«O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa inaugurou, no Restelo em Lisboa, a estátua de D. Nuno Álvares Pereira, numa cerimónia onde foi acompanhado pelo Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina. (06.11.2016)» [sic]
Na impossibilidade de acompanhar a frenética atividade do PR, socorri-me da página da PR para examinar o vídeo da inauguração da referida estátua onde se lê, sob as datas do nascimento e morte, os títulos: «Condestável do Reino e Santo».
A cura do olho esquerdo da cozinheira de Ourém, atingida por salpicos do óleo fervente de fritar peixe, não adicionou mérito ao herói que carecia do milagre para a santidade que a Espanha franquista nunca lhe consentiu, por respeito aos milhares de cristãos que matou. O declínio da fé no país vizinho permitiu à Igreja portuguesa transformar o herói em colírio para o elevar a santo, depois de curar o olho esquerdo de D. Guilhermina.
Foi pífio o milagre obrado, após séculos de defunção, mas não o foi a cerimónia pia. Ao Patriarca Clemente evitou-lhe a experiência a luxação do ombro direito, tal a força com que aspergiu a estátua com água benta do hissope que o experiente sacristão recolheu na caldeirinha. Sendo santo para que precisaria D. Nuno de água benta? Coisas da fé!
Os militares, com plumas, ficam sempre bem, seja numa inauguração, num Te Deum ou numa procissão, e a banda militar raramente desafina.
O presidente Marcelo e o edil Fernando Medina estavam ótimos. Só o Sr. Duarte Pio me pareceu deslocado, a menos que estivesse a fingir de duque, descendente do proscrito D. Miguel, filho improvável de D. João VI e garantido de D. Carlota Joaquina.
O Sr. Duarte Pio aparece nestas cerimónias e nas revistas do coração com o pseudónimo de Dom Duarte Pio João Miguel Gabriel Rafael de Bragança, o que é pouco, comparado com o último rei, despedido no glorioso dia 5 de Outubro de 1910: Dom Manuel Maria Filipe Carlos Amélio Luís Miguel Rafael Gonzaga Xavier Francisco de Assis Eugénio.
Aa República transformou os vassalos em cidadãos e obrigou todos a substituirem um catálogo por nome de gente.
Viva a República!
Raramente um barrete cardinalício hereditário saiu tão caro como o que cobre a cabeça de D. Manuel José Macário do Nascimento Cardeal Clemente (nome canónico a que tem direito), mas modestamente tratado por ‘Sua Eminência D. Manuel Clemente’, ou, na abreviatura dos jornais, simplesmente por D. Manuel Clemente.
Do ouro chegado do Brasil (várias toneladas anuais), acabaram generosas quantidades na Cúria romana, especialmente por intermédio do Papa Clemente XII. Foi ‘por’ graça desse papa, e não ‘de’ graça, que D. João V ganhou o título de “Fidelíssimo”, apesar de ter feito do convento de Odivelas o seu bordel privativo e das freiras mães de alguns dos seus filhos. A graciosa madre Paula, a sua predileta, estava sempre pronta a interromper as orações para receber, no tálamo, Sua Majestade e trocar o êxtase místico pelo real (no duplo sentido).
Há 300 anos, que hoje se comemoram, Lisboa teve a honra de ser uma das raras cidades onde o bispo assume o direito ao título de Patriarca e ao barrete cardinalício no primeiro consistório que houver, salvo se o cardeal emérito ainda puder ser eleitor papal (sucedeu a D. Clemente com D. Policarpo dentro do prazo de validade, menos de 80 anos).
Na entrevista ao DN, pág. 18 e 19, Sua Eminência “D. Manuel Clemente elogia D. João V como campeão da fé”, o que se percebe do defensor do óbolo estatal para os colégios particulares para com o rei que não admitia outra religião que não fosse a católica, e que mandou fazer para Mafra um sino que pesava mais de trezentas arrobas.
Como não elogiar D. João V em cujo reinado foi torturado pela Inquisição António José da Silva, o Judeu, um dos maiores dramaturgos portugueses de todos os tempos, que foi garrotado antes de ser queimado num Auto-de-Fé, em Lisboa, em outubro de 1739, com 34 anos de idade!
O barrete cardinalício fez perder a cabeça ao patriarca Clemente.
Judeus com a cabeça mais dura do que o muro.
Por
Paulo Franco
M…., na sequência da nossa conversa sobre a sua crença em anjos, gostaria de acrescentar algo mais. A meu ver, a M…. está a ser enganada pelo seu próprio cérebro. O mecanismo cerebral que utiliza para encontrar sinais da existência de anjos em seu redor é o mesmo mecanismo cerebral utilizado por todos os seres humanos que acreditam em deuses.
Ao longo da longa história da humanidade, muitos biliões de pessoas acreditaram em personagens mitológicas deste tipo. Eu poderia dizer o nome de 300 deuses que já desapareceram do imaginário coletivo e, no entanto, num dado momento da história, milhares de pessoas acreditavam ser visitadas por esses seres sobrenaturais. Desde os deuses da antiga Grécia, os deuses do antigo Egipto, os deuses do Império Romano; é um sem número de figuras mitológicas em que biliões de pessoas acreditaram cegamente durante séculos e, no entanto, se hoje alguém afirmar que acredita na existência do Deus Osíris, será naturalmente considerado um tolo.
Outro aspeto comum entre todos os crentes nestas figuras sobrenaturais é nunca conseguirem provar absolutamente nada do que afirmam. Fazem uma afirmação extraordinária, mas não conseguem apresentar provas extraordinárias da veracidade das suas afirmações. Se eu disser à M…. que vi uma vaca a voar mas não apresentar provas muitos fortes (fotos, filmagens, mais testemunhas), a M…. certamente que não acreditará que as vacas voam.
Por outro lado, a M…. está a deixar-se enganar pelo seu egocentrismo natural. Os seres humanos têm uma propensão inata para acreditar que ouniverso só existe para os servir. Biliões de pessoas acreditam que Deus (ou anjos) as ama, que Deus ouve as suas orações, que Deus responde afirmativamente aos seus pedidos, que Deus as protege dos perigos.
Agora repare como o mundo real contradiz todas essas crenças. Diariamente morrem milhares de crianças por todo mundo. Será que essas crianças não têm anjos (Ou Deus) para as proteger? Qual seria a lógica para alguns seres humanos terem anjos a protegê-las, e outros seres humanos viverem miseravelmente, sofrerem horrivelmente e morrerem mergulhados no mais cruel sofrimento psicológico e físico? Infelizmente eu não estou a inventar: milhares de crianças e adultos morrem diariamente desprovidos de qualquer consolo ou proteção divina.
Será que a M…. é mais especial ou importante do que essas crianças, para beneficiar de anjos protetores e elas não?
A M…. disse-me que já por várias vezes anjos a avisaram de perigos na estrada, e a forma de o fazer foi através de pássaros que foram embater no seu carro. Então os pobres animais tiveram que morrer para a M…. ser avisada de perigos na estrada? Não lhe parece que seria uma total falta de respeito pelo direito à vida dos pobres animais? Não acha que seres supostamente tão bondosos e amorosos como os anjos deveriam ser mais sensíveis com o direito dos animais?
M…., espero que não interprete mal o que lhe estou a dizer. Eu não estou a querer dizer que a M…. é uma ignorante que se deixa levar por crenças tolas. O que eu estou a dizer é que essa forma de pensar é perfeitamente natural. Nós somos o produto imperfeito de um processo evolutivo continuo que já dura à muitos milhões de anos. E o nosso cérebro foi programado para fazer associações que, frequentemente, nos conduz a interpretações erradas dos pequenos acontecimentos que nos vão acontecendo.
Se uma borboleta sobrevoar a minha cabeça durante 30 segundos, eu posso imediatamente considerar que isso só pode ser um sinal enviado por criaturas sobrenaturais que me amam e que me querem comunicar algo de importante. No entanto, o que realmente é factual é que as borboletas existem e voam e, portanto, é natural, de tempos a tempos, por coincidência, sobrevoarem algumas cabeças.
O possível significado que isso possa ter será unicamente da responsabilidade da imaginação de cada um.
Depois do lastimável beija-mão ao Papa, ato humilhante para o País, o PR reincidiu na 25.ª Cimeira Ibero-Americana convidando os chefes de Estado e de Governo a visitarem Fátima nas comemorações do centenário dos acontecimentos de 1917 na Cova da Iria.
Destaco da sua intervenção: «Na cultura entram também crenças e formas de circulação, crenças religiosas. Recordo para o ano o centenário de Fátima em Portugal, para o que estais convidados».
Não discuto a encenação grotesca de Fátima contra a República nem o aproveitamento ulterior da superstição popular contra o comunismo e, agora, contra o ateísmo. Reprovo o convite do PR, não em nome de todos os portugueses, mas como comissário do reitor do santuário ou delegado da Conferência Episcopal.
A dignidade do cargo não se conforma, num Estado laico, com convites pios. O respeito que é devido aos crentes da concorrência, e aos não crentes, impedem que o PR utilize o cargo para proselitismo religioso e promoção do mais rentável espaço do sector terciário da Igreja católica em Portugal.
O patriarca de Lisboa também não convidou os bispos ibero-americanos para visitarem a Rotunda, no centenário da República.
Que Aznar, franquista sem escrúpulos, com ligações ao Opus Dei, cúmplice da invasão do Iraque e amigo do peito e da hóstia dos sectores mais retrógrados da Igreja católica, gostasse de uma coreografia assim, compreende-se.
Que Rajoy, no século XXI, traia a Constituição e exclua o apoio dos conservadores laicos, é uma temeridade que lhe dará a indulgência dos franquistas, mas aliena o respeito do País, cada vez mais secularizado.
Quando um governante começa o mandato de mãos postas, em breve se põe de joelhos, e acabará de rastos antes terminar o mandato.
Quando Lisboa perdeu quase um terço da população, no Dia de Todos os Santos, e com as casas ruíram as igrejas e o fogo consumiu grande parte do seu património, foi difícil aos padres explicar a ira do seu Deus e sustentar que os suspeitos do costume eram os autores do mau feitio divino contra a capital de um país devoto.
Até aí a ira de Deus era a única explicação para catástrofes, tão natural como as causas de a raiva serem os pecados, os judeus e o défice de orações.
A comoção espalhou-se pela Europa, Voltaire ridicularizou a teodiceia de Leibniz e a fé deu lugar à ciência, enquanto o Marquês de Pombal mandou enterrar os mortos e cuidar dos vivos.
A tragédia influenciou numerosos pensadores e impulsionou o Iluminismo.
Um ano depois tinham-se apagado os vestígios da catástrofe e os primeiros edifícios, a nível mundial, construídos com proteção antissísmica, nasceram na Baixa Pombalina.
Os países da América do Sul, depois de significativos avanços da democracia, estão de novo a ensaiar um percurso inverso.
O mais recente e demolidor revés aconteceu no Brasil, com um golpe constitucional que demitiu Dilma e impôs um presidente ilegítimo, para a substituir e subverter o programa sob o qual foi eleito Vice. Do Estado social e dos direitos dos trabalhadores nada restará quando Temer for afastado.
A conquista da prefeitura do Rio de Janeiro por Marcelo Crivella, bispo da IURD, que comemorou a vitória com um pai-nosso e a condenar o aborto e a legalização de drogas, é a mais eloquente metáfora de um país refém da aliança de terratenentes, evangélicos e capitalistas, que dominam a comunicação social e, em breve, todos os centros do poder.
Os pruridos da Igreja católica desapareceram com as seitas místico-financeiras que não hesitam em lançar os seus bispos e pregadores mais populares ao assalto ao poder. Os partidos cedem às seitas, os comícios às telemissas e a política à teologia.
Os órgãos de soberania são sacristias de alto nível onde se benze uma nova relação com o povo, onde as leis passarão pelo crivo da Bíblia e a classe dominante distribui esmolas transformando a justiça social em caridade.
A modernidade fica adiada e a fé regressa com colorido tropical e ruidoso de exibições pias, com liturgia e milagres para todos os gostos.
O Diário de uns ateus é o blogue de uma comunidade de ateus e ateias portugueses fundadores da Associação Ateísta Portuguesa. O primeiro domínio foi o ateismo.net, que deu origem ao Diário Ateísta, um dos primeiros blogues portugueses. Hoje, este é um espaço de divulgação de opinião e comentário pessoal daqueles que aqui colaboram. Todos os textos publicados neste espaço são da exclusiva responsabilidade dos autores e não representam necessariamente as posições da Associação Ateísta Portuguesa.