A confissão e o crime
Por
ONOFRE VARELA
Num dos últimos textos que aqui publiquei (Gazeta de Paços de Ferreira) abordando crimes sexuais cometidos pela Igreja australiana, disse que «a Conferência Episcopal local fez saber que os sacerdotes não podem revelar abusos sexuais de que tenham tido conhecimento através da confissão, nem podem ser forçados a fazê-lo, porque violar essa norma “vai contra a fé e a liberdade religiosa”. Esta directiva religiosa desobedece à comissão governamental que desde 2012 investiga casos de abusos a menores em instituições religiosas, e que propõe sanções penais contra quem não denuncie este tipo de crimes».
O que então não disse, digo agora: os jornalistas também estão obrigados à confidencialidade, e por isso não divulgam as suas fontes de informação. Faz parte do seu código deontológico, protegê-las. Porém, os valores humanos sobrepõe-se a qualquer código seguido por uma classe profissional, e um jornalista não pode calar um crime hediondo quando dele tem conhecimento e a sua denúncia pode salvar vidas. Por uma questão de Humanidade e Justiça, deve comunicá-lo às autoridades competentes. Os padres que calam um crime, na convicção de “a confissão” ser assunto que não pode sair do triângulo “pecador-sacerdote-Deus”, estão a colocar-se ao lado do criminoso, consentindo que a vítima não seja ressarcida dos danos que sofreu, nem o criminoso seja julgado. Sendo Deus uma criação humana, calar um crime em seu nome… é calá-lo em nome da nada!…
O jornal espanhol El País dispôs-se a investigar crimes sexuais, e tem um canal aberto ([email protected]) para os leitores sabedores de algum caso que não tenha sido divulgado, poderem fornecer elementos para investigação jornalística.
O jornal já conta com mais de uma centena de relatos de abusos sexuais alegadamente cometidos por padres e que, até agora, permaneciam ocultos. Supostas vítimas de abusos sexuais cometidos em paróquias e colégios religiosos em várias épocas, desde os anos quarenta até aos últimos anos, contaram, por escrito, os seus dramas ao El País. Até agora não os tinham contado a ninguém, por vergonha ou por respeito aos seus pais que não queriam ver a sofrer. Há quem o faça agora porque os seus pais já faleceram, e porque a sua “impotência, raiva, angústia e dor, continuam vivas”.
Um dos testemunhos diz que “a raiva ainda me acompanha 53 anos depois; sofri abusos de um padre e sei que não fui o único”. Outros, disseram: “o director do colégio abusava de mim na secretaria”; “o arcebispo ameaçou que era a minha palavra contra a sua”; “o bispado silenciou os abusos que sofri”; “ameaçou-me de que, se contasse, me enviava para um internato”.
A Igreja Espanhola silenciou, durante décadas, os casos de pederastia que conheceu, e instruiu os tribunais eclesiásticos para que não registassem todos os casos.
Conseguir informações da Igreja é tarefa impossível para os jornalistas. As dioceses negam o fornecimento de dados. Só 17 responderam, com evasivas ou negativas, e 53 optaram pelo silêncio. A Máfia e a Cosa Nostra também funcionam assim…
(Texto de Onofre Varela, in Gazeta de Paços de Ferreira, na edição de 15 de Novembro de 2018)
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
- Sócio fundador da Associação República e laicidade;
- Sócio da Associação 25 de Abril
- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;
- Sócio dos Bombeiros Voluntários de Almeida
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- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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