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  • 30 de Novembro, 2014
  • Por Carlos Esperança
  • Ateísmo

O desejo não confessado do Apocalipse

Este texto foi retirado do livro de Christopher Hitchens “Deus não é grande”.

Paulo Franco.

«A religião organizada devia ter muito a pesar-lhe na consciência. Aqui vai mais uma queixa a acrescentar  à lista de acusação. Com uma parte necessária da sua mente coletiva, a religião aguarda com expectativa a destruição do mundo.

Não quero com isto dizer que “aguarda ansiosamente” no sentido puramente escatológico de antecipar o  fim. Quero antes dizer que, abertamente ou em segredo, deseja que esse fim  aconteça.

Talvez semiconscientes de que os seus argumentos sem provas não são totalmente persuasivos  e talvez inquieta em relação à acumulação gananciosa de poder e riqueza temporais, a religião nunca cessou  de proclamar o Apocalipse e o dia do juízo final. Uma das muitas ligações entre a crença religiosa e a infância sinistra, mimada e egoísta da nossa espécie é o desejo reprimido de ver tudo destruído, arruinado e derrotado.

Desde que os primeiros curandeiros e xamãs aprenderam a prever eclipses e a usar o seu conhecimento  celestial mal alinhavado para aterrorizar os ignorantes, tem sido um tropo constante.

Como acontece em todos os casos, as descobertas da ciência inspiram muito mais temor do que o palavreado  oco dos devotos. A história do cosmos começa à 13/14/15 mil milhões de anos; a idade do Sol e dos planetas  que giram na sua órbita – um deles destinado a albergar vida e todos os outros condenados à esterilidade – será talvez de 4,5 mil milhões de anos; a expectativa de vida do nosso Sol é de uns bons 5 mil milhões de anos mais;  porém, marquem no vosso calendário, por volta dessa altura, incendiará milhões de outros  Sóis e transformar-se-á explosivamente num «gigante vermelho» inchado, levando os oceanos da Terra a ferver  e extinguindo todas as possibilidades de vida, seja de que forma for. Nenhuma descrição feita por profetas ou visionários se aproximou palidamente da horrível intensidade e irrevocabilidade desse momento. As pessoas têm um lamentável motivo egocêntrico para não temer essa perspetiva: segundo as projeções atuais, a  biosfera terá, entretanto, muito provavelmente, sido destruída por formas diferentes e mais lentas de aquecimento. De acordo com os peritos, como espécie na Terra não temos uma grande eternidade à nossa frente.

Com que desprezo e desconfiança temos, então, de encarar aqueles que não estão dispostos a esperar e que se iludem e aterrorizam outros – especialmente crianças, como sempre – com terríveis visões do apocalipse, seguidas de um julgamento severo efetuado por Quem, supostamente, nos colocou neste dilema incontornável.

O desejo de morte, ou algo não muito diferente, pode estar secretamente em todos nós. Mas a religião legitima esses impulsos e reivindica o direito a oficiar no fim da vida, tal como espera monopolizar as crianças à nascença.

Não podem restar dúvidas de que o culto da morte e a insistência em portentos do fim advêm de um  desejo sub-reptício de que isso aconteça, para colocar um ponto final à ansiedade e dúvida que ameaçam permanentemente a força da fé.

Quando um sismo abala a terra, um tsunami a inunda ou as torres gémeas se incendeiam, podemos ver e ouvir a satisfação secreta dos fiéis. Eis que afirmam alegremente: «Isto é o que acontece quando não nos dão ouvidos!» Com um sorriso melífluo, oferecem uma redenção que não têm o direito de conceder e, quando questionados, ostentam uma expressão ameaçadora que diz: «Oh, então rejeitam a nossa oferta de paraíso?

Bem, nesse caso temos outro destino preparado para vós: o inferno!!!»

Que amor! Que atenção!

Perfil de Autor

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- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa

- Sócio fundador da Associação República e laicidade;

- Sócio da Associação 25 de Abril

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- Colaborador do Jornal do Fundão;

- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»

- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:

- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;

- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores

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