A indústria dos milagres sobrevive
Na ânsia de fabricar milagres, JP2 convocou centenas de defuntos, sepultados em zonas afetas à ICAR, para curarem uma criança aqui, uma freira acolá, um médico noutro sítio, enfim, uma quantidade enorme de doentes que Deus sadicamente tinha estropiado.
A boa vontade dos defuntos, em péssimo estado de conservação, aliviou alguns cristãos das moléstias enviadas pela divina e infinitamente bondosa providência.
O exercício da medicina é o passatempo desses bem-aventurados, há muito falecidos, cristãos com pecados apagados pelo tempo e virtudes avivadas pelo Papa.
No laboratório do Vaticano certificam-se milagres e criam-se novos beatos e santos que povoam a folha oficial do bairro de 44 hectares. Os milagres, em doses industriais e a respetiva criação de santos foi um lucrativo empreendimento lançado pela Opus Dei.
Antigamente era o próprio Cristo que se deslocava à Terra para ajudar a ganhar batalhas aos clientes ou ensinava aos cristãos a tática para matarem os infiéis com mais eficácia.
Depois de alguns desaires, porque a idade e o reumático lhe limitaram as deslocações, Deus deixou ao Papa a tarefa de engendrar os milagres mais adequados à promoção da fé e à estupefação dos crentes. JP2 abandonou o método artesanal de fazer santos para se dedicar à industrialização. B16 seguiu-lhe as pisadas e o papa Francisco continua.
As curas de cancros foram, em regra, as preferidas da Cúria romana. Problemas de ossos, moléstias da pele, diabetes, paralisias e outras doenças fazem parte do cardápio da santidade. Mas, com tanta clientela para elevar aos altares, o Vaticano já chegou ao ponto de deixar para um imperador (Carlos I da Áustria) a cura de varizes a uma freira.
Foi uma ofensa aos quatro filhos vivos que assistiram à beatificação. Se a um imperador reserva como milagre a cura de varizes, os papas, quando forem sólidos defuntos, terão de curar furúnculos ou verrugas, para chegarem a beatos.
Os medicamentos estragaram os milagres de grande efeito como a cura da lepra, por exemplo. E há milagres que o Vaticano não arrisca: hemorroidas e herpes vaginal por causa do sítio, sífilis, blenorragias e SIDA pela associação ao pecado.
Mas há erros que a ICAR há muito não comete: canonizar, por engano, um cão que julgava mártir ou uma parelha de mulas que morreram exaustas e que a ICAR pensou tratar-se de santas mulheres que sacrificaram a vida pelo divino mestre.
Os milagres são cada vez mais rascas, mas a biografia dos bem-aventurados que os obram é progressivamente melhor escrutinada.
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
- Sócio fundador da Associação República e laicidade;
- Sócio da Associação 25 de Abril
- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;
- Sócio dos Bombeiros Voluntários de Almeida
- Blogger:
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- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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