26 de Março, 2016 Carlos Esperança
A última epístola do S. Padre Poças
Aqui fica, para conhecimento dos leitores, a sua posição sobre o beija-mão do PR ao Papa. Como é a última, sobre o assunto, prescindo da tréplica pois a minha posição é bem conhecida.
Olá Sr. Carlos Esperança.
Esta será a minha última epístola que deveria ser apenas a segunda não fossem os caminhos se terem desviado do essencial.
No último e-mail deixei clara a minha disponibilidade em enviar a minha leitura dos atos do Presidente da Republica. Como não me respondeu envio-a na mesma para que tome na mesma conhecimento da minha reflexão.
Agora sim, publique-a onde quiser e se quiser.
Achei que a resposta que me deu inicialmente está baseada em algo que eu penso não ser substancialmente profunde certo para reprovar esta atitude do Presidente da República. Passo a explicar-me.
Estão dois valores fundamentais em conflito neste gesto do Presidente da República.
O primeiro é a função que o Prof. Marcelo exerce e a outra é o direito pessoal à liberdade religiosa. Um incide sobre a função outra sobre o individuo (cidadão). Acontece que o Estado não é sujeito das liberdades pessoais pois ele é coletivo, não é um individuo em si e por isso não tem a faculdade de escolha que é próprio e exclusivo dos cidadão.
No momento da visita ao Papa estão as duas realidades em causa e em conflito. O Presidente da Republica deve ter gestos de cariz laico, mas o cidadão Marcelo tem o direito inalienável de poder agir segundo a sua convicção religiosa. Se assim não fosse estaríamos a descriminar o cidadão Marcelo Rebelo de Sousa e a constituição prevê que a liberdade religiosa se aplique a todo o cidadão sem excepção. Um cumprimento é um ato pessoal e por isso foi dada prioridade à livre opção religiosa do cidadão Marcelo. O que diz o protocolo Papal é que se um cidadão é católico pode beijar a mão ao Papa. Ora o Prof. Marcelo é um cidadão católico mas por este facto colide com a sua função de representante de um Estado Laico.
Façamos um esforço de raciocínio.
O Presidente da Republica deve ter uma atitude a-partidária. Mas isto não pode ser levado ao seu extremo, há uma excepção. Há uma ato em democracia que se exprime no direito ao voto e que abre uma excepção a esta regra. Ora a aplicar a ideia de que o Presidente da Republica deve agir como um ser NEUTRAL (como propôs na primeira carta) eu diria que só haveria duas opções: ou não votar, ou votar em branco (o que numa óptica de cidadania responsável não é bem visto). A verdade é que não podemos negar o direito de voto livre ao Professor e cidadão Marcelo Rebelo de Sousa que deve ser apartidário. Provavelmente até suspeitamos que ele vote no PSD e isso não põem em causa a descriminação dos outros partidos. Mesmo sendo de forma secreta o que é fato é que pelo menos neste gesto ele é e deve ser partidário.
Resumindo. Há atos inerentes a algumas funções que por vezes entram em conflito com liberdades próprias de um individuo. O acto de eleição em sufrágio público é um voto de confiança num individuo eleito. Creio pois ser razoável que nos momentos de conflito seja dada a opção de escolha em consciência da pessoa em causa. Se o Prof. Marcelo neste momento decidiu beijar a mão do Papa acredito que o fez motivado pela sua opção religiosa pessoal e nunca com a intenção de descriminar ninguém. Podemos fazer outras leituras mas creio serem fruto de alguma hipersensibilidade quanto ao assunto.
Já agora fica uma questão pertinente. Para o ano o Papa vem a Portugal. É uma visita também pedida pelo Presidente da Republica (julgo que discordem do fato de ele a ter pedido, mas fora isso…). É natural que se celebre uma Eucaristia em algum desses momentos. O Professor Marcelo deve abster-se se se benzer e de rezar? Novamente teremos um individuo católico que tem direito a viver o seu culto (consagrado na lei da liberdade religiosa) mas que desempenha funções de Presidente da República. Deve dar atenção a que principio? A de representante de um estado laico ou de um individuo católico? Se não se benzer está a ser violentado na sua liberdade religiosa, se se benzer estará a desrespeitar a constituição que diz que ninguém pode ser descriminado pela sua religião. Será mais um caso de conflito.
Moral da história: Quando surgem dois valores fundamentais que entram em conflito deve ser acionada uma das melhores regras, para mim, para o futuro de qualquer sociedade democrática, laica, ou seja, a regra da TOLERÂNCIA.
Honestamente e depois deste caminho feito julgo que foi essa que esteve em falta no momento da Associação Ateista Portuguesa fazer o seu comunicado. Não tolerou.
Quero também afirmar que não me parece que o tenha feito por se pautar por principio de laicidade. Fê-lo por ser o Papa o que muda completamente a carga histórica, moral, emocional e sentimental perante o caso.
Honestamente se fosse pelo argumento da laicidade teria muito mais sentido criticar a celebração inter-religiosa que se fez no dia da tomada de posse. Aí sim poderá ter sido pouco coerente com a constituição (os actos oficiais devem ser não confessionais) e o fato desta ser feita numa mesquita (o que poderia ser lida como discriminatória para as outras confissões religiosas). Como viu nenhum líder religioso se zangou e/ou fez comunicados de reprovação. Seguiu-se o principio da tolerância e do diálogo entre diferentes, sem mossas nem conflitos.
Ou estou enganado (e se sim pelo desculpa) ou a Associação Ateista Portuguesa segundo vi não se pronunciaram sobre o caso com um comunicado.
Quanto ao beijar a mão do Papa já reagiram, é curioso e sinal de outras argumentações que já o afirmei me parecerem ser mais anticlericais que laicas (claro que esta parte é uma leitura minha e da minha responsabilidade).
Fiquem bem. No fundo e ultrapassados as agitações de percurso acho que foi divertido este exercício mental. Por essa parte obrigado.
Pelo resto peço apenas que respeitem a informação privada quando ela vos chegar às mãos.
A mim caiu-me sinceramente mal, pode acontecer a outros. São no entanto livres de fazerem o que quiserem, claro.
Neste dia em que nós católicos celebramos a morte do Senhor proponho façamos um bela reflexão sobre a realidade dos refugiados. É também uma situação em que valores e liberdades entram em conflito. Acho que o Professor Marcelo resolveu bem melhor o conflito dele do que os Estados Membros da União Europeia que dizem pautar-se pelos valores humanitários e pela Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Até qualquer dia.
- renato poças