14 de Maio, 2018 Carlos Esperança
Fátima, terra de fé – Ontem foi o 101º aniversário da sua criação
Nascida para lutar contra a República e transformada em arma de arremesso contra o comunismo, Fátima mantém-se como símbolo da crendice popular e caixa de esmolas que sustenta a máquina eclesiástica.
Os ateus são sensíveis ao sofrimento humano, às manifestações de aflição, ao desespero e aos dramas individuais que exoneram a razão dos comportamentos. Já não podem ter a mesma benevolência para quem convence os crentes do gozo divino com as chagas nos joelhos e as maratonas pedestres ou com a oferta de objetos de ouro que atravessaram gerações na mesma família para acabarem no cofre forte da agiotagem mística.
Os alegados milagres das cambalhotas solares, das deambulações campestres da virgem e da aterragem de um anjo não foram originais nem exclusivas da Cova da Iria. Foram tentados em outras latitudes e repetidos em versões diferentes até atingirem a velocidade de cruzeiro da devoção popular e o pico da fama que tornou rentável a exploração.
Em 2008, o cardeal Saraiva Martins, um clérigo atrofiado por longos anos de Vaticano, dedicado à investigação de milagres e à pesquisa da santidade, presidiu à peregrinação… contra o ateísmo. Podia ser a favor da fé, mas o gosto do conflito levou a Igreja a deixar cair a máscara da paz e a seguir o carácter belicista que carrega no código genético.
Há militares que regressaram há mais de cinquenta anos da guerra colonial e ainda hoje, vão a Fátima agradecer o milagre do retorno, milagre que muitos milhares não tiveram, vítimas da civilização cristã e ocidental para cuja defesa o cardeal Cerejeira os conclamava.
Perdido o Império, desmoronado o comunismo, o negócio mudou de rumo e de ramo. É o emprego que se mendiga a troco de cordões de oiro, a saúde que se implora de vela na mão, a cura suplicada com cheiro a incenso e borrifos de água benta. Enquanto houver sofrimento o negócio floresce. Dos bolsos saem os euros dos peregrinos e dos olhos dos crentes as lágrimas, perante a imagem de barro que a coreografia pia carrega de emoção.
Para o ano, no mesmo dia, repete-se a encenação e o coração dos devotos rejubila com a fé na virgem, igual à que os índios devotavam às fogueiras para atraírem chuva. Com os joelhos esfolados, os pés doridos e o coração a sangrar.