A repressão sexual, comum aos monoteísmos, foi sempre um instrumento de domínio do clero sobre a sociedade e do homem sobre a mulher.
O judaísmo, com menos de 20 milhões de judeus, muitos deles agnósticos e ateus, é o monoteísmo cuja primeira cisão com êxito originou o cristianismo. É hoje irrelevante no número de crentes, contrariamente ao poder político, militar e financeiro, e não erradica os escândalos sexuais dos muftis, rabinos e judeus de trancinhas à Dama das Camélias.
O islamismo, plágio tosco do judaísmo e cristianismo, é implacável na misoginia e em outras perversões que o misericordioso Profeta, analfabeto e amoral, introduziu com a violência do guerreiro e a demência do prosélito. Mas é a sexualidade que ora importa e, nesse aspeto, a violência contra a mulher e a pedofilia são direitos masculinos exercidos em casamentos sem consentimento da mulher, na lapidação por adultério e casamentos com crianças de 9 anos. Mais do que religião, o islamismo é um fascismo inconciliável com a liberdade, os direitos humanos e a civilização.
No cristianismo, onde a Reforma foi uma lufada de ar fresco, coube à Igreja romana ser a guardiã dos valores mais retrógrados, que a Contrarreforma defendeu com a violência da alegada ortodoxia. O direito romano foi-lhe introduzindo a componente civilista e as democracias impuseram-lhe a laicidade. Hoje, com o fundamentalismo a contaminar as Igrejas evangélicas, o catolicismo romano tornou-se a versão mais tolerante e civilizada dos monoteísmos, mas não conseguiu libertar-se da imposição do celibato ao clero nem da discriminação da mulher.
Penso que reside nestas duas aberrações, aliadas à obsessão da castidade, a que se junta o livre escrutínio que só as democracias permitem, a sucessão de escândalos sexuais que a comunicação social e a justiça terrena têm investigado, divulgado e punido.
Nestes últimos dias o Vaticano sofreu a vergonha do maior escândalo sexual de sempre, com a divulgação do abuso de mais de mil crianças, por mais de 300 padres da diocese da Pensilvânia, EUA, durante sete décadas, com a conivência de bispos e, desde 1963, o conhecimento e tolerância do Vaticano. É uma desgraça para a Igreja e a ruína da fé.
A quebra ética de uma Igreja cuja dissimulação permitiu ocultar durante séculos os seus crimes, não deixará de ser usada pela concorrência, hoje muito mais reacionária e perigosa. É irónico que os escândalos de que foram cúmplices numerosos papas, muitos já canonizados, desabem sobre o primeiro que lhes quis pôr termo e a quem escasseiam apoios para abrir as portas do sacerdócio às mulheres e as do casamento ao clero.
Curiosamente, enquanto a ICAR* lambe feridas e suporta a vergonha e as decisões dos tribunais, Xuecheng, o abade do famoso templo de Longquan, demitiu-se da presidência da Associação Budista** da China, por assédio e violação das monjas. As hormonas apearam o principal líder espiritual chinês, que atingiu o mais alto cargo em 2015, antes dos 50 anos, com assento na Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, órgão de assessoria do Governo, de que igualmente se demitiu na última quarta-feira. Sic transit gloria mundi 😊
* ICAR – Igreja Católica Apostólica Romana; ** O budismo não é um teísmo, mas é considerado religião.
A teologia política de Belém
Marcelo já nos tinha surpreendido com a apoteose da imaginação e da originalidade de quem, rezando o terço todos os dias, descobriu que “Um sítio onde é sensacional rezar o terço é a nadar no mar”.
Necessitando das mãos para o efeito e não podendo rezar com os pés, dos quais também carece, é um prodígio contar padre-nossos e ave-marias sem se enganar nos mistérios e sem se afogar antes dos dolorosos, mas isso são devoções pias, de natureza pessoal, que, por maior proselitismo que o devore, o PR de um país laico deve abster-se de alardear.
O PR traiu a postura laica, que devia manter, no centenário da clonagem da Senhora de Lourdes, em Fátima, quando se envolveu na autenticação desse «milagre», invocando a qualidade de PR, e ultrapassou a decência, afirmando que o fazia em nome de todos os portugueses, incluindo ateus, que não lhe passaram procuração e ficam indignados com a quebra do respeito que deve à laicidade do Estado.
Quanto à esperada recandidatura, cuja popularidade dispensa o simples passeio pela Av. da Liberdade, afirmou que “campanhas, se Deus quiser, não haverá mais nenhuma”, e, com a expressão “se Deus quiser”, que causa calafrios na boca de muçulmanos furiosos, ainda afirmou que tal matéria “está nas mãos de Deus”. Esperará as mãos de Deus para fazer 7.500 assinaturas e, quiçá, os pés para as levar ao Tribunal Constitucional?
Para além de ficarmos a saber que o Deus de Marcelo tem mãos, ficamos perplexos com a sua influência num país com a Constituição laica que o ora PR aprovou na Assembleia Constituinte, para a ignorar depois de jurar cumpri-la e fazê-la cumprir ao tomar posse.
O PR de todos os portugueses não pode reduzir-se a um mero presidente dos católicos e excluir os que, também católicos, defendem o carácter laico da CRP, nem fazer do País um protetorado do Vaticano.
Surpreende a sedução que exerce e o silêncio que gera a associar a personalidade de PR, inteligente, culto e simpático, à vocação de catequista de paróquia e à volúpia beata com que oscula anelões episcopais.
E ninguém se indigna? Ninguém defende o carácter laico do Estado? Ninguém protesta? Continuamos o país dos 3 FFF, acéfalo, beato e timorato?
E queremos ser respeitados?
Junto ao Carmelo de Santa Teresa ergue-se uma escultura de bronze da mais antiga reclusa de sempre, escultura que serviu de argumento para uma campanha autárquica da freguesia da Sé Nova. Lúcia está para o PSD de Coimbra como o cónego Melo para o PS, sem honra, em Braga.
A vida desta mulher, a quem os padres formataram no catecismo terrorista, que percorreu ainda a minha infância, é a metáfora do Portugal salazarista que fez de Fátima o instrumento contra o comunismo, depois de ter nascido para execrar a República e as suas leis, sobretudo as do divórcio, do Registo Civil obrigatório e da herética separação da Igreja/Estado.
Não sei se o terço é o demífugo mais potente, mas foi o instrumento de alienação do povo, durante a ditadura. Nas noites de maio presidia ao mês de Maria, à luz de uma candeia de azeite, um ancião da aldeia de onde o homem que sou trouxe a criança que fui. Era ele que dirigia o terço, iniciava os mistérios, padres-nossos e ave-marias, que a Irmã Lúcia mandava rezar pela conversão da Rússia, sem esquecer os «nossos governantes» para quem suplicava iluminação e longa vida, atendendo o Céu apenas a parte final do pedido.
Hoje, a Irmã Lúcia, que, em vida, encarceraram no convento, veio em bronze ver a rua que lhe era vedada, exceto para votar em quem mandasse aquele que, segundo ela, foi o enviado da Divina Providência, remessa que muitos portugueses não perdoam ao deus da Irmã Lúcia.
Lúcia foi íntima da Sr.ª de Fátima, que lhe deu a conhecer profecias e conceitos de geopolítica, só a ela, enquanto a Jacinta só a ouvia e o Francisco não via nem ouvia, o que não os impediu de se terem adiantado no caminho da santidade com a ‘joit venture’ com que curaram Emília de Jesus, de uma paralisia intermitente, pouco antes de morrer completamente curada.
A Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado, Irmã Lúcia para os mais íntimos, volta a sentir o vento que na Cova da Iria a fustigava, enquanto orava e guardava cabras. Não será o vento livre, que vergava as azinheiras, onde a virgem saltitava, e arejava o chão do anjódromo onde o anjo poisou, travado pelas paredes grossas do Carmelo. Mas será de novo, na sua face de bronze, enquanto goza a eterna defunção e obra milagres para a santidade, um regresso ao ar livre, de onde tão cedo a retiraram, para a oferecerem à clausura.
Antes da guerra de 1939/45
O Presidente da Eslováquia era um monsenhor cruel da Igreja católica, um fascista implacável.
Engana-se quem pensa que a Senhora de Fátima é apenas um dos avatares da Virgem Maria, personagem mítica com mais heterónimos do que Fernando Pessoa.
A Senhora de Fátima foi a criação clerical de um instrumento contra a República e uma imagem de marca do povo que a monarquia legou beato, analfabeto e supersticioso, um epifenómeno contra a laicidade, a democracia e o secularismo.
A «Senhora mais brilhante do que o Sol» iniciou a carreira de pitonisa na Cova da Iria, depois de vários fracassos em locais mais instruídos e urbanizados. Foi em 13 de maio de 1917 que apareceu, pela primeira vez, no ermo que a promoção pia transformou num dos mais concorridos destinos turísticos.
A Senhora começou por atrair a atenção de três pastorinhos, sendo a Lúcia a que ouvia e via, a Jacinta a que só ouvia e o Francisco que não ouvia nem via. Os rapazes são lentos a despertar os sentidos. Começou por dizer-lhes que Deus se encontrava muito zangado, que queria toda a gente a rezar o terço, e anunciou-lhes, em exclusivo, um imprevisível acontecimento, o fim da guerra em curso, como se o que tem início jamais tivesse fim.
Em 13 de outubro, perante vasta assistência, a Senhora de Fátima, excelente trepadora de azinheiras, fez um número privativo, só replicado nos jardins do Vaticano, à mesma hora, para conhecimento especial do Papa: pôs o Sol a rodopiar em tons de prata fosca, um episódio acrobático que assombrou a assistência.
Após 1926, consolidada a ditadura, e com o enviado da Providência no Governo, como a Lúcia havia de dizer ao cardeal Cerejeira, referindo-se a Salazar, a Senhora de Fátima dedicou-se à Rússia, que confundia com a URSS, cuja conversão rogava, através da reza do terço, e à defesa do regime, no plano interno, com a mesma prescrição e posologia.
Desistiu então de surgir aos pastorinhos e dedicou-se a visitar comunistas arrependidos, sobretudo os que não aguentaram torturas da Pide e entregaram camaradas. Conseguiu libertá-los da prisão e arranjar empregos, mimos que os conversos retribuíam com velas acesas à janela nos dias 13 de maio e de outubro de cada ano.
A Senhora de Fátima, entrava nas celas de presos políticos que tinham confessado tudo, a confissão é um alívio, e dizia-lhes que tinham sido enganados e deviam arrepender-se. Foi assim que o pai de um conhecido advogado, rico e prestigiado, abjurou as ideias falsas, como alguns outros, e substituiu a foice e o martelo pelo terço e a cruz, a Internacional pelo Ave e a clandestinidade pelo sossego do lar.
A Senhora de Fátima pode ter sido clonada em outras latitudes de hegemonia católica, mas a legítima, a original, com toque rural e determinação prosélita, é 100% nacional.
A AR, por reverência às maratonas pias que soem fazer-se ao santuário, resolveu criar, em 27 de junho de 2014, o Dia Nacional do Peregrino, devoção do PSD/CDS, ofuscada pela abstenção dos deputados do PCP, BE, 26 do PS e esconjurada com 4 votos contra do PS. O parlamento, que recusara o Dia Nacional do Cão, meritória iniciativa do PSD, elegeu então, por larga maioria, o dia 13 de outubro, desobrigados os deputados pios de votarem de joelhos e mãos postas.
Exultaram as sacristias e o santuário, com devotos comovidos com os votos da AR.
O arcebispo de Toledo, Braulio Rodríguez, está no centro de controvérsia em Espanha por ter feito declarações sobre violência doméstica durante uma missa, nas quais culpa em parte as mulheres por serem agredidas pelos maridos. A maior parte dos casos de violência doméstica, disse Rodríguez, acontece porque os maridos “as rejeitam por não acatarem as exigências deles”, ou porque “ela pediu a separação”.
As declarações, feitas numa missa celebrada a 27 de dezembro na catedral de Toledo, foram registadas pelo boletim da diocese e divulgadas pelos meios de comunicação locais, até chegarem esta semana a jornais nacionais como o El País.»
D1A – A notícia é de 2016, mas o troglodita continua a ser arcebispo de Toledo.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.