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  • 17 de Fevereiro, 2016
  • Por Carlos Esperança
  • Vaticano

João Paulo II (JP2) – a canonização adiada

A morte de JP2 relembrou a dor e sofrimento manifestados na URSS quando o pai da Pátria, José Estaline, exalou o último suspiro, e o histerismo demente que rodeou a morte do aiatola Khomeini em todo o mundo islâmico, particularmente no Irão. Em comparação, as mortes de Franco, Salazar e Pinochet foram choradas de forma contida.

O absolutismo papal que restaurou com o apoio entusiástico do Opus Dei, Libertação e Comunhão, Legionários de Cristo e outros movimentos integristas, tornou JP2 o Papa da Contrarreforma, antimodernista, infalível, intolerante, substituindo os arcaicos autos de fé pela propaganda e pela diplomacia.

O Papa da Paz, como os devotos o designam, apoiou a Eslovénia e a Croácia (católicas) e a Bósnia e o Kosovo (muçulmanos) contra a Sérvia cuja obediência à Igreja Ortodoxa constitui um entrave ao proselitismo papal que tem nos ortodoxos a principal barreira ao avanço do catolicismo para leste. Já assim foi na II Grande Guerra.

A proteção aos padres que participaram ativamente no genocídio no Ruanda é mais um desmentido ao boato sobre o alegado espírito de paz que o animava.

A intervenção de JP2 a favor da libertação de Pinochet, quando foi detido em Londres, é coerente com a beatificação de Pio IX, do cardeal Schuster, apoiante de Mussolini e do arcebispo pró-nazi Stepinac. O apogeu da afronta foi a canonização veloz do admirador de Franco e fundador do Opus Dei, Josemaria Escrivá de Balaguer.

JP2, ele próprio profundamente supersticioso e obscurantista, chegou a ser obsceno na forma como engendrou milagres para 448 santos e 1338 beatos cujos emolumentos contribuíram para o equilíbrio financeiro da Santa Sé e para o delírio beato dos fiéis.

Desde a prática do exorcismo à exploração de indulgências, da recuperação dos anjos à aceitação dos estigmas como sinal divino (canonizou o padre Pio), tudo lhe serviu para alimentar a fé de sabor medieval e o desvario místico.

O horror que nutria pela contraceção, o aborto, a homossexualidade e o divórcio são do domínio da psicanálise. O planeamento familiar era para o papa medieval um crime. Considerava a SIDA um castigo do seu Deus e, por isso, combateu o preservativo, tendo o Vaticano recorrido à mentira, afirmando que era poroso ao vírus (2003). A misoginia, a conceção do carácter impuro da mulher e o horror à emancipação feminina foram compensados pelo culto insalubre da Virgem, recuperado da tradição tridentina.

Como propagandista da fé, pressionou Estados, intrometeu-se na política de numerosos países, ingeriu-se nos assuntos relativos ao aborto, à eutanásia ou ao divórcio e instigou populações contra governos democraticamente eleitos. Apoiou os comandos antiaborto, estimulou a desobediência cívica, em nome da fé, pressionou a redação da prevista Constituição Europeia e chegou ao disparate de pedir aos advogados católicos que alegassem objeção de consciência e se negassem a patrocinar divórcios.

O Papa da Paz que condenou a atribuição do Nobel da Literatura a José Saramago; que envidou todos os esforços para obter o da Paz para si próprio, que justamente lhe foi negado; que excomungou o teólogo do Sri Lanka, Tyssa Balasuriya por ter duvidado da virgindade de Maria e defendido a ordenação de mulheres; que perseguiu e reduziu ao silêncio Bernard Häring, Hans Küng, Leonardo Boff, Alessandro Zanotelli ou Jacques Gaillot; que marginalizou Hélder da Câmara e abandonou Oscar Romero; que combateu o comunismo e ficou em silêncio perante as ditaduras fascistas; João Paulo II morreu uns dias depois de o Vaticano ter proibido a leitura ou a compra do «Código Da Vinci», do escritor Dan Brown, sem nunca ter criticado a fatwa que condenou à morte o escritor Salmon Rushdie.

O Papa que morreu, segundo a versão oficial, no dia 02-04-2005 (soma=13), às 21h37 (soma=13), curiosidades «assinaladas» pelo bispo de Leiria/Fátima, foi o beato algoz da liberdade, autocrata medieval e fanático supersticioso. A sua morte consternou chefes de Estado e de Governo, alimentou noticiários das televisões de todo o mundo, rendeu biliões de ave-marias e padre-nossos, e pôs milhões de pessoas a rezar o terço, vestígio do Rosário da Contrarreforma, a que adicionou um novo mistério.

JP2 era certamente uma pessoa de bem que escondeu essa faceta para ser celebrado por dignitários políticos, religiosos e outros hipócritas. É desse Papa que conheci, que deixo um esboço, quando as cartas particulares, acabadas de revelar, o humanizam e mostram que não era alheio à influência das hormonas.

A canonização de JP 2 era capaz de deslustrar a imagem do papa Francisco, o papa que tanto pode prorrogar o prazo de validade da sua Igreja como tornar-se para o Vaticano o que Gorbatchov foi para a URSS.

As cartas que revelam “uma relação intensa” com Anna-Teresa Tymieniecka podem custar a João Paulo II a privação do alvará para obrar mais milagres e, depois de ter curado uma freira com doença de Parkinson, da qual ele próprio sofreu em vida, e lhe permitiu a beatificação, pode falhar o milagre que lhe falta para a canonização.

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