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Mês: Julho 2015

19 de Julho, 2015 Carlos Esperança

O Cume – Miséria e Cinco Orações Diárias – Memórias de uma aldeia católica

No tempo da minha meninice o Cume era uma pequena aldeia, sede da freguesia de Vila Garcia, que englobava as anexas Cairrão e Carapito. Tinha um apeadeiro de comboio no troço da linha da Beira Alta que liga a Guarda a Vilar Formoso, precedido pelo da Gata e tendo a seguir o de Vila Fernando.

A aldeia tinha água e luz, a primeira provinda exclusivamente de uma fonte de mergulho, donde jorravam excedentes para o bebedoiro do gado e para a presa onde as mulheres lavavam roupa, e a segunda, do Sol e das estrelas, refletida pela Lua, ou nascida na torcida dos candeeiros a petróleo e no pavio de candeias de azeite. Mesmo à Sagrada Família, que todas as noites viajava de uma casa para outra vizinha em perpétuas voltas pela aldeia, era o azeite que lhe iluminava as formas e a virtude que as famílias contemplavam através do vidro da caixa de cerejeira.

No verão as coisas complicavam-se, tendo as mulheres de deslocar-se à ribeira, para lavarem a roupa, a dois bons quilómetros de distância. Quanto ao gado lá se ia repartindo a água da fonte, bebendo de um balde, à tardinha, primeiro as pessoas que o quisessem e, a seguir, os animais, balde de novo mergulhado para trazer nova água que, ora uma burra, ora uma vaca, sobretudo esta, rapidamente esvaziava. Se entretanto acontecia alguém mais querer dessedentar-se, o balde era primeiro enxaguado, essa água vertida numa pia para galinhas, para aproveitar, e, só depois, outra vez cheio, posto à disposição do sequioso que ali mergulhava a boca e o nariz, até mais não querer, dispensado do assobio que estimulava as vacas. As pessoas tinham precedência sobre os animais.

O forno cozia uma vez por mês, desamuado sucessivamente por todos e com a quantidade de lenha fornecida num sistema que sempre funcionara, na razão direta do número de pães de cada família, marcados para evitar confusões. Os tabuleiros vinham de casa onde fora peneirada a farinha, amassada, fermentada e tendida. Chegados ao forno abendiçoava-se a massa que a oração faria crescer, e punha-se a cozer.

A criança que eu era no fim da década de quarenta recorda três homens a quem reconhecia importância – o Presidente da Junta, o Senhor do Correio e o sacristão. Hoje havia de julgar o alfaiate ou o merceeiro de maior relevância social mas, então, no meu reduzido universo de valores, com o Senhor Pároco a viver noutra freguesia, sem a obrigação de pedir a bênção a quem quer que fosse, nem a de beijar mãos – por não ser hábito doméstico e gozar do privilégio de ser filho da professora e de um funcionário de finanças –, eram eles os mais importantes.

O Presidente da Junta era o Senhor José Simão. Tratava da horta como os outros, mas era presidente, o primeiro que eu conhecera. A professora precisava da sua assinatura no recenseamento escolar, mas era ele a deslocar-se à escola, acompanhado da mulher, que lhe desenhava o nome, pois ele não o encarreirava – segundo ambos alegavam –, apesar do treino a que se submetera, começando a derrapar no José, a que sempre faltava o ‘o’ ou o ‘s’ e, invariavelmente, o acento, para depois se lhe varrer o ‘i’ ou o ‘m’ e aquele endiabrado til que exornava o complicado Simão. Pronto, assinava a mulher, arrumava-se a questão, faça favor de desculpar, minha senhora, o seu marido vem sexta-feira, ainda bem, nesta altura do ano sai da repartição a horas do comboio, são dezasseis tostões, não precisa de vir a pé, são para riba de duas léguas, ainda chega de dia, até amanhã minha senhora.

Um casal simpático aquele, o único que cultivava linho na aldeia e que me deu a oportunidade de ver como uma frágil planta se transforma em fio. Admirei a barrela e a cardação, vi o que fazia a espadela e contemplei a planta que fora a acabar fiada na roca e dobada.

O do Correio era o Senhor António Bernardo a cuja casa eu ia levar as cartas e perguntar diariamente pelo correio. Era um camponês que tinha um braço aleijado a que devia uma pequena reforma e o retrato de um jovem de vinte e poucos anos vestido de sargento, como compensação do ferimento na Primeira Grande Guerra. Era o único lavrador da aldeia com três vacas, integralmente pagas, uma burra e algumas ovelhas.

Presidia por tradição, que o alvará da Câmara sempre confirmava, aos atos eleitorais.
Um dia acompanhei a minha mãe ao sufrágio durante uma forte chuvada, o que levou o Senhor António Bernardo a perguntar respeitosamente por que se tinha incomodado, com um tempo daqueles, coitado do menino, se até já a tinha descarregado, informação cujo alcance me escapou, limitando-se a recolher o voto e a pousá-lo sobre a mesa. Percebi que já não era preciso introduzi-lo, pois já lá estava, não aquele, que era impossível introduzir antes de chegar, mas outro igual, que tinha o mesmo valor e igual intenção. Disse mesmo que já estavam descarregados todos os eleitores mas que a lei obrigava a manter a porta aberta, e a lei é a lei, não acha Senhora Professora, e para a respeitar e fazer respeitar ali estava ele, ninguém melhor que ele, até já fora Presidente da Junta antes do José Simão, por isso só quando a hora canónica chegasse é que se fechava a porta e, nessa altura, é que pediria à Senhora Professora para preencher uns papéis que era preciso, que ele não se ajeitava e os que estavam com ele ainda menos, no tempo deles não havia escola, o trabalho não era muito, todos tinham votado, graças a Deus, mesmo o Germano que Deus tem, se fosse vivo também não deixaria de votar ou, se o tempo estivesse assim e andasse com o gado, não se importava que nós o descarregássemos.

Era um bom homem, a quem o Senhor Prior confiava a orientação do terço, designado por mês de Maria, que em maio todos os dias tinha lugar na aldeia, a mando de Nossa Senhora e a rogo da Irmã Lúcia, pela conversão da Rússia. Devia ser por igual delegação de poderes que lhe cabia a orientação da novena que todos os anos, quando a canícula fustigava o renovo, despovoava a aldeia para ser rezada junto a uma pia que ficava a mais de um quilómetro, na quinta do Senhor Morgado. Lembro-me bem dessas peregrinações, que acompanhei várias vezes com devoção, e da eficácia demolidora de uma dessas novenas que transformou o normal pedido de chuva numa trovoada devastadora com os crentes a queixarem-se do excesso de fé, da molha e dos prejuízos.

O sacristão era coxo. O nome verdadeiro encontra-se, se acaso eu o soube, arquivado na desmemória de sexagenário. Todos o tratavam por Ti Mijinhas.

Sempre julguei apanágio do múnus o cheiro dele, antes de saber que o efeito conjugado da incontinência urinária e da relutância ao banho era a causa necessária e suficiente de um odor que as pituitárias da época, muito mais conformadas e cristãs que as de hoje, assinalavam com nauseada tolerância.

Era ele que ajudava o Senhor Pároco a paramentar-se, cargo que à época conferia algum prestígio, se encarregava de agitar a campainha quando o Senhor Prior passava com a hóstia em frente do Santíssimo, no sentido ascendente e no descendente, estridente toque que me levou muitas missas e cuidada averiguação a localizar. Eu julgava que era o efeito da passagem da hóstia à frente do sacrário que produzia o som, qual célula fotoelétrica, antes de ter descoberto que o mesmo se devia à campainha com quatro chocalhos cruzados, agitada pelo sacristão, a razoável distância, no momento adequado das exéquias.

Mas era a eucaristia que enobrecia o homem pela singularidade das funções. Cabia-lhe acompanhar com a patena a trajetória das hóstias que do cálice eram transportadas pela mão do oficiante até à língua dos devotos, espécie de rede protetora a impedir que o corpo de Cristo caísse desamparado por alguma manobra mais infeliz ou desajeitada do oficiante, mera precaução para um eventual acidente nunca registado. Nesses momentos até parecia que a perna mais curta do coxo, que o sacristão sempre fora, se adequava melhor à função do que se ambas lhe tivessem crescido iguais.

Era ele que transportava a caldeirinha da água benta com o hissope mergulhado à espera de que o Senhor Prior o sacudisse vigorosamente sobre os paroquianos para os aspergir e abençoar. Cabia-lhe ainda acender as velas e apagá-las, guardar as alfaias, dobrar e arrecadar os paramentos. Os trabalhos menos nobres, a limpeza da igreja, o tratamento dos paramentos, a mudança da roupa aos santos e outras tarefas menores, de grande interesse para o culto e razoável benefício para a alma, eram destinados a mulheres que disso se encarregavam em obscura dedicação.

Já depois de dita a missa, enquanto se rezavam as últimas orações – uma espécie de IVA para prolongar o santo sacrifício –, lá ia o Ti Mijinhas de bandeja em punho pedir para vários fins, conforme o domingo. O mais usual era o ‘costolado’ da oração que anos depois a minha mãe me esclareceria tratar-se do “apostolado da oração”, mas este pequeno desvio do léxico não alterava o valor do óbolo nem confundia a devoção daquela gente pobre.

Fica fora desta crónica a Ti Ismelindra, corruptela de Ermelinda, nome que ela própria desconhecia ter, parteira voluntária a cujo currículo adicionou dois irmãos meus que naquela aldeia encontraram a nossa mãe na altura de virem ao mundo.

Mas é sobretudo uma pequena população analfabeta que resistia à miséria e a cinco orações diárias, que circulava descalça sobre a neve e a geada, por cima de silvas e tojos, que nunca usou relógio ou tomou banho, que pedia brasas para acender o lume, cujas casas eram muitas vezes de terra batida e de paredes sem reboco, que, para se poder vestir, vendia os presuntos do porco de criação, os queijinhos que fazia, pequenos rolos de manteiga enfeitados com o cabo de uma colher, os molhos de agriões e meruges colhidos nos regatos, os ovos, e calcorreava duas léguas para percorrê-las de novo no regresso com o pecúlio rendido na praça da Guarda, é essa população que um dia hei de recordar, menos na fome que a consumia e nas carências proteicas que lhe dilatavam o ventre dos numerosos filhos, mas na sua solidariedade inexcedível e no espírito esmoler que a exornava. Talvez um dia.

In Pedras Soltas – Ed.2006 (Esgotada)

18 de Julho, 2015 Carlos Esperança

Notícia no dia da morte da Sr.ª Lúcia, publicada no DA

Comoção geral em Coimbra

A Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Imaculado Coração de Maria, ou Lúcia, simplesmente, faleceu hoje, inevitavelmente num dia 13, aos 97 anos.
A afamada vidente cuja ocupação principal era a oração entregou a alma ao criador. Desconhecia a popularidade que granjeara fora do convento e tinha do mundo a visão que a madre superiora e os sucessivos diretores espirituais lhe impingiram.

Nascida a 22 de Março de 1907 no lugar de Aljustrel foi muito precoce a receber o primeiro sacramento, ao 8.º dia, livrando-se da chatice do Limbo graças à água benta e às rezas.

Foi escolhida para fazer recados à Senhora de Fátima, que a visitou várias vezes. «Em reconhecimento, a Senhora voltou a aparecer-lhe em 26-08-1923, no Asilo de Vilar, Porto; 10-XII- 1925, em Pontevedra, Espanha,(revelação dos primeiros sábados); 13 de Junho de 1929, em Tuy, Espanha, (Nossa Senhora pede a consagração da Rússia). Em fins de Dezembro de 1927, a Irmã Lúcia escreve a descrição da Aparição do Menino Jesus que teve lugar em Pontevedra, no dia 15 de Fevereiro de 1926» – lê-se na biografia oficial.

Ainda criança, visitou o Inferno com uma bolsa de estudo que a senhora de Fátima lhe deu para, entre outras coisas de estarrecer, lhe mostrar um republicano de Vila Nova de Ourém que não ia à missa. De todas estas verdades deu conta aos pecadores e só não acreditou quem não quis.

Adversária do divórcio e da minissaia, a cuja moda nunca aderiu, escreveu a Marcelo Caetano a pedir a sua proibição. Morreu solteira e virgem, características que, a partir de agora, lhe auguram uma fulgurante carreira de santidade.
A ICAR não concedeu a exclusividade dos direitos de transmissão da sua morte a nenhum dos vários canais televisivos interessados.

A carta de 24/02/1971 da Irmã Maria Lúcia de Jesus e do Coração Imaculado, vidente de Fátima, cuja longevidade lhe atrasou a carreira de santidade, a apelar ao Prof. Marcelo Caetano para que a lei do divórcio fosse abolida do Código Civil, não obteve resultados práticos.

17 de Julho, 2015 Carlos Esperança

Resposta enviada a uma jovem ateísta

F.

A situação difícil por que passam os ateus, com os espaços confiscados pela Igreja católica, começa a ser resolvida nas cidades.

Por exemplo, Coimbra passou há pouco a ter dentro de um edifício que é propriedade da Igreja, espaços alugados (como todos) onde a cruz romana é convenientemente tapada pela Agência Funerária, quando tem instruções para o fazer.

Depois de mortos, tal como em vida, não há deus, nem deus que nos valha. Temos de confiar nos que nos amam e respeitam para nos pouparem ao incenso e à água benta (que não se distingue da outra).

Nos locais de cremação é habitual procederem de igual modo.

Esperando que demore a precisar de que lhe defendam a memória,

Apresento-lhe as habituais saudações ateístas.

16 de Julho, 2015 Carlos Esperança

A Transferência

Por

Frei Bento

Caríssimos irmãos em Cristo, apenas duas letras de despedida. Podereis considerar que uma semana sem vir ao DduA é pouco, mas para mim será uma eternidade.

E se eu sei o que é uma eternidade!!!

Na verdade, o cabr… o nosso santo Abade de Priscos castigou-me por eu ter apresentado uma sugestão. Ainda para mais, uma sugestão que não só era inteligente como também era economicamente apetecível.

Eu explico: hoje, ouvi na TV que, por causa da transferência do Casillas para o FCP, o clube tem-se fartado de vender camisolas com o nº 12. Vai daí que eu tive uma ideia que considero luminosa mas o filho d… o santo abade de Faria, certamente movido pela inveja, logo o 6º dos capitais pecados, mandou-me para um retiro espiritual na abadia das freiras Carmelinhas Calçadas.

E qual era a ideia? Ora, nós temos uma catrefada de terços, todos benzidos, cujas contas, as do rosário, claro, são, imagine-se, bolotas. Portanto, é um produto que além de ser precioso e imprescindível não só nos meses marianos, também serve para comer. E nós sabemos que o que serve para porcos também serve para homens. Até melhora a reza, porque a gente engole uma bolota a cada ave-maria e, além de não ser tão fácil a gente enganar-se, sempre é um terço nutritivo. Os padre-nossos podem, perfeitamente, ser acompanhados por copos de vinho, que sempre ajudam à digestão. A cereja em cima do bolo é  a benzedura do nosso Abade, que tem uma garantia de dois anos, e os terços são acompanhados pelo competente certificado. Só que ninguém compra aquilo, se calhar por causa do preço que, aliás, eu considero exagerado, tendo em vista a cotação em bolsa da bolota. Mesmo que seja bolota da nossa Abadia. ! Vai daí, eu lembrei-me: se nós, com o dinheiro dos óbolos, tentássemos a transferência de Nossa Senhora de Fátima para aqui, os terços começavam a ter saída.

O sacan… o nosso santo abade, primeiro chamou-me besta. Depois, perguntou-me se eu imaginava quanto custaria uma transferência da que é considerada a virgem mais valiosa, uma espécie de Cristiano Ronaldo em formato feminino e, ainda por cima, divina. Ainda tentei sugerir uma outra nossa senhora qualquer, já que são mais que as mães, mas o filho da p… o nosso santo abade nem me deixou falar: “Vais de castigo para as Carmelinhas, por oito dias! E ficas ao cuidado da Abadessa, que é para aprenderes.” Ainda lhe pedi que trocasse a abadessa por duas ou três noviças, que ela bem as vale, mas o gajo, perdão, o nosso santo abade nem me ouviu. Amanhã, lá vou eu…

Voltarei em breve.

Saúde e merda, que Deus não pode dar tudo.

PS: Peço desculpa, mas alguém tirou as teclas de correcção do meu computador.

15 de Julho, 2015 Carlos Esperança

Alá abandonou-os

Túnis: dirigentes do Al-Qaeda morrem no ataque do exército governamental

Guardas tunisinos em alerta depois dos ataques – AFP

Três dirigentes da facção Okba Ibn Nafaa, principal grupo extremista armado tunisino, figuram entre as cinco pessoas abatidas na sexta-feira na região de Gafsa, centro do país, anunciou o ministro do Interior, Najem Gharsalli citado pela AFP.

14 de Julho, 2015 Carlos Esperança

Fé e loucura

(Texto retirado do livro de Sam Harris “O fim da fé” – Paulo Franco)

As nossas crenças estão estreitamente ligadas à estrutura da linguagem e à estrutura das visões do mundo. A nossa « liberdade de crença», se é que ela deveras existe, é mínima.

Será uma pessoa realmente livre de acreditar numa proposição para a qual não tem provas?

Não. A evidência empírica (seja ela sensorial ou lógica) é a única coisa que sugere que uma dada crença se reporta de facto ao mundo.

Existem várias designações para as pessoas que têm muitas crenças para as quais não possuem justificação racional. Quando as suas crenças são muito comuns chamamos-lhes «religiosas»; caso contrário, é provável que sejam apelidadas de «loucos», «psicóticos» ou «delirantes».

A maioria das pessoas de fé são perfeitamente sãs, claro está, mesmo aquelas que cometem atrocidades em nome das suas crenças. Mas qual é a diferença entre uma pessoa que acredita que Deus o recompensará com 72 virgens se matar uma dúzia de adolescentes judeus e outra que crê que as criaturas de Alfa Centauri lhe estão a transmitir mensagens de paz universal através do seu secador de cabelo? Existe uma diferença, bem entendido, mas não se pode dizer que seja particularmente abonatória da fé religiosa.

É preciso ser-se um certo tipo de pessoa para acreditar naquilo em que mais ninguém acredita. Regermo-nos por ideias para as quais não temos provas (e portanto não podem ser justificadas através do dialogo com os outros seres humanos) é normalmente um sinal de que há algo de muito errado com a nossa cabeça. O facto de na nossa sociedade se considerar normal que o criador do universo pode ouvir os nossos pensamentos, mas considerar-se como sintoma de doença mental a convicção de que Ele pode comunicar connosco em código morse através do baquetear da chuva é um mero acidente da história. E assim, embora as pessoas religiosas não sejam, por norma, loucas, é indubitável que as suas principais crenças o são.

Isto não deve surpreender-nos, pois a maioria das religiões limitou-se a canonizar meia dúzia de coisas, fruto da ignorância e da confusão geradas no passado, as quais nos foram legadas como verdades primordiais. Isto faz com que hoje existam milhares de milhões de pessoas a acreditar naquilo em que ninguém no seu perfeito juízo poderia acreditar isoladamente. Na verdade, é difícil imaginar um conjunto de crenças mais sintomáticas de doença mental do que aquelas que encontramos no cerne das tradições religiosas.

Consideremos uma das pedras basilares da fé católica: “Confesso outrossim que na Missa se oferece a Deus um sacrifício verdadeiro, próprio e propiciatório pelos vivos e defuntos, e que no santo sacramento da Eucaristia estão verdadeira, real e substancialmente o Corpo e o Sangue com a alma e a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo, operando-se a conversão de toda a substância do pão no corpo, e de toda a substância do vinho no sangue; conversão esta chamada pela Igreja transubstanciação. Confesso também que sob uma só espécie se recebe o Cristo todo inteiro e com verdadeiro sacramento”.

Jesus Cristo – que, está bem de ver, nasceu de uma mãe virgem, ludibriou a morte e ascendeu corporeamente aos céus – pode agora ser comido sob a forma de uma tosta. Experimente pronunciar algumas palavras em latim ao sabor do seu Borgonha preferido, e também poderá beber o seu sangue. Alguém dúvida de que uma pessoa que, sozinha, subscrevesse estas crenças seria considerada louca? Ou melhor, alguém dúvida de que seria efetivamente louca?

O perigo da fé religiosa consiste em permitir que seres humanos, em tudo o mais normais, recolham os frutos da loucura e os considerem sagrados. Uma vez que se continua a ensinar a cada nova geração de crianças que as proposições religiosas não carecem das justificações que exigimos a todas as outras, a civilização permanece sitiada pelos exércitos do contrassenso.

Continuamos, ainda hoje, a matar-nos em nome da literatura antiga. Quem teria imaginado que uma coisa tão tragicamente absurda fosse possível?

13 de Julho, 2015 Carlos Esperança

O proselitismo cristão e um ateu

Por

Paulo Franco

“Olá meu amigo, não tive outro jeito, peço desculpas antecipadas por te incomodar, mas é urgente. Tenho um amigo que veio de muito longe e precisa ficar em algum lugar. Sendo assim, indiquei sua casa . Ele vai te procurar. Te peço que o receba, trate-o bem e, se possível, o ame. O nome dele é…. Jesus Cristo .
Agora diga bem baixo: Pode entrar Senhor, eu preciso de Ti todos os dias da minha vida.
Mande para algumas pessoas e vai receber um milagre amanhã e saiba que Ele está sempre com você.
Se acredita em Deus envia esta mensagem a 20 pessoas, se rejeitar lembre Jesus disse:
“Se Me negas entre os homens, te negarei diante do Pai !”
Dentro de 4 minutos te dirão uma notícia boa.”

***

Eis a minha resposta: para além de ter por hábito rejeitar amigos imaginários, não gostar de prestar vassalagem a ninguém, não acreditar em milagres e não ceder a chantagens ridículas, tenho também uma forte tendência a não me identificar com personagens cuja moralidade não seja aceite por uma sociedade culturalmente desenvolvida. Se nós partirmos do princípio que a história sobre Jesus é verdadeira, podemos facilmente identificar 3 padrões de comportamento absolutamente imorais, para não dizer detestáveis.

1º – Supostamente jesus fez alguns milagres. Supostamente curou pessoas cegas e pessoas paralíticas. Se, como afirmam os crentes, Jesus detinha um poder idêntico ao do próprio Deus (pois, segundo a magnifica teoria da Divina Trindade, Jesus, Deus e o Espírito Santo comungavam da mesma essência), porque é que Jesus em vez de curar um cego não optou por erradicar a cegueira?
Porque é que Jesus em vez de curar um paralítico, não erradicou todo o tipo de paralisias? Como é que alguém que tem o poder de tirar o sofrimento a todas as pessoas, só o faz a uma pessoa ou duas? E porque é que, num historial de milagres tão vasto, no passado como no presente, não existe nenhum milagre em pessoas com membros amputados?

2º – Os crentes do Cristianismo consideram Jesus o melhor homem de todos os tempos. E eu, com o meu espírito envinagrado, pergunto o seguinte: Onde estão as críticas de Jesus aos comportamentos assassinos do seu Pai? Onde estão as criticas ao assassínio em massa perpetrado por Deus em Sodoma, Gomorra e aos primogénitos do Egipto?

Onde é que está a coerência do homem que aconselha todos os homens a amarem-se e a perdoarem-se uns aos outros, mas que apoia incondicionalmente o seu Pai que assassina pessoas apenas porque lhe são desobedientes? E porque é que Jesus não aconselhou Deus a instruir e educar as pessoas em vez de as assassinar? Se Jesus, Deus e o Espírito Santo são uma só essência, e se essa essência é eterna, qual a responsabilidade de Jesus nos referidos crimes?

3º – Este 3º padrão de comportamento, que considero absolutamente detestável, é, a meu ver, uma das formas mais graves de difundir o ódio entre cristãos e não cristãos. É no novo testamento, e com Jesus como protagonista principal na divulgação desta ideia, que aparece o conceito de inferno e de perdição eterna. Para Jesus, se alguém não o seguir; não o amar; não acreditar nele; está irremediavelmente condenado para toda a eternidade. É difícil imaginar algo simultaneamente mais infantil e mais imoral do que isto. Como é possível a alguém que quer difundir o Amor entre os Homens, condenar ao sofrimento eterno por coisas tão banais? Não estamos a falar de condenar eternamente assassinos psicopatas ou violadores de crianças. Não, não, não. Estamos a falar de condenar pessoas comuns, normais, bons cidadãos que simplesmente ignoram ou não são apreciadores de divindades?

Em nome das crianças de Sodoma; Em nome das crianças de Gomorra; E em nome dos primogénitos do Egipto assassinados por Deus fico a aguardar que Jesus (ou alguém) me responda.

12 de Julho, 2015 Carlos Esperança

Mártires da ICAR

As Igrejas pelam-se por mártires. Os santos têm baixa cotação e poucas se dedicam à sua criação e exploração. A ICAR entrou na era industrial com JP2, um caso de superstição obsessiva e doentia fixação em cadáveres, a quem atribuía virtudes passadas e poderes perenes. Para fabricar um santo basta inventar dois milagres e cobrar os emolumentos do processo canónico. Para produzir mártires urge encontrar algozes adequados à transformação das vítimas em mito.

Os mártires podem ser dementes que procuram o Paraíso ou infelizes que estão à hora certa no lugar errado com parasitas de Deus à espera de explorarem a desgraça. Os suicidas islâmicos estão no primeiro caso, os missionários que caíram entre canibais fazem parte do segundo. Estes, em vez de serem amados pela Eucaristia que levavam eram apreciados por si próprios, como manjar divino, em ávida antropofagia.

O nacionalismo e a fé andam de mãos dadas. A vontade divina coincide muitas vezes com a do príncipe e este é habitualmente um agente predestinado. A glória terrena facilita-lhe a bem-aventurança eterna. A rainha Santa Isabel fez aquele milagre das rosas, um milagre de que uma tia avó, húngara, certamente lhe enviara a receita para Aragão. Além do nome, herdou-lhe, com o truque, a santidade.

Nuno Álvares Pereira andou aí, depois de muitas humilhações nas provas para santo, a ser ultrapassado pelas bentinha de Balasar, os pastorinhos de Fátima e outros pios cadáveres com milagres comprovados e devoções firmadas. Faltou-lhe o martírio que infligiu aos castelhanos e a coragem da Cúria Romana para enfrentar Espanha. Depois, quando já poucos acreditavam em milagres, encomendaram-lhe um para dinamizarem a estatuária e colocarem nas igrejas uma peanha mais.

Fadados para a santidade, o Vaticano, bairro que também usa a alcunha de Santa Sé, publicou em 2004 uma lista dos empregados mártires: 12 sacerdotes, 1 missionário, 1 religiosa e 3 leigos. As mortes são de lamentar mas o seu aproveitamento para fins de propaganda é uma macabra operação de marketing de que a ICAR se aproveita. O Cardeal Crescenzio Sepe, então o prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos, recordou esse “generoso tributo de sangue de muitos irmãos e irmãs para o crescimento da Igreja no mundo”.

Morrer ao serviço de Deus é garantir o Paraíso – prometem os padres com a mesma convicção com que na praça nos garantem a excelência da hortaliça e no talho a saúde do animal de que nos corta os bifes.

12 de Julho, 2015 Carlos Esperança

Interregno nas práticas do Vaticano

Processo é o primeiro relacionado a acusações de pedofilia em um tribunal de Estado do Vaticano
 A partir deste sábado, o ex-núncio apostólico do Vaticano na República Dominicana Jozef Wesolowski, 66 anos, enfrentará um processo judicial sem precedentes. Vai começar a audiência inicial de seu caso, o primeiro processo relacionado a acusações de pedofilia em um tribunal de Estado da Cidade do Vaticano.