlerical ama a vida, o padre vive da morte. Os homens gostam de entender-se mas o clero porfia em criar divisões, cada padre afirmando que o seu Deus lava mais branco.

Ser anticlerical é desatar a rir quando uma multidão eleva o rabo e mete o focinho no chão julgando que Deus está a ver e leva a sério essas manifestações de ridículo.

O anticlerical vê um padre com a cruz com que julga espantar o demo e lembra-se do infeliz que viaja pregado e cheio de chagas para comover os simples e sacar esmolas.

Deus foi uma funesta invenção dos homens da Idade do Bronze e o clero é a sua única prova.

5 de Maio, 2019 Carlos Esperança

Lúcia, vidente contumaz

Milagre do Sol ao domicílio

Lúcia, vidente contumaz (Crónica)

Dos três pastorinhos, Lúcia foi a única que fixou, reproduziu, reconheceu e localizou as aparições da S.ª de Fátima, dom de insólitas vidências, que não se exauriu no ermo onde apascentava cabrinhas e recidivou no cativeiro a que a remeteu o bispo de Leiria, desde os 14 anos.

Na Cova da Iria, registou, com notável precisão, as visões, recados, vestuário, feições e humores da senhora mais brilhante do que o Sol. No bailado do Sol ao meio dia, Deus, em sinergia com a Senhora de Fátima, fez melhor do que quando entregou os amorreus às sevícias dos filhos de Israel e, a pedido de Josué, na presença dos israelitas, deteve o Sol em Gibeão e a Lua no vale de Aijalom, para lhes dar tempo.

Quando a física celeste colocava o sistema solar a rodar à volta da Terra, e esta se mantinha em mansa quietude, detinha-se o Sol; quando a física se alterou, o Sol fez piruetas em Fátima, com uma sessão privada para o Papa, nos jardins do Vaticano.

Foram tantas e tão variadas as visões, em vida, que a visita ao Inferno, onde viu frigir o Administrador do Concelho de Ourém, que não ia à missa, é irrelevante perante outras que só a uma predestinada bem-aventurada estava reservado tamanho privilégio.

Em Pontevedra, um dos seus desterros, teve duas aparições do Menino Jesus na capela, uma delas com “Nossa Senhora”, que lhe pediu para consagrar o mundo ao Imaculado Coração de Maria. É um orgulho para a Pátria e uma glória para a fé saber que a defunta mãe de Jesus ‘pediu’ a uma pastorinha portuguesa para lhe consagrar o mundo (o dobro do atribuído a Portugal pelo Tratado de Tordesilhas). Não dispondo a bem-aventurada de alvará para fazer consagrações, pediu ao Papa, que não privava com a Sr.ª de Fátima, e acabou por fazê-lo a rogo da vidente.

O bispo jubilado Inácio Dominguez, de 81 anos, revelou que na cidade galega de Tuy, outro dos seus desterros, “muitíssima pouca” gente sabe que a vidente viveu lá e teve como visão a Santíssima Trindade que, na sua opinião, é de todas a mais importante do ponto de vista teológico.

Ver a Santíssima Trindade (Deus-Pai, Jesus e a Santíssima Pomba) de uma só vez é um milagre que arrasa a concorrência.

Ditosa Pátria que produziu tal santa!

2 de Maio, 2019 Carlos Esperança

Pense…

1 de Maio, 2019 Carlos Esperança

A crença dos não crentes

Por

Onofre Varela

O último número do suplemento cultural Babelia, do jornal espanhol El País (Sábado, 27 de Abril) publica um interessante artigo sobre Ateísmo e fornece uma lista de nove livros sobre o tema, recentemente editados em Espanha (ou reeditados, no caso das obras de Nietzsche). A chamada de capa é feita com esta frase forte: En qué creen los ateos?

Perguntar: em que creem os ateus?, é como indagar: com que se droga quem não se droga?

Porquê?!… É absolutamente necessário consumirmos drogas?!… Não faz sentido!

Bem sei que o indagador parte do princípio de que o Ateísmo é, também, uma forma de crença… uma religião… e em parte tem razão. O Ateísmo é uma forma de Religião, tal como a Ciência também o é, no sentido etimológico do termo, que aponta para um sistema específico de pensamento, envolvendo uma posição filosófica e ética inspirada na Razão e na procura das causas, o que se entende na origem do termo latino religio, no sentido de “prática correcta”, cujo plural éreligiones. Já não como , mas como conhecimento sem qualquer conotação com a procura de deuses, como se entendia naRoma antiga e na Idade Média quando o conhecimento era puramente religioso, deixando de o ser depois do Renascimento,que assentou as bases para que fosse possível a eclosão do Iluminismo no século XVIII, o qual passou a ser referido pela História como o Século das Luzes (o Iluminismo foi uma forma de combater o seu contrário, o Obscurantismo, dirigido pela Igreja Católica durante cerca de 15 séculos). 

O artigo do El País aborda questões interessantes e conclui ser difícil definir o Ateísmo e condensá-lo numa única fórmula, até porque há o “Ateísmo opressivo e claustrofóbico que reproduz as manias do monoteísmo”. 

O seu autor (Juan Arnau) diz que os valores do Ateísmo têm algo de genético, e que não podemos renunciar àquilo que herdamos e respiramos na infância, seja a favor ou contra a Religião. Tem toda a razão porque, de facto, cada adulto é o resultado da criança que foi. As vivências da infância não se apagam com a idade… pelo contrário, enraízam-se, cimentam-se, e são as responsáveis por muitos dos pensamentos e actos de todos nós. Quer queiramos, quer não, a Religião tem uma forte influência na nossa educação e no nosso conhecimento. 

A última sondagem em Espanha indica uma percentagem histórica de não crentes na ordem dos 27%, alcançando quase 50% nos jovens, e 62% dos crentes declara assistir a missas muito raramente. Perante esta realidade o autor pergunta: “podemos viver sem igrejas… mas, poderemos viver sem Religião?… As religiões não são teorias do universo, mas sim intenções de dar um sentido à experiência [de viver]. Podemos viver sem estarmos religados ao mundo?”

Na definição daquilo que é religioso, os antropólogos recorrem ao conceito do sagrado. As religiões não seriam um sistema de crenças, mas sim de práticas sociais, e desde Newton a Ciência tem vindo a desalojar o sagrado da vida civil.

(Texto de Onofre Varela a inserir no jornal Gazeta de Paços de Ferreira, na edição de 2 de Maio de 2019)