Prefiro morrer de pé
“Prefiro morrer de pé do que viver ajoelhado”, disse o director do Charlie Hebdo, como que a antecipar o fatídico destino.
De pé! Não como um cobarde e muito menos como um traidor. De pé!
Após a sua profetizada morte, logo saíram à rua todos os hipócritas, cobardes, inocentes e idiotas úteis da sociedade a gritar – Eu sou Charlie Hebdo! A pensarem que são Charlie Hebdo.
Não, não são. Gostariam de o ser, porventura, mas não o são. Nunca o serão. Muitos estarão nos antípodas de Charlie Hebdo. Muitos serão responsáveis pela necessidade de um Charlie Hebdo.
Stéphane Charbonnier foi o paradigma da coragem. Deu a vida pela liberdade. Não por uma liberdade patética e anárquica. Deu a vida pela sua liberdade de expressão e pela liberdade dos outros de não concordarem com ela. Teve nas veias o calor do sangue que a transfusão do iluminismo nos legou. Mesmo sabendo que a sua vida corria perigo. E muito poucos dos que se auto-intitularam Charlie Hebdo seriam capazes de o fazer. Palavras leva-as o vento, assim dizia Florbela Espanca. E assim o vento levará todas as pias mensagens de tolerância para com os intolerantes que muitos ímpios lhe atiram de joelhos.
Morreu Stéphane Charbonnier. Um ateu como tantos outros. Um cidadão como tantos outros. Mas diferente de tantos outros. Feriu com o som das palavras, morreu ao eco das espingardas. Morreu às mãos de intolerantes. E há quem tenha o cinismo de o apelidar de intolerante. Ateus inclusive. Porque há ateus que apenas o são para justificar a sua incapacidade de integração na sociedade. Para manifestar o seu desprezo pela sociedade. Tal como os intolerantes que mataram Stéphane Charbonnier.
Morreu Charlie Hebdo. Morreu um jornal. O símbolo máximo da liberdade de expressão. E há cobardes que se dizem Charlie Hebdo. E há fanáticos que apoiam outros fanáticos, que negam outros fanáticos, porque não conseguem admitir que os seus dogmas ideológicos possam estar errados e desadequados da civilização.
Morreu Charlie Hebdo.
Viva Charlie Hebdo!
E quanto aos cobardes… Os cobardes já morreram. De joelhos. Porque os cobardes morrem muitas vezes antes de morrer. E sempre de joelhos.