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Mês: Abril 2017

16 de Abril, 2017 José Moreira

Milagres com prazo de validade

A insuspeita revista “Sábado” publica, no seu último número, um artigo acerca da próxima vinda do papa de serviço a Fátima. Adianta que não se trata de uma visita de estado, mas de uma peregrinação, pelo que não se percebe muito bem por que raios vai ter um encontro com o presidente da República e com o primeiro-ministro. Ou será, apenas, com os cidadãos Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa? Bom, adiante.

A folhas tantas, aparece uma entrevista com a freira-médica (ou será médica-freira? De qualquer modo, cheira-me a oxímoro) Ângela Coelho que acumula, também o cargo de “postuladora da causa dos pastorinhos”. Bom, deixemos de lado o blá-blá, e situemo-nos naquilo que, no fim de contas, acaba por se verificar serem, os milagres: a mais monumental fraude religiosa. Digamos, também, que a freira não aprendeu nada com a ciência. A certa altura,o entrevistador pergunta: “Como se define um milagre? É um acontecimento não explicável pela ciência?” ao que a freira responde: “Sim, ou pelas leis da natureza. 90% são casos médicos. Uma cura rápida e duradoura não explicável pela arte médica actual”. O jornalista volta à carga, e a ingénua feira cai na esparrela. Jornalista: “Então um milagre no século XVI hoje não seria?” E a freira: “Poderia não ser.” Mas vale a pena continuar a ler, pois a nova pergunta, a médica acaba por referir que não levou um caso à Congregação da Causa dos Santos. Tratava-se de uma criança com diabetes tipo I com uma bomba difusora de insulina. “No fim da missa da beatificação a mãe pede aos pastorinhos que curem o seu menino e logo naquele dia começa a achar que a bomba não está a funcionar. Foi ao hospital e a criança não tinha nada. Mas foi chumbado: há um tipo de diabetes na infância que tem uma cura assim”. Ou seja: a freiramédica acabou por, sem querer, prestar um mau serviço à causa religiosa. Disse, claramente, que não há milagres; apenas factos que a ciência não sabe explicar. Porque a ciência, ao contrário da religião, não é arrogante. E eu pergunto: os “milagres” que ocorreram tempos passados e que, agora, já são explicados pela ciência, continuam “milagres”? E os “santos” respectivos, continuam “santos”?

 

16 de Abril, 2017 Carlos Esperança

A fé do menino

– Eu gosto muito do menino Jesus.

– E por que? perguntou a professora.

-É que quando ele nasce eu ganho prendas. Quando ele morre eu ganho chocolates.

15 de Abril, 2017 Carlos Esperança

Espanha – a herança franquista

É difícil a defesa da laicidade, a exigência da neutralidade do Estado, a reivindicação de conduta igual para todas as religiões. Os cálculos eleitorais superam a salubridade cívica e um módico de pudor republicano.

Os hospitais portugueses enchem-se de imagens de Senhoras de Fátima e crucifixos que os doentes oferecem, alheios aos médicos, enfermeiros e medicamentos que os curaram, para imporem os símbolos da sua religião particular, que o laxismo e a cumplicidade de direções pusilânimes favorecem.

As escolas são já, através da autonomia que o ministério lhes confere, um instrumento de proselitismo religioso, com missas, terços e excursões pias, onde a laicidade a que a Constituição obriga é profundamente desprezada e espezinhada.

Nas autarquias, onde o fervor pio medra em anos eleitorais, organizam-se peregrinações a santuários, com transporte, seguro e farnel, para angariar os votos em lares de idosos sensíveis à salvação da alma e, sobretudo, à atenção aceite por quem enfrenta a solidão.

A Europa, cuja democracia se estabeleceu com a repressão política sobre o clero, cedeu a tradição laica aos interesses partidários e às negociações com minorias religiosas que a ameaçam. A cobarde cedência ao clero de que se libertou obriga-a a proteger ideologias que sob a capa de religião têm a obsessão de sujeitar o mundo às exigências tribais que as crenças perpetuam.

No entanto, a Espanha franquista cuja transição impediu a votação sobre a natureza do regime (as sondagens apontavam regularmente a vitória da República), manteve-se fiel à vontade do genocida Franco e ao paradigma da velha aliança do trono e do altar.

A apoteose do ridículo é a aplicação de um Decreto Real que manda colocar a bandeira a meia haste pela morte de “militares em serviço, rei, herdeiro, consorte ou em dias de luto nacional”, ter sido estendida à morte de Jesus Cristo. Assim, o atual ministério da Defesa ordenou içar a bandeira a meia haste em todos os quartéis, pela morte de Cristo.

Uma ordem interna estabelece que “desde as 14:00 horas de Quinta-feira Santa até às 00:01 horas de Domingo de Ressurreição, a insígnia nacional ondeará a meia haste em todas las unidades, bases, centros e aquartelamentos”. E, assim, segundo o Ministério, “respeita-se o exercício da liberdade religiosa”, convertendo os quartéis em sacristias.

O imperecível defunto voltará a morrer nos anos que vierem e ressuscitará de novo para arejar a bandeira.

14 de Abril, 2017 Carlos Esperança

Fátima

A 30 dias do vendaval da fé, previsto para a Cova da Iria, com o bispo autóctone a pedir tolerância de ponto ao estado Laico, a prevenção de riscos pulmonares faz-se com doses homeopáticas do ar local, enlatado entre azinheiras circunvizinhas, e já à venda em lojas da especialidade.

13 de Abril, 2017 Carlos Esperança

Declaração Internacional de Associações do Livre Pensamento, laicas, humanistas, racionalistas e ateias dos cinco continentes

Por iniciativa da Associação Internacional do Livre Pensamento

Os dinheiros públicos não devem financiar as Igrejas e as religiões !

Somos Associações de todos os continentes agindo pela Separação das Igrejas e Religiões, dos Estados, pela laicização das instituições em linha com a secularização crescente das sociedades.

O lema das nossas acções é trabalhar no sentido do respeito da liberdade de consciência de cada uma e de cada um, de todos os seres humanos que vivem no nosso planeta. Quer dizer: a liberdade de ser crente ou de o não ser. Não opomos a liberdade de consciência à liberdade de religião, porque a última é somente uma componente da primeira e não sua equivalente.

Rejeitamos a ideia de que a religião seria uma categoria separada da gama de convicções da Humanidade. E que seria necessário conferir-lhe um estatuto particular que a impediria de ser submetida à crítica racional e humana. E que seria necessário, além disso, que fosse financiada pelo Erário público, produzido pelo conjunto das contribuições dos cidadãos sujeitos aos impostos.

É por isso que nos opomos a todas as formas de repressão civil e penal daquilo que é designado como “delito de blasfémia”. O direito à livre crítica é um direito democrático fundamental. O seu corolário obrigatório é a liberdade total de expressão. Só serão visados então os factos e as opiniões, nunca os indivíduos enquanto tais.

É por isso que também rejeitamos e condenamos o privilégio das Igrejas e das religiões – que são somente a expressão de alguns homens – a serem financiadas por Fundos públicos, que são o produto das contribuições de todos.

Depois dos EUA (1791), do México (1857), da França (1905), de Portugal (1911), da Rússia (1918), do Uruguai (1918), da Espanha (1931) e da Turquia (1937), a reivindicação democrática da necessária Separação das Igrejas e das religiões em relação aos Estados não parou de mobilizar a Humanidade consciente. Desde então, muitos outros países, todos los continentes, a estabeleceram. Essa Separação está em marcha desde há muito tempo.

Desde James Madison, Pai da Constituição norte-americana e 4° Presidente dos EUA – constatando que, em 1819, “a quantidade, as competências e a moralidade do clero, assim como a devoção dos cidadãos, aumentaram manifestamente com a Separação total entre as Igrejas e o Estado”, a História da emancipação humana tem mostrado que, quaisquer que sejam as culturas religiosas dominantes nas sociedades, o princípio da Separação entre a esfera das Instituições públicas e a esfera religiosa não somente é possível e realizável, como é muito desejável para estabelecer e aumentar a Democracia.

Em todos os países, em todos os continentes, em todas as instituições nacionais e internacionais, há que actuar para fazer avançar a Separação das Igrejas e das religiões em relação aos Estados.

Actuemos juntos pela laicidade !

Apelo lançado por iniciativa da Associação Internacional do Livre Pensamento no Congresso Internacional de Montevideu (Uruguai), de 19 e 20 Setembro de 2015.

12 de Abril, 2017 Carlos Esperança

Vítor Julião em Movimento Ateísta Português

Os Físicos na história e deus.

É verdade que, por vezes, os cientistas são religiosos, ou pelo menos supersticiosos. Sir Isaac Newton, por exemplo, foi um espiritualista e alquimista bastante ridículo. Fred Hoyle, um ex-agnóstico que se apaixonou pela ideia do “desígnio”, foi um astrónomo de Cambridge que inventou o termo Big Bang. Steven Hawking não é um crente, e quando foi convidado para ir a Roma conhecer o papa João Paulo II pediu que lhe mostrassem os registos do julgamento de Galilei. E fala sem embaraço da hipótese de a Física “conhecer a mente de Deus”, o que parece agora tão inofensivo como uma metáfora, como por exemplo quando os Beach Boys cantam, ou eu digo, “só Deus sabe…”.

Antes de Charles Darwin ter revolucionado todo o conceito das nossas origens, e Albert Einstein ter feito o mesmo em relação ao começo do Cosmos, muitos cientistas, filósofos e matemáticos adoptavam o que podia ser considerada a posição de ausência e professavam uma ou outra versão do “deísmo”, que defendia que a ordem e a previsibilidade do universo pareciam, de facto, sugerir um criador, se bem que não necessariamente um criador com um papel activo nos assuntos humanos. Este compromisso era lógico e racional para o seu tempo, …
 
Laplace (1749-1827) foi o brilhante cientista francês que levou o trabalho de Newton ainda mais longe e demonstrou, através de cálculos matemáticos, como as operações do sistema solar eram as de corpos a girar sistematicamente num vácuo. Mais tarde, quando começou a estudar as estrelas e as nebulosas, postulou a ideia do colapso e implosão gravitacionais, ou o que agora chamamos alegremente o “buraco negro”. Num livro em cinco volumes intitulado Celestial Mechanics, ele expôs tudo isto e, como muitos homens da sua época, também estava intrigado com o planetário, um modelo articulado do sistema solar visto, pela primeira ver, de fora. Estes modelos são agora lugares-comuns, mas na época foram revolucionários e o imperador pediu para conhecer Laplace e para receber um conjunto dos livros ou (os relatos diferem) uma versão do planetário.
Pessoalmente, desconfio que o coveiro da Revolução Francesa preferiu o brinquedo aos livros: era um homem com pressa e tinha conseguido que a igreja batizasse a sua ditadura com uma coroa. De qualquer modo, e ao seu estilo infantil, exigente e imperioso, quis saber porque é que a figura de deus não aparecia nos cálculos inovadores de Laplace. E aqui têm a resposta fantástica, sublime e ponderada. “Je n’ai pas besoin de cette hypothèse“. (*) Laplace ia tornar-se marquês e talvez pudesse ter dito de forma mais modesta, “Resulta bastante bem sem essa ideia, Majestade“.
Mas declarou simplesmente que não precisava dela.
(*) “Não preciso dessa hipótese.”
Christopher Hitchens in “deus não é grande”.