Entrevista de R….. T…….. – para fins académicos
- Numa entrevista ao Correio da Manhã diz que já foi católico. O que o fez mudar de ideias?
R: Fui católico, como toda a gente, na aldeia onde nasci. A professora que não batizasse o filho seria considerada herege e teria o lugar em perigo. De resto, a minha mãe não foi constrangida, nem ela, moderadamente crente, nem o meu pai, agnóstico. Era o hábito. O constrangimento social e a força da Igreja católica não permitiam opção diferente.
Dos 10 aos 14 anos (aluno do liceu da Guarda) ia, uma vez por ano, à missa, na Páscoa católica. A devoção diluía-se ao ritmo da fé. Foi nessa idade que deixei de acreditar no ser hipotético a quem se atribuía a criação do Mundo e comecei a fazer as perguntas ininterruptamente absurdas, quem criou deus, quem criou o seu criador e, assim, sucessivamente.
- Com que idade “aderiu” ao ateísmo?
R: Se por ateísmo se entender não acreditar em Deus (escrevo com letra maiúscula para designar o deus abraâmico), tornei-me ateu aos 14 anos, mas a negação de um ser superior surgiu aos 18 anos, altura em que a rutura com a Igreja católica foi total e sem preocupações metafísicas.
- Foi uma decisão repentina ou implicou ponderação?
R: O ateísmo, como qualquer conceção filosófica é sempre um processo dialético. Há um momento em que a “quantidade” de descrença transforma o cidadão e lhe confere a qualidade de ateu, adjetivo que facilmente assumo mas sem a necessidade de o afirmar.
Há duas razões que me levaram ao ateísmo: uma de natureza intelectual e outra moral. A primeira impede-me de aceitar como verdadeira uma afirmação para a qual não existe qualquer prova. De facto, não há a mais leve suspeita ou o menor indício de que algum deus exista, nem algum fez prova de vida.
A razão moral deriva do facto de o deus abraâmico, aquele que domina a maior fatia do mercado da fé no nosso país, ter sido criado por homens da Idade do bronze, muito mais violentos do que os de hoje, tendo criado um deus à sua imagem e semelhança: cruel, vingativo, violento, xenófobo, homofóbico e misógino, refletindo ainda o carácter tribal e patriarcal dos seus criadores. Basta ler o Antigo Testamento, a que Saramago chamou benevolentemente «manual de maus costumes» quando está mais próximo de um manual terrorista.
Naturalmente que o homem urbano, de hoje, seria incapaz de praticar as barbáries que o Antigo Testamento recomenda ou de aceitar as práticas violentas da sociedade tribal e patriarcal que lhe deu origem.
- Já disse também anteriormente que gostaria de ver o seu baptismo anulado. Porquê? Sente que o baptismo o obriga de alguma forma a ter uma ligação indesejada com a religião católica?
R: A anulação do batismo é a forma de evitar que a Igreja católica use quem a abandona como crentes cujo número exibe para obter privilégios indignos de um Estado laico. Os crentes são cada vez menos mas a Igreja diz que Portugal é um país católico e confisca uma parcela significativa da saúde e da educação com vergonhosas isenções fiscais. As IPSS pertencentes à Igreja católica, Igreja cada vez menos provida de crentes e padres, dão-lhe imenso poder económico, financeiro e político com que garante a continuidade.
- O que é que o ateísmo traz para a sua vida?
R: O ateísmo é uma opção filosófica assumida por quem se sente responsável pelos seus atos e forma de viver, de quem preza a vida – a sua e a dos outros –, cultiva a razão e confia no método científico para construir modelos da realidade; e de quem não remete as questões do bem e do mal para seres incertos nem para a esperança de uma existência após a morte.
- Como surgiu a ideia de criar uma associação ateísta?
R: Surgiu de uma necessidade sentida por ateus, céticos, agnósticos e racionalistas, ideia cujos objetivos estão vertidos no site da Associação Ateísta Portuguesa (AAP):
- Fazer conhecer o ateísmo como mundividência ética, filosófica e socialmente válida;
- A representação dos legítimos interesses dos ateus, agnósticos e outras pessoas sem religião no exercício da cidadania democrática;
- A promoção e a defesa da laicidade do Estado e da igualdade de todos os cidadãos independentemente da sua crença ou ausência de crença no sobrenatural;
- A despreconceitualização do ateísmo na legislação e nos órgãos de comunicação social;
- Responder às manifestações religiosas e pseudocientíficas com uma abordagem científica, racionalista e humanista.
- Ela tem ligação com outras associações ateístas no mundo?
R: Temos excelentes relações com várias congéneres, nomeadamente com as do Brasil e França.
- Em que é que se baseia a associação? O que defende?
R: A resposta a esta pergunta encontra-se nos documentos publicados no nosso site, mas posso referir, em síntese, a defesa da laicidade do Estado, a negação de um ser supremo, a luta contra o obscurantismo e a superstição, bem como a denúncia das religiões como detonadoras de ódios, guerras e injustiças sociais.
As conferências em que a AAP tem participado e as entrevistas à comunicação social refletem a identificação com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o respeito pela Constituição da República Portuguesa, com especial ênfase na defesa da igualdade de género a que o espírito misógino das religiões se opõe.
- Os membros da associação costumam juntar-se para discutir ideias?
R: Os membros da AAP estão dispersos por todo o país. Há apenas um jantar anual e as Assembleias Gerais onde a presença física se verifica. É na Internet, no Diário de uns Ateus e num site de discussão que trocamos opiniões e discutimos a forma de encarar o ateísmo, muito diversa entre as centenas de elementos da Associação.
- Como acha que é a relação do Estado com a religião? Acha que deveria ser diferente?
R: A relação do Estado português é promíscua com a Igreja católica e tolerável com as outras religiões, mas quer a Concordata, um tratado iníquo com o Vaticano, quer a lei da liberdade religiosa, são dispensáveis num país cuja separação é exigida pela CRP e está longe de ser respeitada. Há privilégios indecorosos, como as aulas de Moral e Religião, as capelanias militares, prisionais e hospitalares, pagas com dinheiro dos contribuintes e sob tutela absoluta da Igreja católica. A isenção de impostos e os subsídios municipais e estatais para benefício religioso, são anomalias que urge erradicar.
- Que diferenças há num modo de vida de um ateu e de um cristão?
R: Com exceção da prática litúrgica não vejo diferenças assinaláveis, tal como não vejo diferença no comportamento quotidiano de um budista e de um luterano ou de um engenheiro e de um professor. O ateísmo não é prosélito e ninguém repara que os ateus, ao contrário dos cristãos e muçulmanos, são incapazes de abordar alguém para lhes anunciar a não existência de Deus.
- Que tipo de trabalho faz a associação? Como nos podemos juntar a ela?
R: A AAP publica mensagens e comunicados, escreve cartas e reclamações a entidades oficiais que violam grosseiramente a laicidade do Estado, a Câmaras Municipais que, em épocas eleitorais, pagam viagens e almoços aos idosos dos lares e quando os abusos se tornam obscenos. Para além disso, participa em colóquios, faz conferências e dá entrevistas.
Qualquer pessoa, maior de 18 anos, se pode inscrever. Basta ir ao site, preencher o formulário e tomar conhecimento da AAP.
- O blog “Diário De Uns Ateus” é um blog partilhado por várias pessoas. Como nasceu a ideia de o criar?
O Diário de uns Ateus, sendo propriedade da AAP, não reflete necessariamente as suas posições, habitualmente tomadas por consenso da sua direção. É um blogue anterior à AAP e que reflete as ideias dos sócios que aí colaboram. Nasceu da ideia de um ateu e do entusiasmos de um grupo que trocava impressões sobre o ateísmo.
- Que tipo de ideias são colocadas nesse blog?
R: As ideias dos colaboradores, que jamais defenderão os dogmas e mentiras religiosas, não são objeto de qualquer censura ou agenda e as caixas de comentários estão abertas, como se pode ver pela intolerância e grosseria dos crentes que as frequentam.
Perfil de Autor
- Ex-Presidente da Direcção da Associação Ateísta Portuguesa
- Sócio fundador da Associação República e laicidade;
- Sócio da Associação 25 de Abril
- Vice-Presidente da Direcção da Delegação Centro da A25A;
- Sócio dos Bombeiros Voluntários de Almeida
- Blogger:
- Diário Ateísta http://www.ateismo.net/
- Ponte Europa http://ponteeuropa.blogspot.com/
- Sorumbático http://sorumbatico.blogspot.com/
- Avenida da Liberdade http://avenidadaliberdade.org/home#
- Colaborador do Jornal do Fundão;
- Colunista do mensário de Almeida «Praça Alta»
- Colunista do semanário «O Despertar» - Coimbra:
- Autor do livro «Pedras Soltas» e de diversos textos em jornais, revistas, brochuras e catálogos;
- Sócio N.º 1177 da Associação Portuguesa de Escritores
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