Aconteceu em 2 de março de 2001
Há 18 anos, um país assolado pela miséria, minado pela fanatismo, lacerado pela fome, onde as mulheres foram proibidas de acesso à educação e à saúde, teve de observar os rigorosos preceitos islâmicos e renunciar aos mais elementares direitos, com frequência à própria vida.
Poderia ter acontecido em diversos locais do planeta, mas aconteceu num país com uma cultura antiquíssima cujo poder foi assaltado pelos tristemente célebres estudantes de teologia, vulgo talibãs, quando dois budas gigantes esculpidos em pedra nos séc. II e V foram destruídos com mísseis e espingardas automáticas para não serem adorados falsos ídolos que “insultam o islamismo”. Aconteceu no Afeganistão.
Em todos os tempos e em várias religiões houve bárbaros que entenderam que os livros ou diziam o mesmo que o livro sagrado, e eram inúteis, ou diziam coisas diferentes, e eram prejudiciais.
A inteligência, a sensatez e a sensibilidade não são apanágio de uma só cultura, mas são contrárias à mais funesta de todas as misturas: a fé, a ignorância e o proselitismo. É esta mistura perversa que faz a infelicidade dos povos, a miséria das nações e a tragédia das sociedades que se desfazem em asfixiante submissão.
Destroem progressivamente o património cultural, da mesma forma selvagem com que suprimem as liberdades cívicas. E, enquanto a fome, a doença e a miséria devastaram a população, bloqueada pelo terror, o mundo urbanizado assistiu, impotente na sua raiva, a ver postergados os mais elementares valores que são o traço comum da civilização.
Os povos não são donos absolutos do património que detêm e são obrigados a responder pela sua guarda. Os déspotas, que exercem o poder de forma antidemocrática, terão de responder pelos dislates e crimes que cometem. E serão homens a julgá-los, sobretudo àqueles que se julgam com mandato divino.
Provavelmente o direito de ingerência encontraria então plena justificação. Perante as hordas de selvagens que um pouco por todo o lado conquistam o poder com armas que as grandes potências nunca deixaram de fornecer, exige-se uma nova ordem que liberte do caos e do crime organizado multidões que tiveram a desdita de nascer no sítio errado sob o jugo de tenebrosos trogloditas.
Este crime foi perpetrado em 2 de março de 2001. Há 18 anos. Hoje, o Afeganistão continua vítima da demência islâmica.
Pegue-se numa cópia grosseira do cristianismo, com laivos de judaísmo, e faça-se um manual terrorista ao gosto de um beduíno boçal de há 14 séculos. Intoxiquem-se nele os povos e constranjam-se, torturem-se os réprobos e aliciem-se os devotos com rios de mel e virgens ansiosas. Produzem-se dementes fanáticos, embrutecidos pela fé.
Algures, no que resta do Iraque, entre os rios Tigre e Eufrates, onde nasceu a escrita e a civilização teve berço, despertaram selvagens em estado místico, primatas adestrados no uso de utensílios e armas sofisticadas, aptos a recriarem o habitat da Idade do Bronze.
Um dia servem-nos decapitações; no outro, assassínios; depois, homens enjaulados a arder lentamente ao som de gritos selvagens: “Deus é grande e Maomé o seu Profeta”.
É fácil identificá-los pelo aspeto simiesco, desprezo das fêmeas, comprimento dos pelos nas trombas e, sobretudo, pelo desprezo da vida e ódio à modernidade.
Bandos ensandecidos, suspeitando da inspiração do demo na arte assíria, destroem, com marretas e martelos pneumáticos, obras únicas, três milénios de arte preservados no Museu de Mossul, com a sanha com que queimaram milhares de manuscritos e de livros raros na Biblioteca Municipal. Viram infiéis nos sumérios e assírios e quebraram tábuas de gesso com escrita cuneiforme, com mais de cinco mil anos; na cabeça esculpida, da época suméria, imaginaram o busto de Maomé com um turbante carregado de bombas e partiram-na; e, no boi alado com três mil anos, divindade assíria, adivinharam escárnio ao arcanjo Gabriel fabricado na rotativa do Charlie Hebdo, e reduziram-no a cacos.
Há, nesta tragédia cultural, na metáfora do mais perverso monoteísmo, um apelo à raiva, à revolta e ao repúdio civilizacional contra a barbárie.
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