Da cosmética
Tenho por hábito dizer que os seres humanos são um paradoxo ambulante. Um poço sem fundo de contradições. Essa imagem está bem espelhada nos livros mitológicos e religiosos que refletem de certa forma a primitiva essência da espécie humana e o parto doloroso que foi o dealbar da civilização.
O Deus mau, vingativo e cruel é, ao mesmo tempo, o Deus da paz, do amor e da tolerância. Tem dias, como todos nós (eu que o diga ao acordar, antes de tomar o primeiro café). Porque ele É nós. Nasceu de nós e não para nós. De nós, um animal selvagem que julga ter ludibriado as leis da natureza e que agora se tenta domesticar a todo o custo com os custos que isso acarreta.
Viver é gerir conflitos. Com os outros e com o Eu. Mas é também competir. Com os outros e com o Eu sempre presente. É tão simples como isto.
Necessitamos de energia para viver, por isso comemos. Para comer necessitamos de um espaço que nos forneça alimento, por isso somos territoriais. Necessitamos de nos reproduzir, competimos uns com os outros por machos e fêmeas. Necessitamos do apoio mútuo e colaboração, organizamo-nos em sociedades. E competimos para sobreviver. Assim, de uma forma tão simples e tão essencial. Tudo o resto é como o açúcar fino que deitamos por cima de um bolo. Não lhe acrescenta muito em doçura, apenas o torna mais apresentável. É a essa fina camada de pó branco que chamamos humanidade. E nós seremos sempre o bolo. Um bolo bipolar maquilhado a tentar recalcar a sua verdadeira natureza. Mas há quem constantemente o prefira ignorar. A uns chamamos crentes, a outros idealistas.