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Mês: Maio 2014

9 de Maio, 2014 David Ferreira

Por minha grande culpa

Disseste que Jesus morreu na cruz pelos nossos pecados. Mas quando eu te perguntei o que eram pecados, nunca pensei que fosses dedicar tanto do teu tempo a elucidar-me…

Ensinaste-me que Jesus tinha morrido pelos nossos pecados pois só assim alcançariamos a vida eterna. Isso significa que tu para além de mau professor foste um péssimo aluno.

9 de Maio, 2014 Carlos Esperança

Algumas considerações sobre a Concordata de 2004

A cerimónia de despedida do núncio apostólico em Lisboa, em 2002, deixou as piores apreensões sobre os bastidores das negociações da Concordata.

O então MNE, Martins da Cruz, prometeu aí o que não podia nem devia –, o reforço da influência da Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) no domínio «do ensino, da assistência social, da cultura, nos múltiplos domínios em que nos habituámos a ver uma Igreja ativa e empenhada em contribuir para a solução de problemas nacionais».

É sempre através das redes de ensino e socorro social (lares, hospitais, escolas, creches, templos) que as Igrejas se infiltram para controlar o quotidiano dos cidadãos. A tragédia dos países islâmicos, onde a religião tem hoje a mesma influência que a ICAR tinha na Europa na Idade Média, devia fazer refletir os crentes e os não crentes. E, com total impunidade, afirmou ainda: «Como católico considero um privilégio ocupar a pasta dos Negócios Estrangeiros no momento desta importante negociação», como se a religião se devesse explicitar, num Estado laico.

O país livrou-se do ministro mas não se livrou da Concordata. A experiência de 1940 devia ter-nos vacinado contra a reincidência. A própria ICAR, que sofreu o ónus de se tornar refém da ditadura fascista, associada à repressão de meio século, devia evitar a tentação de reivindicar privilégios embora ninguém, que deles beneficie, admita tê-los.

A atual Concordata foi negociada à sorrelfa e foi difícil aceder-lhe, durante alguns dias, depois de assinada. Não tendo sido possível discutir o texto que, depois de ratificado, se tornou direito interno português, diretamente aplicável, é indispensável um movimento da opinião pública para a sua denúncia e um Governo que sobreponha os interesses do Estado laico às convicções religiosas dos seus membros.

A religião não se impõe por tratados. A propagação da fé não se confia aos Estados. O mundo islâmico é o exemplo trágico. A Concordata não pode converter-se num tratado de Tordesilhas que submeta à órbita do Vaticano um espaço a que a Cúria trace o meridiano. A subserviência à tiara não augura nada de bom para um futuro que se quer plural e essa revisão ficou à mercê do promíscuo contubérnio entre ministros de Deus e de Durão Barroso. O resultado está aí.

A ICAR nunca sofreu qualquer limitação ao exercício do múnus nestes quarenta anos de democracia. Que mais pretende ou deseja proibir? A Concordata fere princípios de universalidade e de igualdade de direitos e de obrigações, que a lei geral estabelece e acautela; opõe-se à lei geral na medida em que a ICAR exige tratamento especial naquilo que lhe diz respeito; e enuncia deveres religiosos como se o princípio da separação não impusesse ao Estado total alheamento em relação a esses «deveres».

Por ser bizarro, cita-se o n.º 2 do Art.º 15: «A Santa Sé, reafirmando a doutrina da Igreja Católica sobre a indissolubilidade do vinculo matrimonial, recorda aos cônjuges que contraírem o matrimónio canónico o grave dever que lhes incumbe de se não valerem da faculdade civil de requerer o divórcio».

Se não fosse ridículo, o dever de reciprocidade, imporia um n.º 3 com esta redação: «A República Portuguesa, reafirmando a doutrina do Estado sobre o casamento civil, recorda aos cônjuges que contraírem o matrimónio civil o grave dever que lhes incumbe de se não valerem da faculdade canónica de requerer o matrimónio religioso».

Esta Concordata ofende a soberania portuguesa, é dispensável e, talvez, só o facto de ter sido assinada entre Durão Barroso e o cardeal Angelo Sodano, apenas duas pessoas, tenha evitado a primeira frase da de 1940: «Em nome da Santíssima Trindade».

 

8 de Maio, 2014 Carlos Esperança

A demência, o crime e o manual terrorista

Não bastam os horrores de que um homem é capaz, por si só. A crueldade pode sempre ser superada, em nome de um Deus criado na Idade do Bronze, por homens que rejeitam sair da Idade da Pedra.

Em 14 de abril, o devoto troglodita, Abubakar Shekau, líder do grupo Boko Haram, que significa “a educação ocidental é pecado”, ansioso por criar um Estado islâmico no Norte da Nigéria, sequestrou 223 meninas que ameaça casar à força e vender como escravas.

O piedoso terrorista matou mais de 1500 pessoas em ataques a escolas, igrejas e contra símbolos do Estado e das Forças Armadas. A violência e a morte, em nome de Maomé, o misericordioso, não param. O Profeta, ideólogo analfabeto, não gosta de saber que as meninas possam ser escolarizadas. É uma abominação. Mulheres não podem desafiar as tradições tribais e misóginas. Abubakar Shekau defende a vontade de Deus e do Profeta.

Na Nigéria trava-se uma luta sem tréguas entre o protestantismo evangélico que, não sendo especialmente recomendável, está nos antípodas da barbárie de que o islamismo é capaz àquela latitude.

As jovens destinam-se a ser vendidas no mercado do matrimónio e seviciadas a mando dos raptores. A escravatura é a pena para mulheres que querem libertar-se da ignorância e, quiçá, pôr em risco a fé. E o grupo terrorista não parou de raptar raparigas.

Quando o terrorismo é uma manifestação pia, só a repressão sobre os pregadores lhes pode pôr cobro. Hoje, um bom muçulmano não pensa que é criminoso tal como sucedia com um bom cristão dedicado à nobreza da Inquisição, à evangelização dos índios ou às Cruzadas. Quem os convenceria de que a fogueira não era purificadora e a tortura um bom método para descobrir hereges, judeus e bruxas?

À semelhança do álcool, que passou de atenuante a agravante, em acidentes rodoviários, também a motivação religiosa do terrorismo deve sofrer a mesma evolução.

Se nós, os herdeiros do Iluminismo e da Revolução Francesa, graças à repressão política sobre o clero, pudemos erradicar as fogueiras e a tortura, também os mullahs e aiatolas podem ser obrigados a prescindir da sujeição a Maomé e ao manual terrorista Alcorão.

Estes horrores, contra as mulheres, é que não podem perpetuar-se.

7 de Maio, 2014 Carlos Esperança

A bruxa de Trevões (Conto)

Em qualquer história aparece sempre uma personagem que se destaca das restantes por uma qualquer saliência da personalidade ou por uma qualquer qualidade especial, seja ela de natureza comportamental, temperamental, anímica ou de uma outra variante psicológica, das muitas que compõem o tipo humano.

Neste caso, é o senhor F, um homem que, naquela aldeia duriense, situada na bordadura da fronteira com o planalto transmontano, sobressaía entre os demais, por ser muito esperto e matreiro e ter o olho muito fino para o negócio. Destemido, bem-falante, arrojado e possuidor de uma grande autoconfiança, seria assim que ele seria descrito por quem estivesse, fora da história, a observar-lhe o grau de superioridade que exibia, onde quer que se encontrasse. Apostou ele, numa roda de amigos, à volta de uma mesa de uma taberna da Carrapatosa – e já depois de ter dado as últimas notícias sobre a guerra do Hitler, ouvidas em outros sítios, das suas constantes andanças – que iria desmascarar o raio da velha bruxa de Trevões, cuja fama de advinha e de curandeira se espalhara por muitas léguas em redor.

Foi só descer, por um caminho de cabras, a íngreme ladeira do vale do Douro, contratar o serviço ao barqueiro da Valeira, para atravessar o rio, subir a encosta até o Santo Salvador do Mundo, possivelmente um antigo local de culto celta, recuperado depois pelo cristianismo, que ali ergueu doze capelinhas, tantas quantas são as estações da Via Sacra, mas que agora estava votado ao abandono, devido à concorrência de outros santuários mais sumptuários e bem situados estrategicamente em lugares de acesso fácil, e ei-lo a apanhar a nova estrada de maquedame, que o levaria, já depois de uma légua a andar a pé, à aldeia de Trevões.

Quando a velha o mandou franquear a porta que dava para uma salinha, onde recebia os clientes, já ele tinha mudado de semblante, agora carregado de fingida tristeza e de recatada humildade. A tal personagem, fora da história, que o visse agora, poderia dizer que o senhor F já não era o mesmo homem exuberante, que vira na Carrapatosa, cabisbaixo, tímido e exibindo até uma certa dificuldade em falar.

Feita a saudação do costume, com muita reverência de parte a parte, e depois de ambos se sentarem à volta de uma mesinha, coberta por uma camilha vermelha, a velha, de olhos vivos e perscrutadores, à procura de um qualquer sinal importante, perguntou-lhe ao que vinha.

O senhor F torceu-se no assento, colocou no movimento das mãos, sobre o tampo da mesa, toda a sua encenada hesitação, e respondeu: sabe, minha senhora! O meu pai foi para o Brasil, quando eu era muito pequeno, ao ponto de nem sequer me lembrar muito da sua cara. Depois de algumas cartas, enviadas do Brasil, para a minha mãe, ele deixou de escrever e nunca mais soubemos nada sobre a sua vida. Não sabemos se é vivo ou se é morto.

A velha, depois de perguntar qual a terra do senhor F, e o que fazia, assim como o nome completo do seu pai e o ano em que ele emigrara para o Brasil, e dando sinal de estar satisfeita com as respostas recebidas, pediu licença para retirar-se por uns momentos e entrou para uma outra dependência da casa, fechando a porta, o que levou o senhor F a pensar que a bruxa deveria ter ido consultar os recortes necrológicos dos jornais, que ele sabia que ela guardava, só assim se explicando o facto de ela pedir o envio dos jornais de terras estranhas e longínquas, a quem decidia ir para o Brasil ou para África, depois de ouvirem o seu vaticínio.

Uma vez regressada à sala, e compenetrando-se na solenidade do momento do anúncio do augúrio, que, como se saberá, será infalível e irrevogável, a velha disse: Sabe, senhor F!… O seu pai está vivo, está com muita boa saúde e é um homem muito rico. Brevemente, ele regressará a Portugal, para se juntar à família.

Palavras não eram ditas, e já o senhor F, com um ar triunfalista, e batendo com os nós dos dedos no tampo da mesa, largou uma sonora gargalhada e retomou o seu ar altivo e descontraído. Oh, minha senhora! O meu pai já morreu há uns anos e nunca foi para o Brasil.

E, quando já se levantava, exibindo descarado desdém e dando mostras de que se iria embora, mesmo sem pagar o serviço, a velha, com uma serenidade profunda, adquirida nas catacumbas do tempo, por herança dos seculares segredos da profissão, travou-lhe o ímpeto e a afronta do escárnio: O senhor F está enganado! O seu pai, aquele que já morreu há uns anos, não era o seu pai…

Alexandre de Castro – Maio de 2014

bruxa

6 de Maio, 2014 Carlos Esperança

Anticlericalismo e ateísmo

O ateísmo é a posição natural de quem não acredita em anjos, nas mentiras repetidas dos livros sagrados, nas religiões, na trapaça dos milagres e no delírio do sobrenatural.

Ser ateu é cultivar a dúvida, manter a sanidade mental que as certezas metafísicas põem em xeque e não acreditar em Deus e na família disfuncional que lhe inventaram.

O ateísmo é a forma descontraída de negar o que os crentes afirmam de forma crispada, desprezar os dogmas, os rituais e a liturgia do divino que tanto trabalho deu aos homens a inventar.

Ser ateu é querer morrer de pé sem ter de viver de joelhos, viajar de rastos de templo em templo, dobrar a coluna aos parasitas da fé e contribuir para a difusão das religiões.

Ser anticlerical é denunciar os avençados do divino, mostrar onde escondem as cartas dos truques, o fundo falso da mala dos milagres, o espelho escondido das ilusões e minar o poder que fruem as matilhas clericais para se dedicarem às burlas e extorsão.

O anticlericalismo é a vacina que defende o povo do respeito pela sotaina, do temor da mitra e da reverência da tiara. Denunciar o clero é dizer às pessoas que a água benta é igual à outra, que a hóstia é uma rodela sem data de fabrico, verificação das condições de higiene e sem prazo de validade nem código de barras.

Um anticlerical acredita mais facilmente na pureza do azeite da cooperativa da aldeia do que nos óleos que o bispo leva da cidade para crismar os garotos que fazem a comunhão solene. É mais limpo o óleo de girassol do que a mistela com que o oficiante faz cruzes na testa de um moribundo.

O anticlerical ama a vida, o padre vive da morte. Os homens gostam de entender-se mas o clero porfia em criar divisões, cada padre afirmando que o seu Deus lava mais branco.

Ser anticlerical é desatar a rir quando uma multidão eleva o rabo e mete o focinho no chão julgando que Deus está a ver e leva a sério essas manifestações de ridículo.

O anticlerical vê um padre com a cruz com que julga espantar o demo e lembra-se do infeliz que viaja pregado e cheio de chagas para comover os simples e sacar esmolas.

Deus foi uma funesta invenção dos homens da Idade do Bronze e o clero é a sua única prova.

5 de Maio, 2014 Carlos Esperança

A Frase

Castillo: Num dos estudos mais fiáveis que se fizeram mostra-se que “de 1938 casos examinados de santos canonizados, 78% pertenceram à classe alta, 17% à classe média e só 5% à classe baixa”.

(Padre Anselmo Borges, in DN)