O Hospital de Cascais e os costumes cristãos
O salazarismo dos costumes, e talvez também o outro, estão de volta. O “Regulamento Interno de utilização e conservação do fardamento e cacifo” do referido hospital impede aos funcionários [leia-se funcionárias] certo tipo de maquilhagem, saias acima do joelho piercings e tatuagens visíveis.
Não se pense que são regras de controlo de infeções, são decisões a exigir o regresso da pudicícia e dos bons costumes, onde se “proíbem minissaias, botas e desodorizante com cheiro”, ameaçando de ‘procedimento disciplinar’ quem não use collants em tom natural ou azul escuro e o cabelo de acordo com as normas que o regulamento define.
Quem diria que a carta da senhora Lúcia de Jesus, irmã Lúcia para os amigos, dirigida a Marcelo Caetano, encontraria na direção do Hospital de Cascais o eco que não teve no último ditador fascista!
A freira das Carmelitas Descalças, em Coimbra, escreveu, em 24 de fevereiro de 1971, ao Presidente do Conselho, suplicando medidas legislativas sobre as vestes femininas: «…não seja permitido vestir igual aos homens, nem vestidos transparentes, nem curtos acima do joelho, nem decotes a baixo mais de três centímetros da clavícula. A transgressão dessas leis deve ser punida com multas, tanto para as nacionais como para as estrangeiras». *
A parceria público-privada exige maquilhagem “discreta”, especificando que “o baton e sombras” têm de ser “em cores nude” e a “base, lápis e rímel adequados à fisionomia de cada pessoa”, o que se presume destinado a ambos os sexos.
São proibidos “piercings, joias, tatuagens de qualquer tipo em locais visíveis do corpo”, temendo, na omissão, a perversidade do autor, a pensar em sítios recônditos, e o que se adivinha é o regresso manso do fascismo a policiar as vestes femininas e a transformar o hospital numa extensão da sacristia, onde medra a prepotência e germina a insanidade.
É a sharia romana nos hospitais.
*(In Arquivos Marcelo Caetano, citados em Os Espanhóis e Portugal de J.F. Antunes Ed. Oficina do Livro)
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
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- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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